Capítulo 7: Vou chamar a polícia.

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Quando voltei pra Floripa, minhas opções eram incrivelmente limitadas. Eu tinha pouco dinheiro, então precisava de um emprego e um lugar super barato pra morar. Eu tinha conseguido um emprego relativamente bom, mas a questão do lugar que iria morar tinha sido pior do que eu imaginava.

Fazia alguns dias que eu estava esperando pela ligação de Eduardo, torcendo muito pra que ele mudasse de ideia. Sabia que a pior coisa que poderia ter feito foi usar aquelas palavras contra ele. Atingir o ego de um cara pode ser uma boa opção, se você não for precisar dele depois. Mas ele também tinha me machucado ao me olhar e falar como se desejasse que eu sumisse de novo. E eu tinha aprendido nos últimos anos a atirar de volta sempre que alguém tinha me atingido. E as vezes não usava as melhores palavras.

—Você está bem? —Meu chefe apareceu do meu lado, me observando limpar as mesas do bar, que estava prestes a abrir. Na sexta feira o lugar era sempre cheio. —Não parece que anda dormindo direito.

—Tenho um vizinho barulhento. —Dei de ombros, como se essa fosse a melhor explicação.

Na verdade, não era. Eu não conseguia dormir a noite, porque aquele lugar não era o mais seguro de todos e meu vizinho mexia comigo desde o primeiro dia que coloquei meus pés lá. Minha mente não desliga fácil quando estou com medo. Então eu quase não durmo nada naquele lugar, preocupada demais em acordar com aquele cara dentro do meu quarto.

—Me da isso. —Ele pegou o pano e o álcool da minha mão, me lançando um sorriso. —Os outros já estão chegando. Pode ir. Hoje é seu dia de folga mesmo. Aproveite pra dormir mais cedo.

—Mas você disse que eu podia ficar e que me dava um extra. —Afirmei, sentindo minha pulsação acelerar, porque já estava fazendo planos para o dinheiro extra daquela noite. —Eu...

—Sim, e você já ajudou o suficiente. Vou te pagar pela hora extra. —Prometeu, me fazendo quase gemer de alívio, antes de abrir um sorriso agradecido pra ele. —Agora vá pra casa. Você está parecendo mesmo cansada. E vê se come alguma coisa também.

—Obrigada! —Falei, enquanto caminhava em direção aos fundos para pegar minhas coisas na sala dos funcionários.

Não deixei de dar uma olhada no palco no canto do bar. Tinha a esperança de poder ver alguém tocando ali em cima. Sabia que os shows eram sempre toda sexta feira, os dias que eu tinha folga do trabalho. Não tinha a chance de assistir nenhum, porque estava sempre cansada demais pra ficar ali até o início da noite.

—Quem sabe na próxima. —Sussurrei pra mim mesma, sabendo que um pouco de diversão seria bom pra mim, depois de lidar com tantos problemas de uma vez só.

Peguei minhas coisas, antes de sair pelos fundos do bar. Meus pés estavam doloridos, porque tinha passado as últimas horas em pé, arrumando o bar antes do horário de abrir. Só queria uma cama confortável e segura pra dormir, mas sabia que não pregaria os olhos de novo.

—Pra começo de conversa, você nem deveria estar aqui. Nós dois já conversamos sobre isso.

Fiquei rígida, sentindo meu coração disparar como se uma escola de samba estivesse tocando lá dentro, porque eu reconheceria a voz de Eduardo em qualquer lugar do mundo. Caminhei até a esquina do prédio, parando no momento que o vi atravessando a rua com um grupo de pessoas, indo em direção a entrada do bar.

Os únicos que eu conhecia eram Bernardo e Manuela, além da irmã mais nova de Eduardo, que seguia resmungando atrás dele. Quando eu ainda convivia com a família dele, ela ainda era uma criança baixinha e quieta. Mas agora estava alta, bonita e se parecendo muito com o irmão mais velho. Havia mais um casal andando atrás deles e um outro rapaz, que estava olhando com uma expressão distraída para Érika.

—Eu fico escondidinha atrás do palco. Ninguém nem vai saber que eu estou ali. —Érika falou atrás de Eduardo, enquanto eles seguiam pra dentro do bar, alheios ao fato de que havia alguém os observando. —Eu me recuso a ficar em casa quando o Léo pode vir e se divertir com vocês.

—Ninguém está brigando pela minha guarda, pirralha. —O rapaz que deveria ser o Léo retrucou, antes de todos eles sumirem lá dentro.

Soltei um suspiro pesado, erguendo a mão para ajeitar meus cabelos. A sensação de aperto no meu peito era quase insuportável, como se alguém tivesse arrancado alguma coisa muito importante minha. Eu sabia o que era. E a pior parte de tudo era saber que aquilo estava ao alcance da minha mão, mas eu não podia tocar.

[...]

Empurrei a porta do meu quarto, enquanto dava uma mordida no meu hambúrguer, que havia comprado no caminho para casa. Estava morrendo de fome e ultimamente hambúrguer estava sendo o prato principal de todo jantar. Eu não podia ser muito exigente com o saldo que eu tinha na conta.

Soltei o pacote de hambúrguer em cima da mala, antes de jogar meus tênis em um canto e empurrar a porta para fechá-la. Tinha acabado de passar a corrente no fecho quando um corpo se chocou contra a porta, me arrancando um grito de susto quando vi que era meu vizinho.

—Sai daqui! —Exclamei, tentando empurrar a porta para fechá-la, vendo-o enfiar a mão pela fresta da porta para tentar alcançar o fecho da corrente e tirá-la.

—Abre pra mim, lindinha. Precisamos combinar o pagamento do aluguel. —Afirmou, com o cheiro de cerveja chegando até mim e embrulhando meu estômago.

—Não temos que conversar nada. Vai embora! —Exclamei, agarrando a mão dele para que ele não conseguisse tirar a corrente, que era a única coisa que o impedia de entrar ali. —Sai daqui, ou eu vou chamar a polícia.

—Chama, eles nunca aparecem por aqui, de tantas vezes que já ligaram pra lá desse lugar. —Ele riu ao dizer aquilo, enquanto eu sentia o desespero escorrer pelo meu sangue, deixando meu coração disparado e o medo gritando na minha cabeça como uma tempestade.



Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3जहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें