A verdade

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Ditas aquelas palavras, Zyan me envolveu em seus braços e me apertou com força. Era como se ele estivesse tentando se agarrar desesperadamente à minha presença, buscando conforto e apoio em meio à tempestade que o consumia. Com uma respiração profunda, ele pareceu reunir coragem para falar a verdade a seguir.

— Adhara, devo confessar que acabei omitindo algumas informações quando revelei o motivo pelo qual fui aprisionado nesta ânfora. É verdade que o desejo pelo poder era um fogo que ardia dentro de mim, mas também havia uma chama ainda mais intensa: a vingança. — suas palavras escaparam de seus lábios com uma carga emocional avassaladora, ecoando em meu coração. —Jin não era apenas um ser cujos poderes eu desejava obter. Jin era mais do que um amigo para mim, ele ...ele era como um irmão.

Ao ouvir aquelas palavras, encarei Zyan com surpresa e incredulidade. A profundidade de seu relato me deixou atônita, revelando um lado obscuro e perturbador de seu passado.

—Eu o conheci quando tinha apenas sete anos, meu pai o apresentou como o mais novo vizir.— continuou Zyan— Naquela época, Al-Miraj estava sob ameaça constante de ataques de reinos vizinhos, e foi Jin quem nos ajudou a manter nossas defesas. Ele lutou ao nosso lado em inúmeras batalhas e tornou-se parte inseparável da nossa família.

Cresci admirando Jin. Sua aura honrada e destemida, juntamente com suas habilidades excepcionais, inspiravam a todos ao seu redor. Ele sempre seguia um caminho justo, mesmo que isso significasse colocar sua própria vida em risco. Meus pais também o admiravam profundamente e, muitas vezes, falavam sobre as suas conquistas e como ele era vital para a nossa nação prosperar. Jin era um verdadeiro herói, um exemplo vivo do que significava servir a um propósito maior e lutar pelo que era certo. Sua presença no reino trazia segurança e esperança para o nosso povo.

Após uma rápida pausa parecendo processar suas próprias emoções, ele prosseguiu:

—Com o passar dos anos, construímos uma amizade sólida, uma conexão que ia além das nossas obrigações como príncipe e vizir. Jin era meu conselheiro mais leal, sempre presente quando eu precisava dele. Ele me orientava em momentos difíceis, e nunca hesitou em apoiar minhas decisões, mesmo quando não concordava com elas. Porém, à medida que eu crescia e assumia mais responsabilidades, comecei a me sentir cada vez mais pressionado para provar a mim mesmo e aos outros que eu era capaz de liderar o nosso povo com a mesma destreza de Jin. Foi nesse momento que os sentimentos de ciúme começaram a surgir em mim, e eu percebi que não importava o quanto eu tentasse, nunca poderia igualar a grandeza do meu amigo. Logo, a inveja que eu sentia em relação a Jin se tornou um peso que eu carregava todos os dias. Eu me afastei dos outros, incluindo minha própria família, e comecei a viver na solidão dos meus próprios pensamentos. Me tornei uma pessoa distante e fria, perdendo minha conexão com aqueles ao meu redor. A amargura e o rancor cresceram em meu coração, alimentando a inveja que me consumia cada vez mais.

Enquanto Zyan desabafava, sentia como se estivesse expondo uma ferida profunda que havia mantido oculta por tanto tempo. Cada palavra que escapava de seus lábios era como um corte afiado, abrindo ainda mais essa ferida e revelando a dura verdade que ele tanto temia confrontar.

—Em uma noite de celebração no reino, todos estavam em êxtase com o mais recente feito grandioso de Jin que havia liderado corajosamente uma missão audaciosa para resgatar um grupo de escravos capturados por um clã rival. A coragem e bravura de Jin eram aclamadas por todos, enquanto eu me sentia cada vez mais consumido pela inveja e inferioridade. Foi então que, tomado por essa inveja e frustração, acabei descontando minha raiva em um comerciante inocente. Fui rude e cruel, agindo sem consideração pelas consequências dos meus atos impensados. Contudo, antes que eu pudesse perceber, o rei, me flagrou em meio ao ato. Senti seu olhar de desapontamento em mim, e soube que tinha decepcionado não apenas a ele, mas a todo o meu povo. Rapidamente, os guardas reais foram chamados e instruídos a me prenderem por minha conduta inaceitável. Eu me senti tomado pela vergonha e pela tristeza, percebendo que minha inveja tinha me levado a um ponto sem retorno. Mas, para minha surpresa, Jin interveio e pediu ao rei que me desse uma chance de me redimir. Eu estava incrédulo. Depois de tudo o que fiz, Jin ainda acreditava em mim? O rei parecia relutante, mas finalmente concordou em me dar uma chance. Essa chance veio na forma de uma tarefa importante. O rei me confiou a inspeção da restauração de uma cidade sagrada, que havia sido destruída por ataques inimigos. Ele acreditava que a tarefa de reconstruir a cidade sagrada não seria apenas uma responsabilidade importante, mas também uma oportunidade para que eu me reconstruísse interiormente. Afinal, assim como a cidade havia sido destruída, eu também havia destruído minha reputação e meu senso de propósito.

Com um suspiro, Zyan dirigiu seu olhar para o teto da gruta, seus olhos se perderam por um instante nos pequenos pontos iluminados antes de continuar:

— No entanto, a oportunidade que me foi concedida não despertou em mim a humildade e a responsabilidade esperadas pelo rei. Em vez disso, fingi aceitar a tarefa e deleguei a missão a um homem de confiança, sem me importar com as consequências. Com essa atitude, parti sem rumo, seguindo pelas estradas desconhecidas que me chamavam. E foi durante minha jornada solitária que meu destino se cruzou com o de uma figura misteriosa. Ela se apresentou como uma feiticeira, possuidora do poder de vislumbrar além dos limites do conhecido. Ela afirmou ser capaz de enxergar o passado, o presente e o futuro, revelando seus mistérios e segredos ocultos. Confesso que inicialmente duvidei de suas habilidades, mas ela estava decidida a me provar o contrário. A feiticeira então conjurou sua magia, e diante de mim desenrolou-se uma visão de tudo o que eu havia vivido até então. Fiquei completamente espantado com o que presenciei, uma avalanche de memórias, emoções e eventos que haviam passado despercebidos. Pude sentir uma mistura estranha de medo e admiração pela feiticeira, pois sua magia revelou verdades que eu nunca imaginei serem possíveis de serem desvendadas.

Zyan desvendava essa reviravolta, eu o ouvia atentamente, incapaz de desviar minha atenção.

—Ela compartilhou mais de suas habilidades de visão comigo, e fiquei impressionado com o que vi. Foi então que ela me revelou que no meio do meu próprio povo havia um ser poderoso, capaz de grandes feitos e de liderar o caminho para a grandeza. Quando ela me disse seu nome, senti como se um abismo tivesse se aberto abaixo dos meus pés.

—Era Jin— as palavras saíram da minha boca.

Ele assentiu antes de prosseguir:

—À medida que a verdade sobre Jin se desdobrava diante de mim, uma tempestade de emoções tomava conta do meu ser. O sentimento de traição cortava meu coração como uma lâmina afiada, enquanto a raiva borbulhava em minhas veias. Eu não podia acreditar que o homem no qual sempre admirei, em quem confiava e que considerava como um irmão, era na verdade uma farsa. Cada palavra que saía da boca da feiticeira agora parecia um insulto à minha inteligência e uma violação da confiança que havia depositado nele. Percebendo a fúria em meus olhos, a feiticeira propôs um plano que faria justiça à minha ira. Consumido pela raiva, aceitei o plano proposto pela feiticeira. O plano consistia em aprisionar Jin em um recipiente mágico, tornando-me detentor de seus poderes. No entanto, havia um desafio a ser superado: era necessário encontrar um metal valioso, o único capaz de conter um ser tão poderoso como Jin. Decidi então partir em uma busca incansável por esse metal, determinado a obter o que precisava para executar o plano. Durante minha jornada, enfrentei muitos perigos e obstáculos, mas nada poderia me deter. Ao retornar para a feiticeira com o metal, ela conjurou um feitiço e transformou o metal na ânfora em que estamos aprisionados. A feiticeira me instruiu sobre como utilizar a ânfora para aprisionar Jin. Seria necessário presenteá-lo com o recipiente e proferir palavras mágicas específicas, conforme instruído pela feiticeira. Quando retornei para o reino, fui recebido com honras. Todos acreditavam que eu havia cumprido a tarefa designada por meu pai e que eu havia demonstrado minha lealdade ao reino. O rei parecia tão orgulhoso de mim que por um momento pensei em desistir, mas a ira que sentia em relação a Jin me impulsionou a seguir adiante. Eu entreguei a ânfora para Jin e pronunciei o feitiço. Mas algo deu errado. Enquanto era sugado para dentro da ânfora ele me puxou junto com ele.

Zyan fez uma pausa e eu senti a atmosfera no interior da gruta mudar enquanto ele parecia lutar para dizer as palavras a seguir:

—Mas a punição por minha vingança desmedida foi ainda mais cruel. Ao ser lançado dentro desta ânfora, descobri que minha atitude tinha custado um preço altíssimo. Enquanto confrontava minha própria consciência, Jin me revelou que a única forma de aprisionar um Djinn era através do sacrifício de uma vida inocente. Senti-me completamente arrasado, atormentado por uma culpa esmagadora, e minha alma foi consumida pela dor e pelo remorso. A feiticeira não havia mencionado nada sobre isso, e agora eu carregava o peso da culpa pelo sangue derramado.

—Zyan, do que você está falando? —questionei com a voz trêmula: —De quem foi o sangue derramado?

Ele ficou em silêncio por um momento.

—Nadija — disse ele.

Ao ouvir a verdade, meus olhos se arregalaram e uma expressão de horror se apossou de mim.

—Ela era uma alma inocente — disse ele, com um profundo pesar. — E por minha causa, ela acabou sendo sacrificada. Jamais conseguirei me perdoar por isso.

A ÂNFORA MÁGICA Where stories live. Discover now