Irreal

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Carolina

Não paro para observar o caminho que tomamos enquanto sou carregada por ele, na realidade sentir o perfume masculino é como um bálsamo, sinto que estou embriagada pela presença dele.

"Nicklaus, preciso falar com você."

Não ergo a cabeça para encarar o dono da voz, apesar de senti-lo parando e seu corpo enrijecendo pela tensão em volta do meu. Se estiver certa é o irmão dele.

"Agora não." — Duas simples palavras na voz firme e autoritária que causa arrepios pelo meu corpo.

"É importante." — Ergo um pouco a cabeça, encontrando o olhar curioso.

Os mesmos olhos revoltados cheios de promessas estranhas, analisando o irmão com cautela, posso ver as perguntas que deseja fazer.

"Então resolva."

O homem quase tão alto quanto Nicklaus abre um sorriso imenso como um lobo ganhando uma caçada. Quando se vira saindo em passos largos pelo corredor, Nicklaus volta a se movimentar, escondo o rosto novamente em seu ombro, querendo evitar a luz que ofusca meus olhos.

"Gostou de olhar meu irmão?" — Sinto o tremor no seu pescoço e os movimentos firmes enquanto subimos uma escada.

"Você está se tornando repetitivo."

Solto as palavras sem pensar, mas com certa raiva por ser recriminada mais uma vez por ele.

"Isso não é bom?"

"A previsibilidade é monótona"

Seu peitoral vibra com a risada baixa, abro um sorriso em resposta. Muitas coisas na vida acontecem de uma maneira da qual não estamos preparados, mas sempre acreditei ter algo melhor depois da tempestade. A realidade é que estou tão assustada e a cada vez que consigo sorrir penso que a tempestade passará

Escuto o clique de uma porta e dessa vez ergo a cabeça observando um quarto enorme com uma decoração escura, a cama enorme abrange praticamente todo o quarto, estremeço.

"Disse que iria cuidar de você." — A mão enorme toca a minha bochecha atraindo minha atenção.

Suspiro assentindo para o olhar questionador logo, entramos em um closet, vejo as roupas dispostas perfeitamente, acho que meu apartamento alugado poderia muito bem caber aqui dentro. Ele se movimenta soltando as minhas pernas fazendo com que escorregue pelo corpo firme encontro com o olhar malicioso, sinto o calor subindo pelo pescoço recobrindo as bochechas.

Quando sinto o chão, tenho em vista manter a firmeza nos joelhos trêmulos, o carinho estranho em tocar meus fios, atraindo minha atenção para a floresta inexplorada das íris tão conturbadas.

"Retire a roupa Carolina." —A voz autoritária retumba pelas paredes do banheiro.

Arregalo os olhos assustada com a conotação e a imaginação apenas de ser vista nua por um homem.

"Não vou ficar pelada na sua frente." — Respondo dando um passo para trás.

Ele parece ficar satisfeito com meu medo, se vira de costas e me encara por sobre os ombros largos, posso ver várias tatuagens recobrindo a pele bonita junto de algumas cicatrizes que não conseguem ser escondidas pela tinta.

"Retire a roupa e tome um banho Carolina ou farei questão de te banhar."

O cretino abre um sorriso de lado antes de sair deixando-me sozinha, ergo as mãos, trêmulas passando no rosto buscando entender que tipo de loucura é essa da qual estou enfiada, se cai na toca do coelho e estou perdida no castelo da rainha vermelha é tudo tão irreal.

Observo o espaço amplo e masculino, o enorme espelho sob a bancada de granito expondo o rosto de uma mulher que desconheço, as bochechas vermelhas e os cabelos bagunçados misturando as marcas do choro com sujeira. Um corte no lábio inferior e outro na testa, suspiro, puxando a barra da camisa exibindo o local que levei os chutes completamente marcados por manchas roxas na pele pálida.

Apoio as mãos na bancada suspirando ao encontrar os olhos estranhos sem brilho, preciso agradece, agradecer por estar viva, preciso agradecer por não quebrar as costelas, preciso agradecer...

