Capítulo 25 - Da cor do cobre (Final)

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Depois de ter revirado cada centímetro do lugar, Desmond constatou que suas armas não estavam ali, mas não estava ansioso por um novo confronto com a bruxa. A lua estava alta no céu quando finalmente terminou, e marchou para fora daquele cubículo, ansioso por estar ao ar livre pela primeira vez em dias. Alex, que roncava desde seu tapete diante da lareira, não moveu nem um músculo quando a porta se fechou com um pequeno estrondo.

Desmond agradeceu ao vento fresco em sua pele, tocando-se novamente o pescoço, como se quisesse se certificar de que havia realmente sarado. Depois, experimentou dar uma série de socos e chutes no ar, testando os músculos enrijecidos pelo longo período sem utilizá-los. Com o esforço, uma gota de suor escorreu-lhe pelo rosto, e ele constatou com desagrado que precisaria se alimentar em breve.

Somente depois de um momento, ele percebeu que estava sendo observado, mas não parou o que estava fazendo, na esperança de que ela fosse embora caso ele a ignorasse. Em vez disso, um farfalhar de saias indicou que ela se aproximava.

— Você está se recuperando bem.

Ele fez um gesto de desagrado com a boca, e parou com um punho a poucos centímetros do nariz afilado.

— Sei o que está pensando, Desmond. — Ela continuou, segurando seu punho entre as duas mãos, e afastando-o.

Ele alteou a sobrancelha em sinal de ironia. A verdade, é que estivera pensando em sua antiga vida: Em Fantast, nos treinamentos, no barulho de espadas, o cheiro de sexo em sua cama e a mancha de sangue que nunca deixaria o piso de seu quarto.

Ali, tudo era muito pacífico e ele até havia se acostumado ao cheiro de esterco, o que não o deixava menos inquieto. Sentia o sangue borbulhar em suas veias com a necessidade de socar alguma coisa real.

— Se estivesse dizendo a verdade, saberia que sou um soldado, e não um lacaio. — Ele respondeu, passado um momento.

— É com isto que está tão irritado?

Ela perguntou, com aquele tom bem humorado que o fazia se sentir culpado por berrar com ela. Uma mão pequena, com um anel solitário no dedo maior, foi de encontro ao seu peito, quente em contraste com sua pele fria. E havia ainda aqueles olhos, que pareciam desnudá-lo e faziam com que desejasse gritar.

— Deixe-me terminar o que comecei. — Ela disse, com voz melodiosa. — Quando você estiver totalmente recuperado, direi onde encontrar o que quer.

— Por que se importa? — Ele perguntou em voz baixa, sustentando seu olhar.

— Estou fazendo isso pelo meu filho.

O olhar de Desmond se ergueu para a cabana, onde sabia que Alex estava. Sua respiração ficou presa por um momento, quando se lembrou da primeira vez em que o vira, e ele então ele exalou, pesadamente. Sua primeira impressão fora de fascinação, porque era a primeira vez que via uma pessoa de pele dourada. Depois, chegou à conclusão de que ele era diferente, assim como ele, e por isso havia sido perseguido.

Olhando para Emese, agora, Desmond sabia que fora um engano. Muito embora Alex parecesse diferente, eles jamais seriam iguais, pois Alex tinha Emese. Durante muito tempo, ele acreditou que possuía o sentimento de seus irmãos, mas agora também sabia que havia sido apenas um objeto para eles.

Desmond deu as costas para a bruxa, incapaz de prosseguir aquele assunto, e entrou na cabana de forma brusca, sentindo o peito afundar com a contradição de sentimentos que sentia.

A pilha de roupas ainda estava sobre a mesa, e ele vasculhou as peças de roupa com a mesma delicadeza com que fazia qualquer coisa. Eram roupas comuns, que não serviriam para a luta de espadas, mas ainda era melhor do que nada. Ele escolheu uma camisa de algodão, a maior, e esperou que não explodisse em seus braços quando a vestisse.

Ao lado, Alex se remexeu, virando-se no colchão para fitá-lo. Por um longo momento, ele apenas o observou, divertindo-se com o fato de que Desmond não fazia nada sem resmungar um pouco. A camisa, Emese havia insistido que lhe trouxessem o maior tamanho, ficou apertada em suas costas e braços, fazendo-o parecer muito grande, poderoso, e perdido.

— Cansou de se exibir? — Alex apoiou a cabeça em uma mão, fitando-o à luz da lareira.

