CAPÍTULO 14

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   Eu acordo um caco na manhã seguinte. A dor de cabeça passou, mas eu devo ter dormido de mal jeito, porque uma dorzinha incômoda se instala na base da minha coluna, e faz o favor de se manifestar sempre que eu faço algum movimento brusco.

      Olhando o meu reflexo na tela do meu celular, percebo olheiras pequenas e profundas ao redor dos meus olhos. O cabelo preto está assanhado como sempre, com metade dos cachos bastante amassados e desfeitos porque dormi sobre eles enquanto estava úmido de suor. E por falar em suor, febre passou, mas minha pele está um pouco grudenta e eu preciso de um banho urgentemente.

      Olhando de relance, percebo que há pequenos buracos no meu colchonete, onde provavelmente os espinhos da nadadeira dorsal foram enfiados com o meu peso. Eu queria que tudo isso fosse um sonho, que quando acordasse estivesse aconchegado nos meus cobertores depois de uma boa noite de sono, apenas lembrando vagamente de mais uns dos inúmeros devaneios que tenho enquanto durmo, mas a cada minuto passado, isso se torna cada vez mais real para mim.

      Minha coluna protesta assim que me abaixo para conseguir sair da barraca. O dia já está bastante claro e parece que fui o último a acordar, porque metade dos alunos já está na água.

       Voltando para dentro, checo a hora no celular (já são quase dez horas) e pego minha escova de dentes e o creme dental, para então calçar as minhas havaianas e caminhar tranquilamente para as margens do lago, um pouco longe de onde todos os outros estão.

      A vontade de fazer xixi pode esperar mais um pouco, porque odeio essa sensação meio nojenta que a falta de uma boa escovação deixa na minha boca.

       Enquanto escovo os dentes rapidamente, repenso sobre a minha conversa com Victor. Será que o que ele disse é verdade mesmo? Que eu afasto todo mundo que chega perto de mim e sequer demonstro interesse em fazer novas amizades??

       Nós estávamos indo tão bem, até eu decidir ser um babaca com ele. Se bem que Victor me pegou no pior momento possível, mas isso não justifica eu ter explodido daquela forma.

      Preciso conversar com ele o quanto antes e me desculpar. É um pouco estranho e novo para mim ter alguém com quem conversar, e eu provavelmente não sei nem metade dos princípios básicos de como é ser amigo de alguém, mas ele provavelmente não vai voltar a falar comigo se eu não der o primeiro passo.

     Assim que termino de escovar os dentes, jogo um pouco de água no cabelo, fazendo as mechas ficarem parecendo algas grossas e escuras penduradas na minha cabeça. A água está morna como sempre, me fazendo lembrar de que tenho que encontrar com Wyatt hoje, e talvez conseguiremos resolver essa questão de uma vez por todas.

     Minhas bochechas esquentam quando eu lembro dos beijos. É um pouco engraçado lembrar que eu beijei um completo desconhecido; euzinho aqui, o estranho e solitário Luther.

      Foi muito bom. Sei que a maioria dos adolescentes de hoje em dia 'ficam' sem qualquer compromisso, um beijo aqui, outro ali, talvez sexo... (Uma onda de calor e vergonha me atinge só de pensar nisso). Mas eu nunca me vi fazendo isso; conhecer alguém, namorar, ficar... Nunca me importei muito com isso, mas é impossível negar que beijar Wyatt foi uma experiência única, o problema foi a bola de neve que tudo isso gerou.

     Eu devo ter perdido a noção do tempo de novo, porque quando noto, ainda estou abaixado nas margens do lago, com a boca cheia de espuma e encarando o vazio enquanto penso e relembro sobre os últimos acontecimentos. Victor provavelmente iria rir muito da minha cara se me visse assim (parecendo um retardado, com espuma escorrendo pelo queixo, o cabelo horrível e um olhar distância), mas isso só me faz lembrar que ainda não estamos de bem, e isso envia uma dorzinha direto para o meu coração.

