Os diários que Monsieur Pierrot tão displicentemente entregara a Zack haviam pertencido a um homem chamado Antonije, e essa era praticamente toda a informação que encontrara sobre o antigo dono. A maior parte dos relatos não dizia respeito a ele próprio, mas a uma longa narrativa dos acontecimentos que precederam a sangrenta batalha que marcara a história de Zarozje.
Monstros. Demônios que não saíam à luz do dia e espreitavam sua pacífica vila nas sombras da noite, como ratos, sorrateiros e covardes. Sua irmã havia tido a cabeça cortada e empalada, quão justo era que ele estivesse vivo? Antonije oscilava entre o mais cru ressentimento e a tristeza inconsolável por aqueles que haviam sido, em suas palavras, assassinados cruelmente pelos vampiros traiçoeiros que juraram manter a paz naquele lugar remoto.
Zack folheou as páginas devagar. Já não sentia o cheiro do mofo característico dos documentos antigos, mas a fragilidade das páginas amareladas estava lá para lembrá-lo de que aquilo havia acontecido há muito, muito tempo. Mesmo assim, sentia a boca amarga e o estômago revirado, ao imaginar que tudo aquilo provavelmente havia, de fato, acontecido.
Um nome chamou sua atenção: Emese. Algo mais do que a simples curiosidade fez com que seu peito disparasse naquele momento, talvez fosse a ansiedade de saber um pouco mais a respeito da mãe de Desmond? Fora por isso que Pierrot lhe dera os diários? Acariciou o nome com as pontas dos dedos, dividido pela culpa de estar espiando o passado de Desmond sem que ele opinasse a respeito.
Ergueu os olhos, tolamente, como se estivesse esperando por uma permissão. Desmond estava de costas, debruçado sobre a mesa ao lado de Pierrot há horas, em uma conversa que muitas vezes ia do quase silêncio a uma acalorada discussão sobre a invasão que planejavam fazer ao palácio onde Sefic vivia.
Pensar em Sefic não ajudava a desfazer o nó que havia se formado em sua garganta, e ele havia covardemente se refugiado em uma poltrona da biblioteca, longe o bastante para não ouvi-los na maior parte do tempo.
Voltou sua atenção para o bloco de notas que havia abandonado sobre a mesa, escrevendo com certa relutância: Emese, a bruxa de Zarozje.
— Devemos atacar em dois dias, a celebração do aniversário de seu irmão será nossa melhor oportunidade.
— Sefic não é estúpido, ele não abrirá as portas de seu... Palácio sem que tenha uma segurança reforçada. Mesmo se fôssemos durante o dia, ele sabe que estou aqui, está esperando por mim.
— Ah, Desmond! Você se superestima. Depois da sua burrice, de sair chamando a atenção para si mesmo pelas ruas de Paris é óbvio que ele sabe que você está aqui, mas Sefic não montará um exército para recebê-lo. Ele acredita que você estará sozinho. — Monsieur Pierrot moveu vários pinos de madeira sobre a mesa, aproximando-a de um pino solitário que representava Desmond no centro.
Desmond bufou, afastando seu pino novamente.
— Não é o bastante, seus homens não são bons o bastante para enfrentá-los.
Os olhos de Monsieur Pierrot se transformaram em duas fendas estreitas.
— Cuidado com o que fala, mestiço. Enquanto você dormia, esta academia resistia às décadas de tradições jogadas no lixo! Seu irmão destruiu tudo! Olhe em torno! — Ele gesticulou, abrindo os braços — Vampiros vivendo na rua, alimentando-se na sargeta, como animais... Como humanos! Você os viu, você os enfrentou, quantos deles sabiam segurar uma espada?!
Desmond trincou os dentes, impaciente.
— Nenhum deles era da guarda real, Monsieur. Estamos falando de Sefic, ele dizimará seus homens se tiver a oportunidade, não pode dar isso a ele tão facilmente.
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O Príncipe Bastardo
FantasyLIVRO VENCEDOR DO WATTYS 2016, NA CATEGORIA DE INOVAÇÃO Criado sob a lei da espada e da pureza do sangue, o bastardo Desmond jamais soube o que era pertencer a um lugar, muito menos a uma família. Condenado a um sono sem sonhos, o meio vampiro não e...