A raiva sobe tão forte quanto o enjoo.

Preciso agradecer?

Balanço a cabeça, soltando os tênis surrados com as pontas dos dedos, depois retiro a calça, finalmente retirando as minhas peças intimas e juntando tudo na bancada, quando consigo organizar os pensamentos noto o quão grande o banheiro é: no final uma jacuzzi contra uma parede de vidro que deixa a vista um lago no que parece ser os fundos da propriedade.

Mas sou atraída para o box de vidro ao lado, um quadrado perfeito de vidro no qual entro com cuidado, fecho a porta procurando o registro para abrir uma torneira, mas ao dar um passo para frente sinto pisar em algo, então, jatos de água quente atingem todos os lados do meu corpo dolorido arrancando um gemido esganiçado da garganta pelas dores ainda fortes.

Preciso apoiar as mãos contra a parede para conseguir ficar em pé, é nesse momento em que todos os acontecimentos das últimas vinte e quatro horas parecem recair na minha consciência, fazendo com que os soluços saiam tão fortes quanto as lágrimas que se misturam a água.

As humilhações, todo o sangue escorrendo se misturando, as lembranças da solidão, a escuridão daquele beco, o medo, a fragilidade, a exposição. Minhas pernas falham, mas são os braços fortes que seguram o meu corpo, como uma criança desesperada, uso como um apoio para toda a dor da realidade cruel.

"Shiiiii, eu estou aqui criança."

Deito a cabeça no braço musculoso encarando seu olhar compassivo, sabendo que esse é o maior problema, ele estar aqui.

Nicklaus puxa-me fazendo com que a água cesse, guiando-me para fora do box enquanto sinto a vergonha outra vez consumindo todo o meu corpo, mas ele se mantém tão sério e firme rapidamente tem um roupão nas mãos se virando para poder me enrolar sem expor o meu corpo. E então, outra vez, estende a mão na minha direção, deixando a escolha aberta, uma da qual não êxito em realizar. Não existe nada para conversarmos nem ao menos consigo pensar, mas o acompanho para fora do banheiro voltando para o enorme closet notando agora um banco revestido de couro preto acolchoado.

"Sente-se" — Ordena.

Sem ao menos olhar nos meus olhos se vira voltando ao banheiro, observo seus passos curiosa demais para desviar, noto a escova de cerdas na sua mão e uma toalha menor. Fica parado as minhas costas, sinto o toque envolvendo os meus fios com o tecido felpudo retirando o excesso de água, ergo o olhar encontrando com o rosto estoico concentrado.

"O que está fazendo?" — Questiono.

Sinto o desespero crescendo cada vez mais, pois preciso ter mais do mesmo homem que me prendeu naquele quarto, levo a ponta dos dedos ao pulso machucado pressionando para sentir a dor da realidade, a dor de quem ele realmente é: um assassino.

"Cuidando de você"

Responde novamente o mesmo sem desviar o olhar do que está fazendo, ergo a mão o impedindo de começar a pentear os meus fios bagunçados atraindo o olhar para o espelho.

"Que tipo de jogo é esse?" — Finalmente a raiva dá as caras dentro de mim e agradeço por isso.

Ele ergue as sobrancelhas como se não estivesse entendendo, mas tenho certeza de que é apenas uma maneira de desviar do assunto.

"Estava presa naquele quarto a uma corrente de ferro, porque você me prendeu." — Acuso.

"E agora estou cuidando de você"

"Por quê?"

"Minha raiva passou."

Fico estática e ele aproveita esse momento para soltar o pulso e começar a desembaraçar meu cabelo, em movimentos calmos completamente concentrados em fazê-lo. Perco a noção do tempo até que ele termina, solta a escova ao meu lado e abre uma das portas revestidas com espelho retirando uma blusa social e uma cueca, coloca as peças ao meu lado e entra no banheiro. Suspiro vestindo as peças apressada, vou para o quarto confusa demais, perdida com a irrealidade de tudo isso.


Dono do meu infernoWhere stories live. Discover now