      Como alguém pode ganhar e perder um amigo tão rápido assim? Eu devo ser um zero à esquerda mesmo.

      Soltando um suspiro longo, eu cuspo toda a espuma e lavo bem o meu rosto, querendo me livrar um pouquinho desse sono e limpar a sujeira que fiz com o creme dental. Levanto-me com cuidado para não sentir aquela dorzinha chata na base da minha espinha, para então começar a caminhar de volta para a minha barraca.

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     Como não acordei cedo, o café da manhã já deve ter passado, e se eu conseguir alguma coisa para comer, será por pura sorte.

     Há copos descartáveis e pacotes de salgadinho espalhados pelo chão, o que provavelmente vai fazer os professores fervilharem de ódio quando colocarem os olhos nisso.

      Um fio de fumaça sobe tranquilamente onde a fogueira deveria está, mas que agora há apenas cinzas e pedaços de madeira chamuscados.

      Eu caminho entre as cadeiras e bancos, para enfim chegar nas três mesas grandes, onde há pratos sujos e tigelas vazias espalhadas por todos os cantos.

      Eu procuro com a visão alguma coisa comestível, e depois de muito procurar, encontro uma tigela com ovos mexidos e bacon. Se tiver algum dono, a pessoa se fodeu, porque eu vou até lá e pego uma colher limpa, antes de começar a comer com voracidade.

      Sento em uma das cadeiras retráteis e procuro Victor com o olhar, sem parar de comer por um instante sequer. Não encontro-o em lugar nenhum, o que me faz soltar um grunhido de desgosto, porque talvez se eu demorar muito tempo para falar com ele, talvez ele ache que eu não me importo o suficiente para fazer isso ou não apreciasse a sua amizade.

     — Hey. — Uma voz atrás de mim diz, me fazendo olhar por cima dos ombros e dar de cara com um garoto que não conheço. Abro a boca para lhe dá um "oi" seco e voltar a comer, mas então as frases de Victor invadem a minha mente com tudo.

      Puta merda. Eu devo ser um escroto mesmo. O desinteresse é praticamente palpável ao meu redor quando falo com alguém, e eu sequer percebo isso.

      Olho para o garoto ruivo e que tem quase tantas sardas quanto eu. Ele é mais ou menos da minha altura, só que tem um pouco mais de músculos, além de está vestindo apenas uma sunga preta. Acho que estudei com ele nos últimos anos, então vasculho na minha mente e tento lembrar o seu nome.

      — oi! Seu nome é Charles, Certo? — pergunto, abrindo um sorriso gentil e torcendo para que eu não tenha nenhum pedaço de bacon entre os meus dentes. O garoto ruivo se limita a assentir levemente com a cabeça e devolver o sorriso gentil, antes de sentar numa cadeira a uns dois metros de distância.

     — Eu sou o Luther. — explico, relaxando um pouco mais na cadeira e alternando o olhar entre Charles e a minha comida.

     — Eu sei. Todo mundo conhece você. — Ele diz. Não há arrogância na sua voz, apenas um leve toque de diversão.

      — Sério? — digo, incrédulo. Achei que Victor estava exagerando, mas a revirada de olhos que Charles dá indica que não.

      Para ser sincero, não sei se desgosto disso ou não. Estou me sentindo um pouco exposto demais. Passei tanto tempo tentando não chamar atenção e ficando na minha, que isso fez justamente o caminho contrário, fazendo todos notarem e ficarem cientes da minha presença silenciosa.

     Passo quase uma hora conversando sobre coisas aleatórias com Charles, antes dele anunciar que vai cair na água.

      — Eu vou daqui a pouquinho. — explico, observando-o correr até às margens do lago e mergulhar de uma forma engraçada, me fazendo soltar uma risada baixinha.

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O BEIJO DO OCEANO (COMPLETO)Where stories live. Discover now