Capítulo 36 - O Soar das Trombetas (Parte III)

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Zack voltou a adormecer minutos depois. Desmond sentiu quando sua respiração voltou ao ritmo lento e regular, e soube que as longas pestanas de um tom castanho claro não voltariam a se abrir se não dentro de algumas horas.

Deslizou para fora da cama, enfiando-se em seu colete e em um par de calças de couro. Camisa e casaco tomaram seu lugar em seguida, em um processo metódico e ágil que ele conhecia bem. Por fim, viu-se diante do espelho.

O cabelo longo e irregular havia crescido. Tinha se orgulhado disso no passado, como um dos traços mais marcantes dos Vladimic e que ele havia herdado. Deixara-os tão longos que parte deles alcançavam-lhe a cintura, como os de Sefic... Mas isso fora antes de seu enfrentá-lo.

Resoluto, Desmond tirou uma das adagas que carregava no quadril. Sua mão estava firme quando passou a lâmina afiada pelas mechas escuras, e assistiu-as cair no chão quase com indiferença. Quase. Porque seria mentira se dissesse que não se importava.

Era como reabrir uma ferida antiga, uma que doera por tanto tempo que parecia haver se acostumado a ela. Mas era só isso. A lembrança de uma tristeza profunda por um vínculo quebrado, mas agora era ele quem se desfazia desse vínculo.

Quando terminou, o cabelo ainda mais irregular pinicava-lhe a nuca, algumas mechas apontando para os lados, mal cobrindo-lhe as orelhas ligeiramente sobressalentes.

Encaminhou-se para a porta, parando para olhar em direção à Zack.

Não faça nenhuma tolice enquanto eu estiver foa, pensou. Não faça nenhuma tolice irremediável, pelo menos.

Lidaria com sua indignação quando retornasse. E caso não o fizesse...

— Prometa que o levará para casa. — Havia dito no dia anterior, na biblioteca, em um tom que dava pouca margem para discussões. Isso fez com que Monsieur Pierrot arqueasse as sobrancelhas, mas não parecia realmente surpreso.

— É claro. Se você é tão otimista a ponto de pensar que eu sobreviverei caso você morra — Ele respondeu, em tom de ironia.

— Eu irei sozinho.

— Nós já tivemos essa conversa...

— Isso é sobre mim e Sefic. — Desmond o cortou. — Você pode lidar com toda a sujeira que quiser depois.

— O maldito conselho iria à loucura... — Monsieur Pierrot considerou, parecendo deliciar-se com a ideia — Mesmo que você perca, provaremos a ele que o território dos Vladimic não é impenetrável. E se um bastardo como você pôde causar tanto estrago, isso sem dúvidas dará idéias a pessoas mais poderosas do que você.

Desmond sorriu, sem humor.

— Vê. Finalmente você está entendendo.

— E sobre a rainha...

Ele não sabia o que pensar sobre a rainha. Tudo o que conhecia de Valentina era uma menina mimada de 16 anos que possuía poucos escrúpulos e que fora o único carinho que conhecera durante boa parte de sua vida.

— Ela não era frágil quando a conheci. — Ouviu-se dizer, distante — Não a subestime.

Foi a vez de Monsieur Pierrot sorrir, com um ligeiro assentimento.

— É assim que se fala, Desmond.

Eles permaneceram em silêncio, fitando o fogo na lareira, cada um preso em seus próprios pensamentos. Monsieur Pierrot voltou a falar depois de um momento, e Desmond pareceu retornar subitamente ao momento presente.

— É claro que você sabe que teremos que apagar as memórias que ele tem de você, de nós, de tudo isso, não é? — Desmond não respondeu, e ele continuou — Um humano não pode saber tanto sobre vampiros e viver tranquilamente em seu meio.

O Príncipe BastardoΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα