Capítulo 36 - O Soar das Trombetas (Parte quatro)

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***

Um grande quadro enfeitava a parede em frente para a biblioteca, uma figura antiga que ilustrava algum antepassado dos Vladimic: um homem de feições delicadas que não combinavam em nada com o nariz aquilino. Olhos cinzentos que haviam escurecido com o tempo, diferente do tom etéreo habitual. Em seu pescoço, havia um molho de chaves.

Havia demorado a perceber que o molho de chaves não fazia parte da pintura, mas havia sido pendurado ali. Algo disparou em seu peito, ao mesmo tempo em que os ruídos na biblioteca se faziam cada vez mais altos. Estavam lutando, percebeu vagamente, enquanto recolhia as chaves de seu lugar.

Apertou o metal frio e o puxou, fazendo com que se desprendesse do fio em que estava pendurado. Para seu horror, o movimento fez com o quadro viesse ao chão, como se ambos estivessem presos pelo mesmo fio. O baque ecoou pelo corredor, o barulho do vidro estilhaçado soando alto demais em seus ouvidos.

Houve um breve instante de hesitação, enquanto escondia a chave em suas calças e notava vagamente que os guardas do corredor já não dormiam: Duas cabeças pálidas, de cabelos escuros, voltaram-se para ele naquele instante, saindo de seu lugar como se movidos por algum encantamento.

Sua real preocupação, embora, é que o barulho na biblioteca havia cessado.

— Quem está aí?

Ouviu a voz de Vladimir.

Os soldados aproximavam-se, lentos e pelo que sabia parcialmente cegos àquela hora do dia.

Caminhou em direção a eles, empunhando Aemoh com ambas as mãos em um movimento muito decidido.

A porta da biblioteca foi destrancada.

Desmond correu, pegando impulso e saltando entre os vampiros que bloqueavam o caminho.

Um dos soldados conseguiu atingi-lo de raspão abaixo da costela, lançando-o para frente. Rolou no piso frio, recuperando o equilíbrio a tempo de amparar a segunda espada com Aemoh. Empurrou-o para longe com um chute no estômago, reconhecendo os traços angulosos do vampiro com quem havia lutado mais de uma vez antes.

— Arwin, você não era bom antes e não é bom agora.

Desmond evitou o segundo golpe, desviando com facilidade e ganhando distância.

Estava livre para correr, percebeu. Atrás dele havia somente o corredor.

O caminho era tentador, mas...

Não. Haveria outros soldados lá embaixo e ele não teria nenhuma vantagem se fosse pego enquanto descia as escadas. Teria que saltar.

A porta se abriu com um estrondo, ele não esperou para ver quem era.

Havia deixado a porta do quarto de Sefic aberta e foi exatamente para onde correu. Atravessou o aposento, sem se incomodar em fechá-la, mal sentindo os cacos de vidro que ficavam presos em suas botas.

Foi parado pelo parapeito da janela, atingindo-o com um baque que o deixou ligeiramente sem fôlego. Teve um instante para vislumbrar novamente a queda. Se caísse... Só esperava não quebrar as pernas.

Subiu no parapeito da janela, agachando-se sobre a superfície polida, mas não houve tempo para saltar.

Sua cabeça foi puxada bruscamente para trás e ele caiu no chão, de volta ao interior do quarto. Desta vez os cacos de vidro perfuraram-lhe a pele das costas nuas, fazendo um caminho dolorido até os quadris enquanto seu corpo era arrastado no chão.

Sefic, que o tinha pego pelos cabelos, agachou-se muito próximo ao seu rosto, apontando Yur contra seu peito de forma bastante convincente. Ele sentiu a ponta da lâmina contra seu peito, logo abaixo do esterno. Um movimento e...

— Sabe o que acontece se você se mover — Sefic murmurou. Estava ofegante, mas sorria de excitação, como se tivesse ganhado um cavalo alado.

Desmond sentia as costas arderem, a dor rasgando-o conforme os pedaços pontiagudos perfuravam-lhe a pele, mas não se moveu.

— Acreditou mesmo que passaria por mim, irmãozinho? Você nunca fez isso antes, acreditou que seria agora? Diga-me, foi a bruxa que o convenceu a vir até aqui?

Desmond mostrou-lhe as presas, soltando um ruído semelhante a um rosnado. Na posição em que estava, não conseguiria impulso para atingi-lo com Aemoh. Não à tempo.

— Eu havia me esquecido do quão incivilizado você é. — Sefic completou, torcendo os lábios.

Respirando pesadamente, Desmond obrigou-se a falar.

— Você violou os acordos. Alex não pertence a você, solte-o.

Isso fez com que seu irmão rolasse os olhos, soprando do rosto as mechas escuras que haviam se soltado de sua trança.

— E agora você chama seus animais de estimação pelo nome?

— Se Alex não estiver fora desses muros até o pôr-do-sol você terá grandes problemas. — Desmond tentou sorrir apesar da dor. Sua pele formigava, e ele conteve o impulso de praguejar. — O que acha de ficar preso aqui para sempre? Neste lugar escondido do mundo, que você tanto odeia?

— Está blefando. — Sefic retrucou, mas seu sorriso não parecia tão divertido agora.

Sim, Desmond estava blefando. E não era bom nisso, ele sabia, mas era tudo o que podia fazer. Deixou a espada cair no chão com certa relutância, e ergueu a mão, mostrando-lhe a palma cortada.

— Está vendo essa marca? É um feitiço de sangue. Emese a colocou em mim para garantir que poderia sair daqui quando o feitiço estivesse pronto. Ao pôr-do-sol nenhum vampiro poderá sair deste lugar. Você e todo o clã morrerão de fome, esquecidos pelo mundo... — Desmond foi interrompido por um chute no estômago.

O ar fugiu de seus pulmões e ele sentiu os olhos lacrimejarem.

— Veremos se está dizendo a verdade.

Desmond ofegou, em busca de ar. Seus dedos roçaram o chão, tentando recuperar a espada instintivamente. A pressão em seu estômago desapareceu, e então ele sentiu uma mão fria em seu pescoço.

Desde quando a pele de Sefic era mais fria do que a sua? Pensou vagamente, enquanto tudo ficava escuro ao seu redor.

O Príncipe BastardoWhere stories live. Discover now