Capítulo LXXXVI

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Atualmente...

Seguimos o combinado e, ao despertar, senti o calor do corpo de Sarah junto ao meu. Sua camisola de seda havia deslizado, revelando a maciez da sua pele encontrando a minha. Abraçando-a suavemente, depositei um beijo em sua cabeça antes de fechar os olhos. Sarah murmurou algo e se aconchegou em meu colo.
Quando nos levantamos, quase na hora do almoço, nos deparamos com Nicolas na cozinha, usando um avental sem camisa sobre uma calça de moletom e tênis cinza.
— Nossa... Se a Verônica te ver assim, ela começa a namorar você rapidinho. – disse Sarah, enquanto se acomodava à mesa.
— Oi. – Nicolas sorriu. — Eu fiz frango frito. Querem?
— Lembrou de tirar o excesso de óleo? — indaguei, aproximando-me de Nicolas.
— Sim, mamãe. – ele brincou.
— Viu a Lu? – Sarah perguntou.
— Sim, ela está limpando os quartos. – Nicolas respondeu.
— Eu adoro a comida de vocês, mas vou marcar as entrevistas com as cozinheiras. Precisamos de um pouco de mordomia, né gente? – Sarah sugeriu.
— Nem fico ofendido, Sarah. Pode contratar. – disse Nicolas, trazendo uma travessa com pedaços de frango empanados e fritos para a mesa.
— Nick, me conta. É ela, né? Por que eu adorei a Vanessa. Quero mimar minha nova sobrinha. – disse Sarah, com um sorriso no rosto.
— Eu tô empolgado, Sarah. – Nicolas sentou-se à mesa. — Vou pedir a Verônica em namoro.
— Como você lida com a profissão da Verônica? Sente ciúmes? – Sarah levou uma mão ao queixo, apoiando o cotovelo na mesa.
— Eu sinto ciúmes, mas a Verônica disse que o trabalho na boate é temporário. Ela tá juntando dinheiro pra abrir o próprio negócio. Uma academia de dança.
— Com certeza vou ser a primeira aluna. – Sarah se prontificou.
— Ema, pega a salada. – Nicolas me olhou ao perceber minha aproximação da mesa.
— Me conta, como é na boate? Tem muita mulher? – Sarah sondava.
— Algumas.
— Bonitas?
— Sim. – respondeu Nicolas. Enquanto isso, eu abri a geladeira, atenta à conversa entre ele e Sarah.
— Você as conhece? – indagou Sarah.
— Um pouco. Espero que elas saiam da boate. Aguardo o Uber com algumas delas, essas coisas. Cavalheirismo, sabe como é. – explicou Nicolas.
— Entendo. Isso é algo que a Ema também faria. – comentou Sarah.
— Sem dúvida. A Ema seria capaz de levar cada uma delas para casa. – brincou Nicolas, observando-me com um sorriso enquanto eu levava a salada para a mesa.
— Nick, comece a comer. – pedi, tentando disfarçar a tensão em minha voz.
— Estou mentindo? – provocou ele, com um olhar divertido. Ignorei sua pergunta, sentei ao lado de Sarah e desconversei:
— O frango parece bom. Vamos comer.
Confusa, Sarah olhou ao redor.
— Sem prato? Sem talheres? – ela perguntou.
— Está nervosa, Ema? – cutucou Nicolas, divertido.
— Não. Claro que não. – respondi, tentando manter a compostura.

***

Após o almoço, retornei ao quarto, antecipando-me a Sarah, que ainda estava no corredor conversando com Lourdes. Sentei-me na cama e desbloqueei meu celular. Busquei o número dos meus pais na lista de contatos e fiz a ligação, secretamente desejando que nenhum deles estivesse em casa. Contudo, fui atendida.
— Alô. – disse minha mãe, enquanto permaneci em silêncio, ponderando sobre a situação. Sarah entrou no quarto, interrompendo o momento, e encerrei a ligação, colocando o celular sobre a cabeceira. Tentei disfarçar a tensão, mas Sarah, atenta, percebeu meu desconforto.
— Amor, você está bem? Desde a delegacia, você parece mais quieta. Já esteve lá antes? – ela perguntou, sentando ao meu lado.
— Acho que preciso dar uma saída. Você se importa? – indaguei, sentindo a necessidade de espaço.
— Não, mas para onde vai? – Sarah acariciou minhas costas, preocupada.
— Preciso falar com alguém. Depois te explico. – respondi, levantando-me.
— Tudo bem, Ema. Saiba que estou aqui por você, para o que precisar. – ela afirmou com carinho.
— Eu sei, mas neste momento, sinto que preciso lidar com isso sozinha. – murmurei, buscando conforto na solidão momentânea.

