Capítulo 35 - Rainha do Inferno

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Era como uma lagarta que sonha em ser uma borboleta e tem seu casulo rompido por outro alguém antes que ela pudesse sair sozinha, pensou. A criatura morre, quando apenas deixou de ser somente uma lagarta, antes de ser borboleta ou qualquer outra coisa. Isso era o que acontecia quando invadiam o pequenino espaço de sua intimidade. Quanto tratavam de decidir seu destino por ela, quando não permitiam que abrisse caminho sozinha com as próprias asas...

Era exatamente assim que se sentia a respeito do objeto entre seus dedos. Ele deveria ter sido um sapatinho de tricô. As linhas grossas há muito amareladas formavam um desenho incompleto e as extremidades pareciam sempre um pouco mais desfiadas a cada vez que o retirava da caixa. Algo que nunca atingiria o objetivo final, e sem qualquer utilidade além de fazê-la pensar nas coisas que poderiam ter sido.

Quando é que as coisas haviam perdido o sentido? Parecia ter sido há muito tempo, não sabia. Desde que havia se tornado rainha, talvez. Essa era a única coisa que havia aprendido a almejar durante toda a vida, isso e um par de coisas que jamais veria novamente.

Ouviu um barulho do lado de fora e reconheceu os passos leves de Lucian. Ela o detestava à sua vez, e odiava Sefic por mantê-lo sempre por perto. Odiava a quietude que o acompanhava, a rigidez elegante em sua postura e seus olhos... Olhos tão raros entre vampiros, sinal de um sangue fraco, diluído... Comum a plebeus e bastardos. Quando era tola e jovem, havia pensado que eram a cor mais bonita, porque assim eram os olhos de seu meio-irmão morto.

- Entre. - Respondeu secamente depois de um longo momento, quando Lucian a chamou pela segunda vez.

Não se voltou para ele, não escondeu o objeto de sua atenção. Permaneceu no sofá de frente para a lareira, tentando absorver o único rastro de calor no amplo aposento. Tarefa difícil quando o frio que sentia vinha de dentro.

A porta se abriu com suavidade, e ela o ouviu entrar. Sabia, mesmo sem olhar, que ele estava curvado em uma reverência e a ideia a fazia querer gritar. Estava errado, tão errado! Desmond jamais se curvaria, Lucian era somente uma farsa...

- O que quer? - Disparou, antes que ele tivesse tempo de dizer alguma coisa.

- O Rei manda avisar que chegará a meia noite, Majestade. - Ele respondeu, com aquela tranqüilidade que não fazia o menor sentido.

A menção à Sefic terminou por azedar seu humor e ela fechou a caixa de madeira com um estalo alto.

- O que me importa onde o Rei está?

Lucian hesitou.

- Lamento o incomodo, Majestade. Devo repor...

- Cale-se! - Valentina o interrompeu.

O robe fino de seda subia e descia ao ritmo descompassado de sua respiração, e ela percebeu que estava mais uma vez perdendo o controle. Sempre acontecia a essa época do ano, não importa há quanto tempo tivesse acontecido...

Sempre sentiria o contato da pedra áspera contra seus pés descalços, e a frieza do metal que prendiam seus pulsos à parede. O medo, o desespero, de acordar e ver-se presa em um lugar escuro e com cheiro de coisas mortas. Não gostava de recordar, mas não podia se dar ao luxo de esquecer...

"Sefic?" Chamara uma vez, o medo transparecendo em sua voz. Reconhecia o calabouço de seu próprio castelo, mas... Havia dormido em sua cama, o que estava acontecendo ali? "Sefic!"

Chamara por ele, apenas por que Sefic significava proteção. Sentira alívio ao vê-lo, mas o alívio morreu aos poucos quando percebeu que Sefic não parecia surpreso, ou com pressa. Ele abriu a porta da cela devagar e entrou, olhando-a com o rosto cheio de pesar.

O Príncipe BastardoWhere stories live. Discover now