Capítulo 6: Eu não tinha nada.

538 113 32
                                    

Camila

Sai tropeçando de dentro do apartamento, quase como se estivesse correndo. Na verdade eu estava. Correndo de Eduardo. Correndo de mim mesma. Correndo das próprias palavras que tinha dito a Eduardo, que deveriam atingir só ele, mas me atingiram também. Tinham muitas coisas que eu queria dizer a ele, mas essas certamente não eram as palavras certas.

—Camila? —Levei um susto quando escutei a voz de Bernardo, erguendo a cabeça e dando de cara com ele. Limpei as lágrimas silenciosas que tinham escorrido pelas minhas bochechas, na tentativa de que ele não as visse. —Tudo bem? Já está indo embora?

—É, eu preciso ir. Já olhei o apartamento e ele parece ótimo. —Falei, abrindo um sorriso pra ele, escondendo aquelas emoções avassaladoras que eu estava sentindo dentro de mim. —Se o Eduardo mudar de ideia, você tem o meu número.

—Se o Eduardo mudar de ideia? —Ele repetiu, me observando atravessar o corredor até o elevador, apertando freneticamente no botão, porque estava desesperada para ir embora dali. —Desculpa, aconteceu alguma coisa lá dentro?

—Não, foi tudo perfeitamente bem. —Afirmei, entrando no elevador com a cabeça erguida, antes de olhar para Bernardo e lhe lançar o maior sorriso que conseguia naquele momento, como se tudo estivesse ótimo. —Obrigada por me mostrar o apartamento. Tenho um outro compromisso agora e preciso ir.

Acenei para Bernardo enquanto as portas se fecharam, observando ele acenar de volta, me encarando com uma expressão desconfiada. Mas quando as portas do elevador se fecharam por completo, eu desabei contra a parede, escondendo o rosto entre as mãos, me perguntando se aquele dia podia ficar ainda pior. Não esperava que Eduardo me recebesse de braços abertos. Imaginava que ele deveria ter ficado chateado comigo. Eu teria ficado chateada no lugar dele.

Mas havia muito mais na forma que ele me olhava. A mágoa e o rancor que usou nas palavras quando falou sobre não dividir o apartamento comigo. Eu queria contar a ele que eu nunca quis ir embora e deixá-lo. Não depois de saber do que ele sentia por mim. Mas tinha a sensação que se tentasse falar, ele não ia querer ouvir.

[...]

Corri para dentro do prédio quando começou a chover, sentindo a frustração borbulhar dentro de mim quando tirei os cabelos grudados do meu rosto pela chuva, antes de dar de cara com a senhora que era dona do prédio onde eu morava. Prédio era uma forma até bonita de se dizer, já que o cubículo que eu estava morando parecia mais um cativeiro.

—Bom dia, dona Carmen. —Abri um sorriso torto pra ela, tentando ajeitar meus cabelos molhados, enquanto ela me olhava com uma expressão séria.

—Você ainda não pagou seu aluguel do mês. —Afirmou, fazendo meus ombros se encolherem, porque era só aquilo que estava faltando pro meu dia se tornar ainda pior.

—Eu sei. Mas a gente combinou que eu podia pagar no final do mês, lembra? —Falei, lançando a ela um olhar gentil, mesmo que a expressão dela deixasse claro que ela não me suportava. Não fazia o menor sentido, porque eu estava ali a muito pouco tempo. Mas eu tinha certeza que ela me odiava.

—Não, não combinou. Todo mundo já pagou o aluguel, menos você. Aqui não tem privilégio, branquela. Paga, ou vai morar embaixo da ponte. —Exclamou, enquanto eu comprimia os lábios, me lembrando perfeitamente da nossa conversa quando ela disse que estava tudo bem eu pagar no final do mês.

—Eu não tenho como pagar agora. Vou receber meu salário só daqui a cinco dias. Será que você pode esperar só mais esses dias? —Indaguei, apertando as alças da minha bolsa com força quando ela me encarou com uma expressão severa. —Só mais cinco dias e eu juro que pago.

