Capítulo 17: Casa da árvore.

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Eduardo

Abaixei os olhos para o livro que Camila abraçava, sentindo como se alguém estivesse enfiando uma faca no meu coração, com a lembrança que aquilo me trouxe. Nós dois, deitados um do lado do outro. Sua cabeça descansando no meu ombro, enquanto eu lia pra ela. Aquela lembrança me deixou sem ar, porque costumávamos fazer aquilo quase toda noite.

Observei ela abrir a boca para dizer algo, mas apenas entrei no banheiro e fechei a porta com força atrás de mim, sentindo que precisava conseguir alguma distância dela, ou acabaria ficando louco. Fiquei parado ali, com a cabeça encostada na porta, até ouvir o som da porta do quarto dela batendo. Não podia deixar que ela visse o que aquele livro aleatório me causava. Não podia deixar, porque sabia que ela iria usar aquilo como munição contra mim mais tarde.

Quando consegui controlar minha respiração, sai do banheiro e fui trocar de roupa, vendo Érika me encarar com as sobrancelhas erguidas, como se soubesse muito bem o que estava acontecendo comigo. Mas tudo que eu menos precisava era minha irmã se intrometendo naquilo, assim como meus amigos estavam fazendo.

—Onde você vai? Pensei que a gente ia almoçar com a mamãe hoje. —Érika afirmou, me seguindo quando me viu pegar as chaves do carro e sair do quarto.

—Preciso resolver uma coisa. Volto antes do almoço, então não precisa se preocupar. —Falei, deixando uma Érika muito confusa parada feito uma estátua no meio da sala.

Desde que minha mãe havia descoberto a traição do meu pai e pedido o divórcio, nunca voltei até nossa antiga casa. Primeiro, porque meu pai havia ficado com ela depois do processo de separação. Segundo, porque aquela casa me fazia lembrar de coisas que eu preferia não lembrar.

Mas quando entrei no meu carro, não hesitei em dirigir até lá, sem me importar se meu pai estaria em casa ou não. Eu não estava indo lá por ele. Quando estacionei na rua de trás, fiquei alguns minutos dentro do carro, me perguntando que merda eu estava fazendo. Desde que Camila tinha voltado, eu não conseguia me concentrar em nada. Ela estava entrando na minha cabeça e eu só queria ser capaz de mantê-la longe.

Desci do carro e dei a volta na quadra, até estar em frente ao portão. Quando passei por ele a primeira coisa que olhei foi para a casa ao lado, onde Camila morou com os pais. Ela tinha sido comprada por outro casal, que a reformou. Mas as lembranças ainda estavam lá, de todas as vezes que eu pulava o muro para ir vê-la.

Engoli lentamente, sentindo um nó se formando na minha garganta quando segui para os fundos da casa, escutando o som da porta batendo. Provavelmente meu pai, pronto para questionar o que eu estava fazendo ali. Não olhei para trás e ele não veio atrás de mim, provavelmente notando pra onde eu estava indo. A casa da árvore nos fundos da casa, que parecia ter sido esquecida no tempo, já que eu nunca mais tinha estado ali.

Seguia te a árvore, checando se a escada pendurada ali ainda estava firme, antes de escalar até lá em cima. A pequena varanda parecia pequena demais pra mim desde a última vez que estive ali, mas ainda consegui me ajeitar sobre ela, antes de puxar a chave da porta e a abrir. Empurrei a porta, sentindo meu coração se contrair dentro do peito quando acendi a luz e vi a camada de poeira que cobria tudo lá dentro.

Fechei a porta atrás de mim assim que entrei, porque não queria ser surpreendido pela presença do meu pai. Era bem a cara dele aparecer ali para me importunar, quando eu só queria um pouco de paz e sossego. Havia poeira e teia de aranha para todos os lados que eu olhava, além da bagunça deixada para trás, das coisas que escondi ali.

Abri as três janelas que haviam ali, deixando a luz do sol entrar no pequeno cômodo, que parecia bem menor do que eu me lembrava. Olhei ao redor, absorvendo tudo que havia guardado ali. As minhas fotos com Camila, penduradas em cordões de luz pelo teto, como se o tempo nunca tivesse passado pra nós dois.

A cama que costumávamos deitar quando nós escondíamos ali, no mesmo lugar, como se ainda estivesse esperando por nós dois. Assim como as caixas que eu havia empilhado em um dos cantos. Caminhei até elas, puxando uma para abrir. Soltei o ar com força, puxando um dos livros de Camila, que ela nem fazia ideia de que estava ali. Todos eles.

Todos aqueles livros que precisei ficar horas ouvindo-a dizer o quanto amava. Todos os surtos sempre que terminava uma história. Ou as lágrimas que soltava sempre que um dos seus personagens favoritos morria. Todos aqueles livros guardados ali, porque mesmo que meu coração estivesse magoado, eu sabia que Camila jamais se livraria deles como se não significassem nada.

Fechei a caixa, antes de deslizar até me sentar no chão, escorando meus braços nos meus joelhos. A sensação de que alguém havia roubado parte da minha vida era quase sufocante. Todos esses anos me perguntando porque ela simplesmente tinha ido embora sem se despedir, logo depois de dizer que me amava. Tudo isso pra ouvi-la dizer que sentiu minha falta.

Me levantei, puxando o ar com força, antes de dar uma boa olhada ao redor. Desci da casa da árvore e entrei na casa do meu pai, ignorando-o quando o ouvi me chamar. Peguei o que precisava e voltei até lá, limpando cada parte daquele lugar, querendo tirar toda poeira que cobria cada superfície. Tirei tudo que não podia mais ser usado, como as roupas de cama, deixando tudo organizado.

Quando terminei, fechei as janelas e tranquei a porta, indo embora sem olhar pra trás. Não me sentia mais leve depois de ter ido até ali. Pelo contrário, me sentia ainda mais furioso com ela. E agora, além de saber que ela voltou, ainda precisava ir dormir toda noite sabendo que ela estava a metros de distância de mim.


Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Where stories live. Discover now