Inacreditavel

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Carolina

A claridade bate contra meus olhos, quando viro o corpo sinto a falta da presença marcante que deveria estar aqui. Sinto vontade de rir embaixo da coberta diante da sensação de prazer.

"Vamos menina, o seu dia será cheio hoje."

Ergo o corpo rapidamente encontrando com a governanta de fios grisalhos com uma bandeja repleta, frutas, iogurte, café, suco. Ela está tão concentrada em trazer-me a bandeja que nem ao menos nota o quanto fico surpresa com a quantidade de comida, mesmo trabalhando as despesas jamais me deixaram comer tão bem assim, sinto o estômago roncando, nem lembro que horas comi a última vez.

"Menina!" — Sua voz cheia de espanto faz-me levantar o rosto e encontrar com a preocupação estampada. — "O que aconteceu com você? Não minta para mim, foi Nicklaus que fez isso?"

Levo a ponta dos dedos ao rosto sentindo um pouco do desconforto causado pelo corte no canto da boca, as lembranças retornando como uma enxurrada de pensamentos, o medo e a sensação amarga da fragilidade com a impotência ao ser atacada tão covardemente.

Sinto a mão dela cobrindo a minha, as unhas delicadas e curtas fazendo um carinho meigo como se entendesse bem pelo que passei ao fitar seus olhos azuis encontro apenas conforto fazendo o choro que contive retornar. Rapidamente sou envolvida por braços carinhosos, quentes que transmitem um cuidado que apenas uma mãe poderia dar. E então percebo estar guardando algo do qual não queria admitir, mas preciso.

"Foi Nicklaus que me salvou." — Falo antes de soluçar como uma criança que precisa de colo.

"Talvez meus meninos ainda tenham salvação."

Ela dá batidinhas suaves nas minhas costas, porém não é dessa forma que desejo ser vista, por isso rapidamente limpo o rosto na ponta da camisa, abrindo um sorriso para a senhora que se senta a minha frente.

"Ainda não sei o seu nome." — Digo percebendo o quão amável ela tem sido desde que a conheci e fui tão rude.

"Pelo menos já sei o seu, Carolina, pode me chamar de Yves." — Ela sorri puxando a bandeja para ficar sobre as minhas pernas. — "Agora, vamos coma bem, o dia será longo."

"Dormi tanto assim?" — Questiono ao agarrar uma maçã.

"O dia e a noite de ontem."

Arregalo os olhos entendendo o motivo pelo qual meu estômago parece um leão faminto, acompanho seu olhar que recai sobre a marca avermelhada que a algema de ferro deixou no meu pulso. Ela suspira se erguendo, observo comendo enquanto vai até o banheiro e retorna com o kit de primeiros socorros.

"Posso?"

Aceno em afirmativo estendendo o braço, seu toque é suave ao limpar com água-oxigenada usando um algodão.

"Gostaria de dizer que ele nem sempre foi assim, mas estaria mentindo."

Me apego a sua confissão baixinha querendo saber e entender um pouco mais do homem que tanto intriga a minha mente com suas ações.

"Não consigo imaginar uma criança com as atitudes dele." — Respondo.

Um rosto infantil de olhos meigos aparece nos meus pensamentos, jamais chegaria a cogitar alguma maldade numa criança.

"Às vezes menina, a maldade já está cravada na alma." — Ela finaliza o curativo do punho enrolando uma gaze e passando para o canto dos meus lábios. — "Nem todo amor do mundo pode saciar o desejo pela crueldade."

Fico estática refletindo sobre essas palavras tão duras, principalmente depois do modo como Nicklaus se dispôs a cuidar de mim.

"Antes de vir para cá, ele havia me prendido." — Murmuro como um segredo.

"Não faço ideia do que ele deseja de você, mas se deseja um conselho, não tente fugir dele outra vez."

"Como sabe que tentei fugir?"

Ela abre um sorriso curto se erguendo, apontando para a bandeja e voltando para o banheiro. Balanço a cabeça entendendo que não terei mais nenhuma informação, tomando o copo de café com um pingo de leite. Yves demora a sair de dentro da banheira e quando retorna noto que está com uma calça de flanela provavelmente do closet.

"Termine de comer e vista essa calça, Deus que livre o soldado infeliz de entrar dessa casa e te ver apenas de roupa íntima."

Yves balança a cabeça fazendo o sinal da cruz como se com isso fosse o suficiente para espantar quaisquer pensamentos ruins.

"Você disse que o dia será cheio, por qual razão?" — Questiono curiosa.

A senhora rapidamente se anima, batendo palmas seu olhar chega a brilhar.

"Nicklaus pediu-me para que a ajudasse em montar um pequeno consultório médico em um dos cômodos da mansão."

Engasgo automaticamente com a declaração, é inacreditável.

"Como?" — Preciso questionar para ter certeza do que ouvi.

"Pelo que entendi a senhorita precisa de horas práticas para se formar em medicina, o menino Nicklaus disse que suas aulas serão on-line e que pode praticar atendendo aqui."

Enquanto Yves parece animada, começo a sentir o peso da declaração como uma carga infinita sobre os ombros, ele não quer me deixar sair dessa mansão, ele não irá me deixar ir embora.


Dono do meu infernoOnde histórias criam vida. Descubra agora