—Cinco dias, ou chuto sua bunda magrela daqui. —Resmungou, quase me empurrando pelo corredor estreito para sair do prédio.

Deixei meus ombros caírem em desânimo, antes de começar a subir as escadas, praticamente me arrastando. As coisas estavam indo de mal a pior na minha vida nos últimos dias. O problema é que eu sempre achava que não dava pra ir ainda mais fundo no poço, só que sempre tinha uma porta lá embaixo pra te levar ainda mais fundo.

—Eu posso pagar o seu aluguel se quiser. —Escutei a voz de um dos meus vizinhos quando cheguei ao meu andar, junto com o cheiro de maconha que fazia meu estômago se revirar. Aquela velha reclamava de tudo que eu fazia, mas nunca reclamava com ele sobre isso. —Só fazer uma visitinha aqui pra mim. Talvez mais do que uma, né? Tu é magrinha demais pra valer o preço do aluguel.

—Por que você não se mata? —Indaguei, olhando por cima do ombro, vendo o choque que minhas palavras causaram no cara, deixando-o sem palavras.

Entrei no meu quarto na mesma hora, sentindo meu coração martelando na garganta enquanto eu trancava a porta com as três trancas diferentes que estavam ali. Escutei ele gritar alguma coisa do corredor, antes de dar um pulo quando a porta dele bateu com força. Esperei para ver se ele iria bater na minha porta, mas como isso não aconteceu, eu finalmente relaxei.

—Eu só posso ter jogado pedra na cruz. —Choraminguei, indo me jogar na minha cama, enquanto tinha certeza que nada daquilo que eu estava colhendo eu tinha plantado.

Meu quarto era fechado, com um banheiro minúsculo e uma única janela em cima da cama, que dava para o lado de fora. Mas ela era tão pequena que as vezes eu me sentia claustrofóbica ali dentro. Só havia a cama e um armário ali, o que me obrigava a ir comer fora todo dia. Eu tinha dinheiro, mas ele era contado até eu receber meu primeiro salário. Tinha certeza que iria gastá-lo com um apartamento bem melhor do que esse cativeiro, mas pelo visto estava errada.

Me virei na cama, encarando a mala que estava deitada sobre uma cadeira, que eu tinha improvisado como mesa para colocar minhas coisas. Havia duas únicas fotos ali. Uma da minha mãe e outra minha, de cinco anos atrás, ao lado de Eduardo. Olhar aquilo fez meus olhos se encherem de lágrimas, enquanto um buraco se abria no meu peito.

Me obriguei a engoli-las, antes de puxar o celular. Não havia nenhuma notificação, ligação ou qualquer coisa. Era como se absolutamente ninguém soubesse da minha existência. Já estava acostumada, mas nos dias que eu me sentia mais deprimida, até isso costumava me fazer chorar.

Encontrei o número que procurava, hesitando antes de decidir ligar. Mas não fazia diferença, porque eu já estava na merda de qualquer jeito. Cliquei em ligar e esperei, ouvindo-o chamar. A ligação caiu três vezes, até que na quarta tentativa ele finalmente atendeu.

Pai — O que você quer? Eu estou ocupado.

Camila — Preciso de dinheiro pro aluguel.

Pai — Você não tinha arrumado um emprego? Saiu daqui soltando fogos de artifício porque não ia precisar mais olhar na minha cara.

Camila — Eu arrumei um emprego. Mas eu só recebo daqui uns dias e você me enfiou no ônibus sem nada no bolso. E agora eu preciso pagar o aluguel.

Pai — Não posso fazer nada.

Camila — Não pode fazer nada? Se eu estou nessa situação, a culpa é toda sua. Foi você que largou a gente e...

Joguei o celular na cama quando ele desligou na minha cara, querendo gritar com ele por ser tão filho da mãe assim. Não esperava qualquer coisa do meu pai, mas as vezes me perguntava porque ele era do jeito que era. Ele tinha conseguido estragar minha vida, tirando Eduardo de mim e depois minha mãe. Agora eu não tinha nada.



Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Место, где живут истории. Откройте их для себя