Capítulo 24 - Encontros mais inesperados ainda (II)

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Desmond permaneceu na mesma posição até que a repentina falta de ar se amenizasse e pudesse sentir o oxigênio infiltrar-se em seus pulmões com maior facilidade. O peso em seu peito, entretanto, não havia cedido, e nem o faria enquanto permanecesse entre as paredes frias do fantasty. Havia memórias demais ali.

A lua estava alta no céu quando ele deixou o castelo, portando somente a roupa de seu corpo e as armas que era capaz de esconder entre as dobras de seu casaco, além de Aemoh. Se fosse capaz de encontrar outro clã, era possível que aceitassem os serviços do filho bastardo de Vladimir, e, além disso, era melhor espadachim que muitos vampiros puros.

O alívio que sentiu não foi imediato, mas instalou-se gradualmente conforme os muros de pedra desapareciam do seu campo de vista. Não tinha um grande plano, mas tinha algo com o que começar. No fim das contas, ele não era ninguém em seu lugar de origem e não lhe doeria mais se fosse apenas ninguém em qualquer outro lugar.

O barulho da água o atraiu em direção ao rio. Exatamente onde se dividia o território de seu pai e o território humano, e talvez o último lugar onde devesse estar depois de tudo. Porém, se alguém decidisse segui-lo, aquela era uma boa oportunidade de esconder o próprio cheiro.

O vento de outono soprou timidamente contra seu rosto, e ele parou à margem, agachando-se enquanto considerava as possibilidades. A imagem que via refletida mostrava mais de um arranhão por cicatrizar em seu rosto, além de folhas que haviam ficado presas em seu cabelo, e o que mais pudesse acompanhá-las. Fez uma careta para si mesmo; era ótimo que ninguém pudesse vê-lo.

Antes que decidisse lavar-se, seu nariz captou um odor muito leve e familiar. Poderia sentir cheiro de sangue à quilômetros de distância, mas aquele não parecia longe, apenas... Era como se estivesse escondido.

Em alerta, Desmond retornou à escuridão projetada pelas sombras das árvores, à tempo de ouvir um rugido que não pertencia a nenhum humano, ou vampiro. Com passos de gato, ele avançou sobre as folhas secas, seguindo o rastro deixado pelo odor metálico do sangue, que acabou bem debaixo de uma rocha de tamanho médio.

Aquilo não devia se tratar de um túmulo, porque túmulos não possuíam cheiro de sangue fresco. Franzindo o cenho, ele empurrou a rocha para o lado e encontrou um braço. Um braço que havia sido arrancado do ombro por alguma força bruta o bastante para romper o ligamento que o mantinha preso e encaixado no lugar, levando consigo parte dos tecidos e nervos.

Desmond voltou a cobri-lo. Estava acostumado a cortes limpos e rápidos, e não estava tentado a imaginar se o dono daquele braço estava vivo quando fora arrancado. Ainda havia marcas na terra e ele se inclinou para tocar a areia, sentindo-a úmida entre seus dedos; o executor devia estar próximo.

Como se tratasse de uma confirmação, o barulho das folhas movendo-se atrás de si atraiu sua atenção à tempo de fazê-lo desviar de uma flecha, que encostou de raspão em seu pescoço e lhe arrancou uma imprecação.

― Você de novo.

Ele tinha sacado a espada em um movimento involuntário, e se voltou ao reconhecer a voz. Embora não houvesse nenhum cheiro a ser reconhecido, ele se lembrava daquela voz.

― Eu poderia ter matado você. ― Foi a resposta, e ele abaixou o punho erguido, mas não abandonou a posição de um todo.

O jovem camponês não se aproximou, mas caminhou ao redor do lugar onde Desmond estava. Sua voz estava cheia de amargura e por um pouco, ele quase não se parecia à mesma pessoa de antes.

― Da mesma forma que você a matou?

Desmond sentiu o peso da acusação atingi-lo com tal força, que quase se esqueceu de seu arranhão mais recente, mas a expressão em seu rosto não se alterou, exceto pela linha de seu maxilar, que se endureceu conforme ele trincou os dentes.

― Você não sabe o que está dizendo.

― Você me enganou. Disse que a salvaria. ― Desmond ouviu a corda do arco ser tencionada; uma nova flecha estava sendo apontada, e ele estava facilmente visível sob um feixe de luz ― Em vez disso a matou, e matou nossos irmãos!

A segunda flecha foi disparada, mas desta vez Desmond a amparou. Uma ruga se formou em seu cenho.

― Do que está falando?

Um riso sem humor surgiu entre as árvores, e Desmond o localizou. Parecia-se com alguém que não dormia há bastante tempo, e também havia rastros de água por suas bochechas.

― Está brincando comigo? Eu acabo de flagrá-lo, enterrando mais um e nós, como se fôssemos porcos!

Desmond se sentiu tentado a olhar para a rocha novamente, mas não o fez, encarando-o com seus olhos de gato cada vez mais estreitos.

― Eu apenas o encontrei, isso não é trabalho de nenhum vampiro.

― Nunca mais cometerei o erro de acreditar em um maldito vampiro novamente! ― O camponês retirou uma terceira flecha de sua aljava e apontou em sua direção, embora as mãos tremessem visivelmente. ― Vocês são apenas monstros, e eu não descansarei até ter eliminado todos vocês!

Desmond absorveu as palavras com cuidado, e se aproximou a passos duros.

― Isso é inútil.

Paralisado, o rapaz não tentou correr, mas atirou outra fecha, que foi facilmente desviada.

― Mate-me, assim como matou a minha querida Eilenah! Você irá para o inferno e todos os seus!

O rapaz se encolheu quando ele ergueu a mão, e foi surpreendido com um aperto forte contra sua boca. Desmond o silenciou, prendendo-o facilmente em uma chave de braço, e concentrou-se em ouvir o som de passos. Eram pés bastante rápidos, mas ele os ouviu bem antes do novo rugido que se seguiu.

― Merda, você o atraiu com a sua gritaria. ― Resmungou entre dentes e o soltou quando percebeu que ele não falaria mais.

― O que é isso? ― O rapaz perguntou em voz muito baixa, sentindo um medo renovado da morte.

― Eu disse que não era um vampiro.

Foi tudo o que Desmond pôde responder. Uma criatura saiu das sombras, saltando diretamente sobre eles.

O jovem camponês foi empurrado para o lado, rolando sobre a terra, a tempo de vê-lo tentar morder o rosto de Desmond, pressionando mãos enormes nas laterais de sua cabeça enquanto rosnava em sua direção. Estava escuro demais para ver com clareza, exceto porque, ele pôde distinguir a sombra de garras longas e pontiagudas quando a coisa se moveu.

O vampiro tinha a arma pressionada contra o pescoço alongado, em uma posição em que seria impossível causar algum dano real, e a distância entre começou a diminuir gradualmente. Dentes pontiagudos, muitos deles, se fizeram visíveis, e outro rugido escapou-lhe da garganta, deixando escorrer uma baba grossa.

Sob uma série de impropérios, Desmond prendeu as coxas em torno do corpo esguio, forçando seu peso sobre ela. Embora fosse maior, era tão magra que poderia ver a ossatura exposta, e ele apenas esperava que isso fosse alguma vantagem.

Os corpos rolaram em direção ao rapaz e ele se arrastou para trás até que suas costas se chocassem contra o tronco áspero de uma árvore, segurando o braço que machucara durante a queda. Seus olhos percorreram o espaço em torno, procurando seu arco e a aljava. Sob as batidas frenéticas de seu coração, os ruídos da luta se fizeram mais altos.

O Príncipe BastardoWhere stories live. Discover now