Desmond parou por um momento, como se estivesse surpreso, e então se voltou para ele.

— Eu nunca canso de me exibir. Principalmente quando tenho platéia.

Alex sentiu o rosto ficar vermelho, em meio às brumas de seu sono.

— Não sei o que está insinuando, mas você está errado. Emese é a única que te segue com os olhos para todos os lados.

Sem que ninguém precisasse ordenar, Desmond arrumou as roupas de volta em uma pilha. Alex percebeu, mas fez de conta que não.

— De onde eu venho, reprimir desejos é um sinal de covardia.

— Você pode parecer uma garota quando está dormindo, mas ainda é um homem. — Alex devolveu no mesmo tom de deboche, embora soubesse que aquilo não era mentira.

Desmond tinha um rosto tão bonito que era irritante, mas não era como quando olhava para sua Eilenah. Enquanto ela era pura e virginal, e fazia com que desejasse ser o herói em um cavalo alado, Desmond tinha uma beleza cruel e esmagadora. Agora mesmo podia sentir algo se espremer entre suas pernas e desejou do fundo do coração que ela não pudesse vê-lo.

— Eu não estou surpreso. — Desmond se sentou em sua cama improvisada, do outro lado do aposento, o que não os deixava com muitos metros de distância entre si, e tirou as botas com um suspiro de satisfação. — Humanos são criaturas covardes por natureza, e a verdade é que não estou mais interessado em você.

Com o rosto ardendo por mais de uma razão, Alex voltou a se deitar, virando-se para o lado oposto.

— Faz bem, pois eu não tenho interesse em você também.

Desmond observou o cabelo escuro, que ao contrário do seu, cobria sua cabeça de cachos, caindo sobre a nuca morena. O cheiro de sua excitação era quase demais para suportar, e quase o bastante para que se esquecesse o quanto desejava ir embora. Quase.

...

Com o coração em frangalhos, Emese o viu dar as costas e caminhar em direção à cabana. O recado era claro: aquela conversa havia terminado. No mais, não haveria muito tempo. Em um ou dois dias ele voltaria a seu estado normal, e nem mesmo ela poderia impedi-lo de partir.

Segurando as saias, ela fez o caminho conhecido mata adentro, até avistar a folhagem amarelada do velho carvalho. Como na noite em que ele despertara o céu se fez cinzento e gotas grossas de chuva banharam-na por completo. O vestido lhe aderia ao corpo, pesando muito mais que o habitual, e cachos de cobre grudavam em seu rosto, em uma confusão de cabelos molhados que lhe cobria parcialmente a visão, mas a verdade é que ela não se importava.

Emese se ajoelhou no chão, unindo as mãos no colo. Lágrimas quentes deslizaram pelas maçãs altas de seu rosto, unindo-se às gotas de chuva até desaparecer por completo. As mãos pequenas e calejadas pressionaram o peito sob o tecido áspero de sua roupa, no lugar onde seu coração batia acelerado, como se desejasse ganhar asas. Como se já não pudesse caber em seu local de costume.

Se Desmond apenas soubesse, o quanto havia sido doloroso deixá-lo ir da primeira vez, entenderia porque era tão difícil fazê-lo agora. Emese deixou as mãos deslizarem em direção ao próprio ventre, abraçando a si mesma com força. Embora estivesse plano agora, ela se recordava do volume arredondado, firme sob o toque de suas mãos.

Recordava da sensação de tê-lo dentro de si, ganhando vida e crescendo com uma força tempestuosa. Queria poder dizer em voz alta o quanto estava orgulhosa de seu filho, e que ele havia se tornado um homem magnífico. Não poderia fazê-lo agora, não ainda... Não quando ele estava tão machucado. Havia lhe curado o corpo, poderia curar sua alma?

O vento frio golpeou-lhe o rosto naquele momento, e ela percebeu que havia mudado de direção, trazendo consigo a certeza de que não estava sozinha. A bruxa ficou de pé, enrijecendo por dentro e por fora. O mesmo passado que trouxera de volta o seu filho, agora vinha para atormentar-lhe.

Ela se virou para encarar o vampiro que a observava das sombras, e quando falou, sentia que poderia congelar por dentro, tamanha a frieza que sentiu em peito. Esta, se vez notar em seu tom de voz:

— Há quanto tempo, Vladimir.

O Príncipe BastardoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora