Capítulo 51: Ela foi o que?

328 91 43
                                    

Por um longo momento, tudo que meu pai fez foi me encarar, como se estivesse absorvendo todas as minhas palavras. Não me arrependia de nenhuma delas, porque eram todas verdadeiras. Se eu precisasse escolher, eu escolheria minha mãe. Se ele me odiava, eu também o odiava mais ainda. A única coisa que ainda importava pra mim naquela família horrível, era minha irmã.

—Eu não odeio você, filho. —Ele riu, balançando a cabeça negativamente, mas vi que estava abalado com as minhas palavras. —Sabe, em alguns pontos você acertou. Sei que você prefere a sua mãe. E sei também o porquê. Você é igualzinho a ela. Não totalmente, mas puxou quase tudo dela. Uma pena, porque eu iria gostar mesmo que você tivesse pelo menos um pouco de mim aí dentro.

—Graças a Deus eu não tenho. —Retruquei, vendo-o rir mais ainda, enquanto me encarava com uma expressão pensativa.

—Você pode acha que sabe muito sobre mim, Eduardo. Mas você não sabe. Eu nunca fingi que me importava com a nossa família. Eu sempre me importei. Eu não queria estragar o que era perfeito.

—Nunca foi perfeito. Você traiu a sua esposa. Mais de uma vez! —Exclamei, sem acreditar que estava ouvindo aquilo vindo dele. Aquelas palavras que soavam tão falsas. —Dentro da casa em que você construiu uma família com ela. Como pode fingir que se importava?

—Não é fingimento. Eu sempre me importei. Por que acha que nunca pedi o divórcio? —Questionou, e eu soltei uma risada, erguendo as mãos para esconder meu rosto, porque aquilo tinha me deixado absolutamente incrédulo. —Eu dei tudo a sua mãe. Eu dei tudo a você e a Érika. Uma casa enorme. Conforto. Comida. Tudo que vocês pudessem precisar. E sempre valorizei isso. Sempre valorizei a família que construímos.

—E tudo que precisávamos fazer era continuar no seu conto de fadas perfeito, mesmo quando você era um maldito traidor. —Falei, balançando a cabeça positivamente, antes de afastar as mãos do rosto e olhar pra ele. —Você acha que a culpa pela família ter ido pro ralo é da nossa mãe, que não aceitou suas traições. Ela fez certo, sabe? Ela merece coisa melhor que você. Qualquer mulher mereceria. E eu e a Érika merecemos um pai muito melhor também.

—Um pai igual o da Camila? —Questionou, me deixando subitamente rígido, o que o fez abrir um sorriso forçado. —Preferia alguém como ele do que eu? Tem certeza que eu não fui um bom pai?

—Você sabia. —Sussurrei, sentindo um gosto amargo na minha boca, quando aquela verdade caiu como uma bomba na minha cabeça. —Você sabia que ele batia na esposa. Você sempre soube e nunca fez nada.

—Eu não vou me meter na família dos outros. —Exclamou, soltando um som de pura descrença com a garganta, como se eu tivesse sugerido uma grande bobagem. —E ele nunca tinha tocado na Camila. Se tivesse, talvez eu fizesse algo a respeito. Por você, só pra deixar claro.

—Por mim? —Cerrei as mãos em punho ao lado do corpo, antes de caminhar na direção dele, sentindo aquela raiva crescendo dentro de mim, ameaçando explodir. —Você se importa tanto comigo, que assediou ela aquele dia aqui em casa, quando eu não estava olhando. Sério, pai, além de hipocrita você é nojento.

—Cuidado como fala comigo. —Sibilou, com o rosto ficando um pouco vermelho, enquanto torcia os lábios em desdém. —Eu não a assediei. Mas não espero que acredite em mim, já que você é cego pra qualquer coisa que envolva essa garota.

—Fique longe dela. —Sussurrei, olhando bem nos olhos dele, vendo-o erguer as sobrancelhas de surpresa. —Fique bem longe dela, pai. Posso não conseguir proteger a Érika de você, por enquanto, mas vou proteger a Camila.

—Eu nunca vou dar a guarda dela pra você. —Afirmou, me fazendo apertar a mandíbula com força, até sentir a dor atravessa meu rosto. —Ela é minha filha e vai continuar comigo.

—Então a gente vai continuar brigando na justiça. —Retruquei, erguendo o queixo para enfrentá-lo. —E mesmo que eu não vença isso, me conforta muito saber que quando a Érika fizer 18 anos, ela vai pegar as coisas dela e sair dessa casa, sem ter a intenção de olhar pra sua cara de novo, assim como eu.

Me afastei dele, sentindo vontade de bater nele por ser um pai tão merda, com pensamentos tão babacas. Ele ficou em silêncio enquanto eu saia de casa, batendo a porta com força o suficiente para fazer as paredes tremerem. Queria voltar lá dentro e berrar com ele, mas precisava me controlar e achar minha irmã.

—Você está bem? —Camila indagou, me olhando preocupada quando entrei no carro e bati a porta com força, precisando liberar minha frustração em alguma coisa material. Balancei a cabeça que sim, sentindo algo amolecer dentro do meu peito quando ela tocou minha mão, tentando me passar conforto.

—Alguma novidade?

—Nada ainda. Falei com a Júlia, mas ela disse que eles não tiverem nenhum sinal, mas vão continuar procurando. —Léo afirmou no banco de trás, me fazendo assentir e ligar o carro para sairmos dali.

Andei pela cidade, olhando pelas ruas. Por lugares que Érika já tinha ido e que gostava. Fiz isso várias vezes, repetindo o mesmo caminho. Mandando mensagens para os amigos dela perguntando se tinham notícias. Mas ninguém tinha qualquer sinal dela. Quando a noite caiu, aquela preocupação que eu estava sentindo aumentou dentro de mim, me deixando furioso com Érika, mesmo que ela tivesse feito aquilo de propósito.

Estacionei o carro na garagem do prédio, sem fazer menção de descer. Camila e Léo também ficaram sentados, olhando pela janela. Estava começando a chover, o que deixava tudo pior pra mim. Não fazia ideia de onde ela poderia estar. Quase um dia todo sumida, sem dar notícias pra ninguém. Alguma coisa poderia acontecer.

Puxei meu celular quando ele começou a vibrar, esperando que fosse Érika. Mas quase murchei no banco quando vi que era só a minha mãe me ligando. Atendi, torcendo mentalmente para que ela tivesse qualquer notícia de Érika. Se eu precisasse esperar até amanhã pra encontrá-la, ia enlouquecer.

Eduardo — Me diz que tem uma notícia boa, por favor!

Minha mãe soltou um suspiro do outro lado do telefone, visivelmente resignada e estressada.

Mãe — Ela foi presa depois de tentar roubar uma loja.

Eduardo — Ela foi o que?



Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Waar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu