II Capítulo

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Ofélia Santos
O meu réveillon foi regado com esperanças de uma vida melhor como deseja qualquer outra pessoa. Que nesse ano eu me desse melhor na vida, terminasse a minha faculdade de administração, conseguisse um salário mais alto, quitasse a minha dívida com o banco, comprasse uma casa para minha família, um carro para mim, internasse meu irmão em uma clínica de recuperação, e colocasse o meu filho em uma creche decente. É, eu quero tantas coisas, e espero que até o fim desse ano eu tenha conseguido ao menos a metade. Mas diferente da maioria das pessoas, o meu ano novo não foi regado a festanças e mordomias, muito pelo contrário, eu levantei cedo e fui para praia vender doces e salgados com a minha prima-irmã.
Moramos na favela, periferia do Rio de Janeiro, em uma casinha muito simples, que nem reboco tem. A porta de ferro velha enferrujada range alto ao movê-la, e as janelas são um sacrifício para abrí-las ou fechá-las. Quando estamos no verão, dentro de casa parece uma fornalha, e quando estamos no inverno, parece um frizer. Mas o maior problemas que enfrentamos é a falta de espaço. Mora 6 pessoas em uma casa que na verdade mal cabe um casal.

-Lia temos que sair logo, senão perdemos o movimento da manhã - agita-me minha prima-irmã Somálian.
-Calma Má, só vou dar um beijo no meu bebê.
-Rapidinho então, já são 5:20.

Sim, saímos de casa 5:20 da madrugada, para dar tempo de descer o morro e caminhar pela orla até o início da praia. Vou até o único quarto que há na casa e dou um beijo no meu filho Benjamin, que dormia todo encolhidinho no seu carrinho. Infelizmente não tem outro lugar para ele dormir, Ben já vai completar 2 aninhos mês que vem e ainda sim dorme no carrinho. Morro de dó do meu bebê e tiro-o de lá e coloco no meu colchão de solteiro que fica no chão, o cerco com travesseiros e beijo sua bochecha gordinha antes de sair. Quando vejo a situação em que vivemos me penalizo por ter arrumado um filho, eu o amo mais que tudo, mas me culpo por não poder dar uma vida ao menos decente para ele. Se ao menos eu tivesse a ajuda de seu pai, que na verdade nem posso o chamar de pai, porque o que ele fez foi me colocar ainda mais na lama. Mas graças a Deus arranjei um chefe que tem me ajudado muito, mas às vezes tenho medo de pedir demais e ele acabar achado que eu estou me aproveitando da situação.
Pego duas bolsas térmicas com os doces que minha prima-irmã vende, e ela pega mais duas bolsas térmicas com salgados. Descemos o morro conversando bobeiras, e logo que entramos na praia começamos o nosso dia de venda.

(...)

Fomos e voltamos a praia inteira três vezes, e ao final do dia, eu estava morta e morrendo de fome.

-Não sobrou nada para comermos? - pergunto a Somálian.
-Felizmente não, vendemos tudinho.
-Que bom, pois estou exausta. Acho que só sirvo para trabalhar na Lusitano mesmo - escola de equitação que eu trabalho como diretora parcial.
-Viu só o quanto eu ando todos os dias? Por isso que sou magra desse jeito - ela ri.

Por um lado era verdade, mas por outro, em oculto, nós sabíamos de todas as noites que fomos dormir apenas com copos de água no estômago para tapear a fome.

Subimos o morro devagar, e quando chegamos em casa encontro minha mãe fazendo janta, e o meu irmão Reinaldo, de 17 anos, segurando o meu bebê.

-Oi gente - coloco as bolsas térmicas na mesa e pego meu bebê do colo do meu irmão.
-Venderam tudo? - pergunta minha mãe Rosângela.
-Tudinho.
-Oi bebê da mamãe, eu morri de saudades suas - encho o rosto do Benjamin de beijos e ele gargalha alto.

Sento-me no sofá com meu filho no colo, e ajudo minha irmã contar o dinheiro das vendas de hoje.

-O Claiton está chegando, esconde isso aí! - avisa o Naldo.

Má coloca todo o dinheiro no bolso da calça e se senta ao meu lado como se nada tivesse acontecido. Meu irmão mais velho adentra a sala com a sua famosa cara de 'preciso de dinheiro'.

Filhinho de papaiWhere stories live. Discover now