Capítulo 15: Senti sua falta.

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Respirei fundo pra tentar manter o controle sobre mim mesma, porque Eduardo ainda estava me encarando, esperando que eu começasse o jogo. Engoli em seco, colocando a primeira peça pra frente aleatoriamente, porque duvidava muito que ia conseguir pensar direito com Eduardo me olhando daquela forma.

—Léo me contou que você toca bateria e tem uma banda com os rapazes. —Comentei, dando um gole da minha bebida, sentindo o álcool descer queimando pela minha garganta, enquanto Eduardo finalmente desviava os olhos de mim para fazer sua jogada.

—É só uma diversão nossa, nada sério. —Afirmou, me fazendo comprimir os lábios e encarar o tabuleiro.

—Não deixa de ser legal. Fiquei com muita vontade de ver vocês tocando. —Falei, observando Eduardo erguer os olhos pra me encarar de novo, como se quisesse ter certeza de que eu estava falando sério. —Ele me falou que você vai dar aulas pra ele também.

—Preciso de uma grana extra. —Eduardo deu de ombros, enquanto eu mordia o lábio, percebendo que ele estava fazendo um ótimo trabalho em fugir de qualquer conversa, mesmo que tivesse decidido ficar ali me fazendo companhia.

Encarei o jogo, fazendo uma careta de frustração, antes de pegar um cavalo e derrubar uma das peças de Eduardo, vendo-o apertar a mandíbula. O fato de ele estar ali, mas demonstrar não querer conversar, me irritava. Fazia eu me sentir exposta.

—Vou receber do meu chefe daqui alguns dias. Vou pagar pelo aluguel. Os dois. —Deixei claro, observando ele fazer sua jogada, erguendo a cabeça pra me encarar de novo, me vendo brincar com a peça que eu havia removido dele.

—Eu não estava te cobrando, Camila. Contratei um advogado pra ficar com a guarda da Érika. —Revelou, antes de apertar os lábios com força, como se não tivesse a intenção de me contar aquilo. —É por isso que preciso de dinheiro extra. Por isso que eu precisava dividir o apartamento com uma mulher. Só estou tentando me encaixar nos padrões que o juiz espera de mim.

Fiquei sem palavras por um segundo, porque mesmo que soubesse que seus pais estavam se separando, aquele fato nunca passou pela minha cabeça. Óbvio que Eduardo se importava com a irmã mais nova. Mas eu não esperava que se importava tanto a ponto de fazer isso.

—Isso é muito atencioso da sua parte, Edu. Tenho certeza que a Érika é muito grata por isso. —Falei, vendo-o me lançar um olhar carregado, como se grata fosse a última coisa que era Érika. Aquilo me fez rir, porque a garota era um furacão. Não tinha certeza se havia sido minha risada ou a conversa, mas senti Eduardo relaxar um pouco do outro lado. —Bom, vou torcer pra que consiga. E se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo.

—Não vou precisar, mas valeu. —Respondeu, com um tom seco que me fez bufar do outro lado da mesa, vendo-o derrubar uma das minhas peças.

—Sabe, você está fazendo um ótimo trabalho em fingir que me odeia. —Afirmei, vendo-o ficar rígido, me encarando com as sobrancelhas erguidas, enquanto eu evitava olhar pra ele a todo custo, sentindo meu coração martelando no meu peito.

—Eu não estou fingindo nada e eu não te odeio. —Ele me lançou um olhar afiado, que fez o calor subir para o meu rosto, como se pudesse me ver por inteiro. —Eu só não tenho muita simpatia por você.

—Eu estou começando a não ter muita simpatia por você também. —Afirmei, arrancando uma risada amarga dele, como se eu tivesse contado alguma piada. —O mundo não gira ao seu redor, sabia?

Eu joguei, derrubando outra peça dele sem pensar. Eduardo soltou um barulho de incredulidade com a boca, antes de jogar também e derrubar mais uma peça minha.

—E muito menos ao seu redor. —Retrucou, abrindo um sorrisinho pra mim quando nós dois nos encaramos sem nem mesmo piscar. Como se nenhum de nós dois estivesse respeitando. Eu não estava, porque estava absorta demais em encarar a profundeza daqueles olhos, que me encaravam como se pudessem me queimar.

Meu coração deu um salto no peito, enquanto eu me inclinava sobre a mesa, erguendo o queixo para enfrentá-lo. Eduardo ergueu a cabeça também, como se estivesse se preparando para qualquer coisa que eu fosse atirar contra ele. Aquele era um jogo que nós dois parecíamos entender muito bem. Quando nossos sentimentos estavam tão expostos e machucados, as palavras eram as maiores armas que tínhamos, mesmo que usadas de forma errada.

—O mundo pode não girar ao meu redor, mas você certamente sim, porque veio correndo até aqui só porque eu estava com o Léo. —Sibilei, abrindo um sorrisinho pra ele também, observando o baque que minhas palavras causaram nele. A pose firme de Eduardo vacilou um pouco, antes de ele se fechar de novo. Uma rocha impenetrável.

—Isso me faz entender porque você foi embora sem sequer me mandar ir a merda. Ser mentirosa e maldosa é parte de quem você é. —Soltou, e eu deveria ter me preparado para aquelas palavras, porque elas foram como socos no meu peito, queimando bem no fundo do meu coração.

—Você age como se eu fosse a vilã da sua história. —Soltei uma risada, mesmo que por dentro meu coração estivesse sendo esmagado aos poucos, me trazendo uma dor tão profunda que era quase difícil disfarçar. —Bom, vou te contar um segredo. Nos livros que eu leio, o mocinho sempre fica com a vilã no final. E o ódio, na verdade, é amor.

—Você gosta de brincar com os outros, não é? —Ele engoliu em seco, enquanto nós dois nos encarávamos, sem nenhum de nós abaixar a cabeça ou dar o braço a torcer. Minhas mãos chegaram a tremer ao redor das peças, enquanto eu me obrigava a ignorar minha pulsação acelerada.

—Isso não é brincadeira. Você queria jogar, então eu estou jogando com você, Eduardo. —Afirmei, abrindo o maior sorriso que conseguia, vendo-o fazer uma jogada que o colocou em linha reta ao meu rei. Os olhos dele brilharam com algo malicioso, como se ele estivesse ganhando.

—Espero que goste da sensação de perder. —Falou, se recostando na cadeira, enquanto os olhos se mantinham nos meus, procurando qualquer fraqueza para me atacar.

—Não gosto, só que já estou acostumada com ela. Mas não hoje. —Falei, segurando a minha rainha, vendo Eduardo abaixar os olhos para o tabuleiro, percebendo que sua última jogada tinha o deixado exposto pra mim. Então usei algo que eu sabia que o atingiria bem mais do que qualquer outra palavra que eu já tinha dito. —Senti sua falta. Nesses cinco anos, senti sua falta.

Virei o copo de bebida por completo na minha boca, antes de pegar o dinheiro e deixar sobre a mesa, sem ter coragem de ver a expressão no rosto dele. Apenas peguei a rainha e levei até seu rei. Mas não o derrubei, apenas a deixei bem ao lado dele, antes de ficar de pé e dar as costas pra ele.



Continua...

Todas as lembranças perdidas / Vol. 3Where stories live. Discover now