Decido ignorar meus pensamentos e corro para casa. Tenho adoração pelo meu trabalho, mas não posso negar que os melhores momentos do meu dia, são os momentos que passo com meu pequeno anjo.

Pego Gael e a cesta de comidas que a senhora Maria gentilmente preparou para o nosso piquenique.

Maria é uma senhorinha muito bondosa que cuida do Gael enquanto eu estou trabalhando. É um anjo em forma de mulher. Ela tem um pouco mais de cinquenta anos de idade e por não ter família aceitou morar comigo e me ajudar com Geal. Lhe pago um bom salário e cuido também da sua saúde, mas não chega nem perto do que ela faz por mim e pelo meu filho.

O amor que ela sente por ele é o mesmo amor que uma avó sente por um neto. Eu sou muito grata por a ter encontrado, não só por ela ter se tornado a avó do meu filho, mas também por ela ser uma amiga para mim.

Sinto falta da minha mãe. Sinto saudade da nossa amizade e de como ela me entendia sem ao menos uma palavra dizer. Sinto falta dela todos os dias. As vezes essa saudade me sufoca e sinto-me ingrata porque dona Niza, a mãe do Mateo, sempre se esforçou para que essa saudade fosse preenchida, mas ela nunca seque diminuiu.

Hoje é um dos dias que eu queria não lembrar. Hoje é o dia que a saudade dói um pouco mais. Hoje dia dezessete de outubro faz vinte e quatro anos que meus pais se foram. Vinte e quatro anos que eu perdi as duas pessoas que mais amei em toda a minha vida.

Dói lembrar que ele se foram. Dói saber que nunca mais ouvirei suas vozes. Dói olhar para a foto que carrego em meu relicário e saber que esses olhos nunca mais brilharam para mim. Eu queria tanto que eles estivessem aqui. Queria tanto que conhecessem o Gael.

Queria não ter perdido tudo que perdi, mas eu não me importaria de passar o que passei depois que o maldito do Fernando me abandonou, se os tivesse ao meu lado novamente.

Perder o Fernando doeu muito e de certa forma destruiu uma parte da minha alma, mas perder os meus pais destruiu meu coração. Destruiu a minha vida. Perder meus pais acabou com tudo de bom que havia em meu ser. Fui por muitos anos um cadáver andante. Existi para o mundo, mas morri para mim. Perdi a fé em Deus e a fé nos homens. Tornei-me uma pessoa da qual não me orgulho.

Briguei com o mundo e com todos que tentaram se aproximar. Joguei em quer que fosse a minha raiva. O meu ódio. Destruí tudo que pude e por fim tentei destruir a única coisa que me restava, - a vida -.

Foi no dia dezessete de outubro do ano de mil novecentos e noventa e quatro que tentei por um fim a minha vida pela primeira vez.

Era um dia ensolarado e eu não aguentava mais chorar. Estava cansada de dizer para todo mundo que estava bem. Que estava superando. Que estava feliz. Sentia-me cansada de mentir. De ver a pena estampada no olhar das pessoas que se aproximavam de mim.

Todos os dias era a mesma coisa. Alguém vinha sentava-se ao meu lado e falava por horas que meus pais estavam em um lugar melhor, que eles estavam bem. Que eles estavam cuidando de mim. Não suportava mais ser a garota triste que perdeu os pais. Não mais suportava ser a pobre menina órfã que dependia do cuidado dos outros.

Movida pela dor, pela magoa, pela tristeza, escolhi o caminho mais fácil. Joguei-me da pedra mais alta da cachoeira. Inocentemente acreditei que a queda seria o suficiente para causar minha morte eminente, mas enganei-me, ou o Ser maior que rege o mundo poupou-me. Na época senti ainda mais raiva que sentia, Dele por não me deixar partir, mas hoje agradeço a todo instante por ter a oportunidade estar aqui.

Lembro-me que quando acordei no hospital, vinte e dois dias após minha "aventura", Mateo estava ao meu lado. Foi a primeira vez que ele realmente esteve ao meu lado.

Doce ReencontroWhere stories live. Discover now