Capítulo 18: Até se for a sua garota?

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Entreguei as baquetas para Léo, observando ele tentar fazer algum som na bateria com elas. Mas o som saia um tanto estranho, porque ele não sabia a sequência certa e muito menos o local certo pra bater, pra que o som saísse exatamente perfeito. Tentei mostrar a ele, ensinando com base em algumas músicas que já tinha tocado com meus amigos. Eu nunca tinha tentado dar aulas, então aquilo era novo pra mim.

Érika estava sentada em uma das mesas do bar, com as pernas erguidas sobre a mesa, mesmo que eu tivesse lançado a ela vários olhares de reprovação, que ela fez questão de ignorar. A careta no seu rosto deixava claro que ela estava achando Léo muito desengonçado com a bateria. Ele era um pouco, mas eu tinha certeza que era tudo questão de prática.

Toquei a bateria, deixando Léo ver a sequência que precisava fazer, antes de eu deixá-lo sentar no meu lugar para repetir o que eu tinha feito. Ele errou algumas vezes, até começar a pegar o jeito e conseguir tocar um pouco, sem errar quase nada. Ele estava fazendo mais uma tentativa quando meus olhos se desviaram do palco para o bar lá embaixo.

Camila atravessou o lugar até a mesa que Érika estava sentada, enquanto eu comprimia meus lábios, tentando entender porque minha irmã tinha a chamado até ali. Desviei os olhos quando Camila olhou na direção do palco. Léo parou de tocar, erguendo a mão e acenando pra ela, com um sorrisinho na cara.

—Foco. —Falei, batendo a mão no chimbal, o que fez Léo levar um susto pelo som desagradável que a peça musical emitiu. —Aula primeiro, garota depois.

—Até se for sua garota? —Indagou, com um lampejo de diversão nos olhos quando eu bufei em indignação.

—Ela não é a minha garota. —Sibilei, fazendo-o soltar uma risadinha, enquanto começava a tocar lentamente. —E ela nem mesmo deveria estar aqui, atrapalhando tudo.

—Ela não atrapalhou nada, porque ela está quietinha fazendo o trabalho dela. —Léo retrucou, me fazendo exibir uma careta e erguer as sobrancelhas ao mesmo tempo. —Ela trabalha aqui, Edu. Contou pra Érika ontem na praia. Felipe e o Bernardo estavam comentando sobre isso ontem a noite, quando já estávamos em casa.

—Nem preciso perguntar do que vocês estavam falando pra comentarem sobre isso, porque já posso imaginar. —Afirmei, com um tom de voz totalmente infeliz, porque eu tinha sido o último a saber que ela estava trabalhando ali, justamente no bar que eu costumava tocar com meus amigos e que agora iria dar aula. Mais um lugar em que eu precisaria conviver com ela.

Caralho, o universo deve me odiar muito, porque não é possível.

—Vamos terminar logo essa aula, pra podermos ir embora. —Falei, apressando Léo, fazendo-o soltar uma risada alta, que chamou a atenção tanto da minha irmã como de Camila, porque as duas olharam com expressões confusas na nossa direção.

—Caramba, você tá mesmo fugindo da Camila. —Léo murmurou, ainda rindo, enquanto eu apertava minha mandíbula com força, lançando a ele um olhar mortal. —Tudo bem, você pode ir embora. Mas eu vou ficar aqui. Quero aproveitar o bar quando ele abrir.

—Esse lugar não é pra menor de idade. —Rebati, vendo-o morder o lábio para não soltar outra gargalhada.

—E você sempre trás sua irmã aqui, então acho que eu também estou liberado. Vou ficar aqui. Acho que precisamos ter certeza de que Camila está sendo bem tratada. —Afirmou, mas dessa vez eu consegui me controlar. Não deixei que aquela frase me atingisse, porque Léo só estava tentando me provocar. Ele já tinha conseguido uma vez, mas não iria conseguir de novo.

—Faça como quiser. Não sou seu irmão mesmo. —Dei de ombros, me sentando em um banquinho que havia ali, enquanto Léo me analisava com certa desconfiança, antes de voltar a tocar.

[...]

Juntei minhas coisas, enfiando na mochila. O bar estava quase na hora de abrir, o que significava que meu tempo com Léo ali havia acabado. Ele desceu assim que me devolveu as baquetas, indo conversar com Camila, que ajeitava algumas coisas no bar. Alguns outros funcionários já estavam ali, alheios a qualquer coisa.

