Capítulo 45: Eu não vou embora.

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A mãe de Eduardo pareceu desconfortável ao ouvi-lo dizer aquilo, mas ficou quieta até pedirmos nossos almoço. Érika fez um excelente trabalho em aliviar o clima, puxando um assunto comigo sobre a surpresa que Eduardo tinha feito pra mim. Ela ainda não tinha visto a estante e todos os livros, mas eu havia a enchido de fotos dela no dia seguinte.

Quando nossas comidas chegaram, nos quatro mergulhamos em um silêncio desconfortável. A mãe de Eduardo parecia visivelmente desconfortável, enquanto ele estava rígido do meu lado, claramente irritado e frustado com toda a situação. Talvez aquele almoço não tenha sido uma boa ideia no fim das contas.

—O que você está estudando, Camila? —Indagou, chamando a minha atenção, enquanto eu abria um sorriso tenso.

—Letras - Português. —Falei, e mesmo que aquela fosse uma pergunta simples, eu estava preparada para qualquer golpe. —Gosto da área de literatura. Estou quase me formando, na verdade.

—E você pediu transferência pra universidade daqui? —Questionou, e eu confirmei com a cabeça, vendo Eduardo me olhar de relance, antes de voltar sua atenção pra comida. —Pretende dar aulas depois que se formar?

—Na verdade... —Cocei minha garganta, sentindo minhas bochechas esquentarem. —Eu estou escrevendo um livro. Assim que terminar a faculdade e conseguir uma boa grana, prevendo publica-lo. Numa editora ou independente.

—Sério? —Eduardo se virou pra mim, abrindo um sorriso surpreso. —Eu não sabia que você estava escrevendo um livro. Isso é incrível, Cami. Por que não me contou antes?

—É que eu fiquei com vergonha. —Falei, soltando uma risada nervosa, vendo ele rir junto comigo. —E com todo o caos que estava minha vida, eu não estava com tempo de escrever e nem inspiração. Mas agora eu pretendo voltar a escrever, porque me sinto mais animada com minhas ideias.

—Isso é incrível. Já quero ler o seu livro. —Érika afirmou, me fazendo lançar um sorriso agradecido a ela.

—Eu também já quero ler. Vou ser o primeiro a comprar quando você lançar ele. E vou te ajudar em tudo que precisa. —Eduardo prometeu, se inclinando para me dar um selinho, o que deixou minhas bochechas ainda mais quentes, porque sua mãe estava olhando pra nós dois com as sobrancelhas erguidas.

—Bem, espero que você consiga e se dê bem nessa carreira. —Afirmou, parecendo estar se esforçando bastante para ser sincera e gentil. —E o seu pai? Por onde ele anda?

Fiquei rígida na cadeira, assim como Eduardo, sentindo a mão dele cair sobre meu colo e apertar minha perna com força, enquanto lançava um olhar resignado na direção da mãe. Não achava que ela estava tentando ser maldosa nesse ponto, porque ela não sabia o que eu tinha passado com meu pai. Era uma pergunta inocente, mesmo que me incomodasse.

—Eu não sei. Não falo e não vejo ele há algum tempo. Nossa relação não é das melhores. —Esclareci, abrindo um sorriso tenso, antes de enfiar a comida na boca para tentar evitar que ela me fizesse qualquer outra pergunta. E ela não fez. E voltamos para aquele silêncio desconfortável.

[...]

Sai de dentro da cabine do banheiro, parando na frente da pia para lavar as mãos. Estava sentindo a tensão me deixar dolorida, porque aquele almoço tinha sido péssimo. Quando estávamos em silêncio, o incômodo de nós quatro era quase palpável. Quando resolvíamos conversar sobre algo, algumas alfinetadas eram soltas inocentemente.

Abri um sorriso forçado quando a mãe de Eduardo entrou no banheiro, sorrindo pra mim ao parar na frente da pia também. Tinha a sensação que ela não ia mais com a minha cara, apesar de me tratar super bem quando eu era melhor amiga do seu filho. Mas as coisas mudaram, pra todo mundo.

—Gosto de você, Camila. Pode parecer que não, mas eu gosto. —Afirmou, como se estivesse lendo meus pensamentos. —Gostava de você quando era melhor amiga do meu filho e gosto agora. Mas não posso deixar de pensar em como o Eduardo ficou depois que você foi embora.

—Eu sei. Ele me contou das coisas que fazia. —Falei, sentindo uma pontada no coração, porque agora meio que entendia a reprovação dela com minha aproximação com Eduardo.

—Quero ver meu filho feliz, mas não quero que ele volte aquele estado rebelde e inconsequente de cinco anos atrás. —Prosseguiu, parecendo ignorar o que eu havia falado. —E vocês dois estão juntos agora. Não apenas como amigos. Não posso imaginar como meu filho iria reagir se você decidisse ir embora de novo, da mesma forma que foi da outra vez.

—Eu não vou embora. Não quero e não vou. —Me virei pra ela, tentando ser o mais firme possível nas minhas palavras. —Da outra vez, as coisas que aconteceram não foram por minha culpa. Eu não queria ir embora. Eu e o seu filho já conversamos sobre isso e já nós resolvemos. Eu gosto pra caramba dele e a última coisa que eu vou fazer é machucá-lo.

—Eu espero, pelo bem dele, que você esteja falando a verdade. —Afirmou, me lançando um olhar carregado de promessas ruins, caso eu não cumpra aquilo, antes de se virar e sair do banheiro, batendo a porta com certa força.

Me escorei na parede, escondendo o rosto entre as mãos e balançando a cabeça para os lados, me sentindo no fundo do poço. Não esperava ser recebida com flores, mas também odiava que me tratassem como a vilã da história. Ninguém além de Eduardo sabe como meu pai foi horrível pra mim. Não só naquele dia que me bateu. Mas todos os dias desde que passei a entender o que acontecia dentro da minha casa.

Mas Eduardo não fazia ideia de como eu me arrependia de milhares de coisas também. De não ter denunciado ele contra as coisas que ele fazia com a minha mãe. De não ter ido embora antes, quando já era maior de idade, com medo de deixar minha mãe para trás. Ela era a vítima, mas acabou me arrastando para todo aquele inferno por não ter coragem de deixar o meu pai.

Eu não queria culpá-la, porque eu a amava e sentia falta dela todos os dias. Mas também não conseguia esconder a pontada de raiva sempre que pensava que as coisas poderiam ter sido diferentes se nós duas tivéssemos simplesmente deixado ele muito antes. Se ela tivesse deixado o medo de lado e feito algo a respeito. Talvez ela nem estivesse morta agora. Mas isso é só mais um arrependimento pra esmagar meu coração. E a mãe de Eduardo nunca vai ser capaz de entender nada disso.


Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Where stories live. Discover now