Capítulo 11: Você fica.

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Camila

Minha mala estava escorada no armário, assim como uma caixa de papelão e o restante das minhas coisas. Não me lembrava de tê-los colocado ali, assim como não me lembrava de ter chegado a cama e a esse quarto. Quando vim visitar o apartamento para possivelmente aluga-lo, o quarto estava vazio. Mas agora havia uma cama, que eu estava deitada, uma escrivaninha, cadeira e guarda-roupa.

Não me lembrava nem mesmo de ter deixado o carro, o que era engraçado, porque eu estava desperta demais depois de tudo que aconteceu. Mas pelo visto eu tinha apagado no caminho até aqui. Me remexi na cama, me sentando e observando minhas roupas de ontem, amaçadas. Levei um susto quando a porta se abriu e Eduardo entrou, parando no momento que viu que eu estava acordada.

—Desculpa, achei que ainda estava dormindo. —Falou, dando alguns passos para trás, pronto para sair e fechar a porta.

—Pode ficar, na verdade... —Me ajeitei na cama, vendo-o parar, parecendo não saber se deveria sair ou ficar. Os olhos dele me observaram por alguns segundos, como se ele avaliasse como eu estava naquele momento. —Nós dois podemos conversar, Edu? Acho que precisamos, depois de ontem.

Ele suspirou, erguendo a mão para esfregar a testa, antes de empurrar a porta e entrar de novo. Esperei que ele fechasse a porta, mas ele apenas a encostou, como se a ideia de ficar em um quarto fechado fosse demais pra ele. Tentei não me abalar com isso, mas na verdade as coisas estavam tão ruins pra mim, que qualquer coisa, por menor que fosse, me afetava mais do que eu gostaria.

—Você está bem? —Indagou, com um ar tenso que me deixou sem jeito, porque éramos melhores amigos antes. Éramos tantas coisas, que pensar que perdi tudo isso me deixa com vontade de chorar.

—Estou, eu acho. Quer dizer, não estava esperando precisar ligar pra você e pedir ajuda. Desculpa por atrapalhar sua noite e obrigada por ter ido até lá. —Afirmei, encarando as mãos no meu colo, enquanto Eduardo andava de um lado para o outro do quarto, parecendo inquieto. —Pode agradecer ao Léo depois, por mim.

Ele me lançou um olhar inquisitivo, com um leve torcer de lábios, como se estivesse incomodado. Mas o que quer que tivesse passado na sua cabeça, ele guardou pra si mesmo, porque desviou os olhos de mim e encarou minhas coisas. As poucas coisas materiais que haviam me restado.

—Você só tem isso? E estava morando naquele lugar? —Indagou, mas não havia qualquer tom de julgamento na sua voz, apenas curiosidade genuína. —O que aconteceu, Camila? Cadê seus pais?

—Minha mãe faleceu ano passado. —Revelei, observando ele parar de andar e apertar as mãos ao lado do corpo, soltando um suspiro pesado como se estivesse sentindo a perda dela. —Sinceramente, não faço ideia de onde meu pai está. Ele fica indo de um lugar pra outro. E da última vez que eu liguei, ele desligou na minha cara. Acho que a ideia de ter uma filha já não é mais tão atrativa pra ele.

—Sinto muito pela sua mãe. —Eduardo se virou e olhou pra mim, parecendo realmente sentido. —Ela era uma pessoa incrível.

—Ela te tratava como se fosse um filho, não é? —Abri um sorriso dolorido, sentindo a saudade ameaçar esmagar meu coração. —Mas é isso, não tenho casa pra ir. Parentes com quem contar. Aquele lugar foi o único que eu consegui quando voltei. Eu não podia ser muito exigente, então...

—Se tivesse me contado, eu tinha deixado você vir morar aqui. Aquele lugar não é seguro pra você. Pra qualquer mulher. —Eduardo afirmou, e agora sim havia um toque de reprovação na sua voz e na forma como ele me olhava, como se eu estivesse o chateando com isso.