—Eduardo? —Paulo, o dono do bar me chamou, abrindo um sorriso simpático assim que me aproximei. Conhecia ele a alguns anos, desde que havia começado a frenquentar o bairro. E é óbvio que a amizade surgiu assim que eu e meus amigos começamos a tocar aqui. —Como está indo?

—Ah, acho que vai dar certo. Meu primeiro aluno é meio lerdo, mas acho que vai se sair bem com o tempo. —Afirmei, arrancando uma risada dele. —Valeu por me emprestar as coisas. Já vou colocá-las de volta no lugar.

—Por favor, Edu. Da última vez que deixei algo no palco, um bêbado acabou mexendo e quebrando o que não deveria. —Ele tocou meu ombro, antes de indicar Camila com a cabeça, o que me deixou tenso. —As chaves estão com a Camila. Peça a ela, que ela te ajuda.

Abri a boca para perguntar se ele não podia me ajudar, mas Paulo já estava se afastando, me fazendo soltar um palavrão baixo. Segui na direção onde Camila estava ajeitando as coisas, com Léo escorado no balcão, arrancando sorrisos dela. Meu sangue ameaçou ferver, mas puxei o ar com força e me preparei mentalmente para aquilo.

—Camila? —Chamei, pegando os dois de surpresa. Mas enquanto Léo abria um sorriso, Camila parecia surpresa e até mesmo confusa por me ver falando com ela, já que eu havia a ignorado o dia todo. —Paulo me disse que você está com as chaves do depósito. Preciso guardar algumas coisas lá.

—Claro, eu abro pra você. —Falou, deixando o pano que estava no seu ombro sobre o balcão. Fiz uma careta para Léo quando ele sorriu com o canto dos lábios pra mim, com uma expressão maliciosa se abrindo no rosto.

Segui Camila até o palco, pegando as peças da bateria que precisavam ser guardadas, enquanto ela pegava outras, como se já tivesse feito aquilo outras vezes. Nos dois seguimos para o fundo, enquanto uma música começava a tocar dentro do bar, abafando meus pensamentos altos. Meus olhos não a deixavam por um segundo, observando a trança que prendia seu cabelo loiro.

Ela abriu o depósito, que estava lotado de peças musicais por todo lado. Entrei primeiro, enquanto ela acendia a luz e pegava as coisas que havia deixado no chão para trazer pra dentro. Meus olhos seguiram os movimentos rígidos dela, como se estivesse muito nervosa perto de mim. Era até irônico, já que ela me lançava cada resposta afiada quando conversávamos.

—Mais alguma coisa ou você só pegou isso? —Indagou, sem olhar pra mim, com a voz tremendo um pouco.

—Era só isso mesmo. Valeu pela ajuda. —Falei, olhando para a porta quando ela bateu com força, dando um susto em Camila, porque ela pulou no lugar enquanto se virava.

Caminhei até lá, agarrando a maçaneta e testando a porta, sentindo meu sangue gelar dos pés a cabeça quando ela não abriu. A forcei de novo, balançando a porta com a força que eu usei para tentar abri-la. Já podia ouvir as batidas irregulares do meu coração na minha cabeça, junto com a música alta que vinha lá de fora.

—A chave, Camila. —Soltei, tentando controlar o tom de voz, enquanto ela se aproximava de mim.

—O que?

—A merda da chave, Camila. —Repeti, sem conseguir conter o tom rude dessa vez, enquanto me virava para ver a expressão ofendida que se abriu no rosto dela.

—Ficou do lado de fora da porta. —Afirmou, fazendo uma careta pra mim, enquanto eu forçava ainda mais a porta.

—Você só pode estar de sacanagem com a minha cara. —Resmunguei, forçando tanto a porta que seria capaz de ela se quebrar, mas nem isso aconteceu. —Isso é coisa sua e do Léo?

—Ah, sim, é claro. Eu deixei a chave lá fora pra ficar trancada com o poço de gentileza que você se tornou. —Afirmou, cruzando os braços na frente do peito e me encarando com raiva, como se quisesse me mandar ir a merda. —Deixei meu celular na sala dos funcionários. Pega o seu e manda uma mensagem pra sua irmã. Ou pra qualquer um dos seus amigos.

Apertei a mandíbula com força, enfiando a mão no bolso da calça em busca do meu celular. Senti um nó se formar na minha garganta e algo queimar no meu peito quando não o encontrei, me apressando em procurar em todos os bolsos possíveis, enquanto via Camila esconder o rosto entre as mãos e balançar a cabeça negativamente, como se estivesse incrédula.

Era oficial, eu iria matar o Léo assim que saísse dali.


Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Where stories live. Discover now