Capítulo 5: Isso não vai acontecer.

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A primeira coisa que pensei foi que estava vendo um fantasma. Não seria a primeira vez que olhava pra uma garota e via ela, antes de acordar pra realidade. Mas normalmente isso levava um segundo, até eu me assustar e perceber que não era ela de verdade. Só que dessa vez ela não sumiu. Ela era muito real. Tinha certeza que eu estava pálido, porque o sorriso que Camila me deu durou um segundo.

—Edu... Oi. —Ela soltou o ar com força, como se estivesse ficado sem fôlego ao me ver ali.

—O que está fazendo no meu apartamento? —Indaguei, começando a pensar que minha mãe havia dado meu endereço a ela também. Não seria uma surpresa se fizesse, mas eu também não imaginaria que ela fosse tão longe, sabendo que meus pensamentos sobre Camila não eram os melhores.

—Ah, eu... eu estou procurando um lugar pra morar e vi que estavam alugando o quarto. —Afirmou, sem nenhum de nós dois desviar os olhos um do outro. Meu coração estava na garganta, martelando tanto que eu achava ser até impossível. —Você mora aqui? É com você que eu vou dividir?

Não consegui dizer nada, absorvendo a visão dela no meio do cômodo vazio. Igual a cinco anos atrás. Não havia mudado um fio de cabelo. Ainda parecia a mesma Camila, que tinha sido minha melhor amiga por muito tempo. Mas antes os cabelos loiros iam até os ombros. Agora estavam longos, como se ela não os cortasse a muito tempo.

Não podia dividir o apartamento com ela. Ficaria louco se fizesse isso. Eu tinha mais pensamentos negativos sobre ela do que positivos. O pensamento de dividir o mesmo teto que ela me deixava sem fôlego, como se alguém estivesse enfiando milhares de agulhas nos meus pulmões.

—Eu liguei pra você, mas depois sua mãe me falou que tinha trocado de número. Ainda ia te ligar, só precisava arranjar um lugar pra morar. —Camila parecia ansiosa ao falar. A tranquilidade dando lugar a hesitação, como se pudesse ver o caos dentro de mim quando o assunto era ela. —Eu voltei a algumas semanas.

—Engraçado você pensar em ligar cinco anos depois de ter ido embora, sem nem um "vai a merda, Eduardo". —Abri um sorriso sarcástico, observando o impacto que minhas palavras tiveram nela.

—Acha que eu quis ir embora sem me despedir? —Indagou, me fazendo engolir em seco, porque estar no mesmo ambiente que ela estava me deixando inquieto. Minha barriga estava gelada. Meu sangue estava fervendo. E minha pele formigava toda vez que eu ouvia a voz dela.

—Não sei. Eu sinceramente não sei de absolutamente nada sobre você. —Falei, desviando os olhos dela para o chão, porque uma tempestade estava começando a se formar dentro de mim, louca para explodir. —Não sei porque me ligou e queria falar comigo.

—Porque eu pensei que... —As palavras dela morreram quando voltei a encara-la. Podia jurar que tinha visto uma centelha de esperança lá, antes de desaparecer e ela ficar rígida, erguendo o queixo como se começasse a ficar incomodada com minha forma de falar. —Eu te liguei porque queria saber como vocês estavam e porque queria contar a você como foram esses cinco anos. Mas acho que eu me enganei sobre muitas coisas, porque você não parece interessado em saber de nada sobre mim.

—Posso dizer o mesmo. —Retruquei, sentindo as palavras dela causarem um buraco no meu peito.

Porque ela falava como se realmente esperasse que tudo voltasse ao normal entre nós dois. Parecia que tinha sido fácil demais pra ela, quando pra mim não tinha sido. Não nos primeiros meses. Não quando eu me sentia um idiota completo.

—A única coisa interessante pra saber é que meus pais se separaram e agora estão tentando se matar na justiça.

—Sua mãe me contou. —Camila abaixou a cabeça, brincando com a pulseira que envolvia seu pulso. —Sinto muito pelo que está acontecendo com a sua família. A minha também... desmoronou.

Eu e Camila nós encaramos pelo que pareceu uma eternidade. Um parecendo tentar ler as emoções do outro. Minhas emoções estavam transbordando. As lembranças que eu tentava afundar no esquecimento. Os sentimentos que se misturavam como uma bola de neve, me fazendo sentir tudo ao extremo. Tudo era sempre demais quando o assunto era ela.

—Edu...

—Não vou alugar o quarto pra você. —Falei, soltando o ar que estava preso na minha garganta. Parecia que alguém havia me colado no chão, porque eu nem mesmo conseguir me mover para fora do quarto. Para longe dela.

—Por que não? —Indagou, enquanto eu encarava qualquer lugar ali, mesmo ela. Não podia olhar mais pra ela, ou ia surtar de verdade. —Eu preciso do quarto e, pelo que seu amigo disse, você precisa de alguém para dividir também.

—Opções certamente não vão faltar. —Dei de ombros, observando a vermelhidão subir pelo rosto dela, como se isso tivesse a deixado ofendida. Que bom, eu também estava ofendido. Assim nós dois ficávamos quites. —É melhor você ir embora, Camila.

Ela se empertigou, erguendo o queixo como se eu estivesse de alguma forma a desafiando. Fiquei rígido quando ela caminhou a passos largos na minha direção, com uma expressão tão afiada no rosto que eu quase cambaleei para trás, com o coração chegando a boca. A antiga Camila era doce e tímida. Mas a Camila na minha frente parecia confiante.

—Quando suas opções se esgotarem, eu quero que seja você a me ligar e pedir para que eu venha morar aqui. Não seus amigos. Você. —Afirmou, me lançando um sorriso tão doce, que eu sabia que tinha a deixado furiosa.

—Isso não vai acontecer. —Retruquei, odiando a hesitação que cresceu dentro de mim, porque Camila falava como se tivesse certeza que eu ia precisar dela.

—Assim como nunca ia acontecer de você se apaixonar por mim. —Ela fez um biquinho de diversão com os lábios, enquanto eu absorvia o impacto daquelas palavras. —E você continua sendo péssimo escondendo as próprias emoções.

Com o último tiro acertando o alvo, ela desviou de mim com uma graça impressionante, desaparecendo com a mesma rapidez que desapareceu anos atrás. Mas o perfume suave tinha ficado no ar e eu sabia que iria me atormentar o resto da noite.


Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Onde as histórias ganham vida. Descobre agora