—Bom, você não me queria aqui. Eu não ia implorar. —Retruquei, observando ele apertar a mandíbula, deixando suas bochechas marcadas pela tensão. —Vou achar um lugar pra morar logo e vou te pagar pelo aluguel daquele lugar.

—Eu não quero dinheiro nenhum e você não vai sair daqui. —Eduardo rebateu, me fazendo erguer as sobrancelhas, enquanto o observava fazer uma careta e negar com a cabeça. —Pode ficar com o quarto, ok? As garotas tiraram algumas coisas do apartamento com a mudança dos meus amigos pra lá e trouxeram pra cá. Pode ficar com ele.

—Não quero que se sinta obrigado a dividir o apartamento comigo. —Falei, umedecendo os lábios com a língua, observando os olhos dele se focarem nos meus, como se ele estivesse tentando desvendar alguma coisa. —E eu vou pagar você. Não estava devendo nada pra ela. Tínhamos um acordo, ela só estava se fazendo de doída.

Engoli em seco quando ele caminhou na minha direção, parando na frente da cama onde eu estava. Os olhos faiscando algo quente e intenso, que me deixou a beira do abismo, porque meus sentimentos estavam quase transbordando naquele momento. As borboletas no meu estômago eram só um lembrete de que nada havia mudado, mesmo depois de cinco anos.

—Você fica. —Repetiu, de uma forma que deixava claro que aquilo não estava mais em discussão, enquanto meu coração martelava no meu peito, porque nossos olhos não se desgrudavam um do outro e havia uma sensação avassaladora entre nós dois. —Vamos decidir algumas regras de convivência, pra facilitar as coisas tanto pra mim, quanto pra você. Mas você fica, Camila.

—Regras de convivência? —Soltei, erguendo uma das sobrancelhas, enquanto sentia o ar ao nosso redor ficar quente, faiscando com as palavras não ditas entre nós dois. —Que tipos de regras são essas?

—Você fica longe de mim e eu fico longe de você. —Eduardo engoliu em seco ao dizer isso, enquanto eu soltava uma risada baixa, não acreditando no que ele estava pedindo. —Você não se intromete nas minhas coisas e eu não me intrometo nas suas. Só quero deixar bem claro que não vamos voltar a ser amigos.

—Eu sei, nunca pensei que voltaríamos. —Deslizei minhas pernas pra fora da cama, observando Eduardo ficar rígido na minha frente quando fiquei de pé. Como ele estava na frente da cama, aquilo nos deixou próximos demais, a ponto de nossas mãos quase se tocarem.

Por um segundo nós dois apenas nós encaramos e eu tinha a leve sensação que Eduardo estava pensando no mesmo que eu. Naquela noite antes de eu ir embora, quando estávamos sozinhos na casa da árvore atrás da casa dos meus pais. Nas palavras que foram trocadas. Nos sentimentos que foram compartilhados. E nós beijos que nós dois trocamos, antes de tudo desabar.

—Você me odeia? —Sussurrei, sentindo um medo insuportável dentro de mim, esperando pela resposta dele.

Mas Eduardo apenas piscou, soltando o ar com força como se estivesse sem fôlego, enquanto seus olhos devoravam cada parte do meu rosto. Minha mão roçou na dele, fazendo uma onda de eletricidade percorrer meu corpo. E pelo tremor nos lábios dele, ele havia sentido a mesma coisa.

—Eu posso explicar tudo que aconteceu e...

—Sabe qual o problema? —Ele me cortou, inclinando o rosto pra perto do meu, respirando com dificuldade quando nossos narizes quase se tocaram. —Só porque existem explicações e desculpas, as pessoas passaram a achar que podem fazer qualquer coisa.

Em um piscar de olhos ele se afastou de mim e meu corpo se sobressaltou quando ele saiu do quarto e bateu a porta com mais força do que era necessário.



Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Where stories live. Discover now