***

Saí do condomínio, sentindo o sol do início da tarde aquecer o asfalto enquanto trilhada passos pela rua. Após quase um quarteirão de caminhada, finalmente avistei um ônibus se aproximando. Era a primeira etapa da minha jornada. Através da janela do ônibus, observei o movimento da cidade, rostos desconhecidos e prédios imponentes, até finalmente chegar ao ponto de baldeação. Ali, embarquei no segundo ônibus, onde o ambiente era marcado pelo barulho dos passageiros e o balançar constante do veículo. Ao descer a poucos metros do endereço que me interessava, senti um calafrio percorrer minha espinha. O bairro de classe baixa exalava uma atmosfera tensa, e o silêncio que permeava as ruas era quase palpável. Meus últimos passos foram dados com hesitação, como se cada movimento fosse uma decisão crucial. Finalmente, parei diante da porta de madeira, meu coração batendo descontroladamente. Minhas mãos tremiam enquanto eu batia duas vezes na porta, o som ecoou no vazio. Quando a porta se abriu à minha frente, percebi imediatamente que seria fechada novamente. Sem hesitar, travei-a com meu corpo, forçando minha entrada.
— Espera, por favor. Eu... – tentei interromper, mas fui cortada pela proprietária da casa. Ela tinha cerca de cinquenta anos, e carregava consigo os sinais do tempo e das batalhas enfrentadas ao longo da vida. Seus cabelos escuros, agora salpicados de fios grisalhos, caíam em mechas desalinhadas sobre os ombros, evidenciando a falta de cuidado pessoal. O rosto, marcado por rugas profundas, contava histórias de dor e perda, mas também de resiliência. Seus olhos, antes vivos e brilhantes, agora carregavam um peso indescritível, como se tivessem testemunhado mais do que deveriam para uma única vida.
— Não vou te ouvir, sua traidora! – disse ela com amargura.
— Por favor, me ouça. Eu também tive a minha vida devastada. – argumentei, buscando uma chance de ser ouvida.
— Seu marido morreu? Não. O meu morreu. E parte disso foi sua culpa. – ela acusou, seus olhos refletiam a dor profunda que carregava.
— Eu não podia mentir para a corregedoria. – respondi, sentindo um nó se formar em minha garganta. — Eu paguei caro por ser conivente com o Alfredo por quase 1 ano. Eu tinha pesadelos à noite. Eu estava trabalhando sob estresse. O seu marido não obedecia as regras e por muitas vezes me colocou em uma posição onde tive que trair meus próprios princípios. Eu me sinto responsável por cada morte desnecessária que ele causou. Então, não jogue a culpa da morte dele sobre minhas costas. – desabafei, deixando as lágrimas escaparem.
— Ele te tratava como uma filha, sua ingrata. – a viúva de Alfredo rebateu com mágoa.
— Ele devia ser meu mentor. E apesar de tudo que ele fez, eu o respeitava, mas o que ele fazia era errado. Ele me arrastou para a lama junto com ele. E agora, sou obrigada a viver com o remorso.
— Saia da minha casa. – ela ordenou com firmeza. — Se você não tivesse aberto sua maldita boca. O Alfredo estaria vivo.
— Será? Ele não agia como uma policial de verdade. Agia como um justiceiro. Ceifava vidas e colecionava advertências. O caminho que ele traçou não seria longo e honrado.
— Você veio até aqui para falar mal de um falecido? Não escolha esse caminho, Ema.
— Eu vim para dizer que vou conquistar de volta tudo aquilo que me foi tirado. Então, não se surpreenda se me ver usando a farda da polícia novamente. – respondi, determinada a retomar o controle da minha vida.
Ela sorriu ironicamente, balançando a cabeça negativamente.
— O secretário sabe disso? Porque eu não acho que você pode com ele.
— Você não me conhece. Eu vou superar todos os obstáculos que colocarem no meu caminho. – retruquei, sentindo uma fagulha de determinação queimar dentro de mim, enquanto saía da residência.
— Vamos ver até quando sua motivação vai durar. – ela murmurou. Olhei para trás, observando-a fechar a porta. Um peso saiu de cima de meus ombros. Eu não devia nada a ela, nem ao Júlio Vélaz. Eu estava decidida a seguir em frente, custasse o que custasse.

DOMINADORA POR ACASO (Sáfico)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora