A ânfora mágica

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—Mas, o que está acontecendo aqui? —perguntou Allan, a queima roupa. Eu gaguejei, tentando encontrar uma resposta, mas Jin tomou a frente:

—Desculpe por fazê-lo se preocupar, sr. Walker—interviu ele, educadamente— mas é que precisei raptar sua encantadora filha por um instante, para contá-la sobre a lenda das dunas cantantes.

Em resposta, Al o lançou um olhar explosivo.

—Poxa, que bacana, Aladdin—disse Al com ironia— vou adorar ouvir mais sobre essa lenda depois, mas por hora, gostaria de ter um momento a sós com minha tão encantadora filha. Agora, se puder nos dar uma licencinha.

Assentindo, Jin recolheu seu lenço do chão e me lançou um último aceno antes de se retirar.

Praticamente fuzilando-o pelas costas, Al o esperou desaparecer por entre as dunas para só então começar a me bombardear.

—O aspirante a Jasmim, aquele não é o Aladdin de verdade, e esse, não é o conto das mil e uma noites.

—Mas, pai...

—Não, Adhara, você precisa ser mais cuidadosa. Não sabe quem esse cara é, ou quais são suas intenções. É uma sorte eu ter aparecido aqui a tempo.

—Pai, você está exagerando! Eu sei me cuidar sozinha e Jin é um cara legal. Não precisa ser tão desconfiado o tempo todo — eu disse, com as mãos na cintura e uma expressão de frustração no rosto.

Allan me olhou fixamente por alguns segundos antes de responder, com uma voz tensa:

—Não é uma questão de desconfiança, Adhara. É uma questão de segurança. Você não o conhece o suficiente para sair por aí com ele, especialmente em um lugar desértico como este.

—Pai, Jin não é nenhum maníaco, ele...é um amigo.

—E eu sou o gênio da lâmpada mágica. Não vai pedir seus três desejos?

—Foi uma péssima ideia ter vindo para este lugar—berrei, já sentindo minha paciência se esgotar.

—Oh, pela primeira vez tenho que concordar com você.

—Quer saber, vou voltar para o meu quarto.

—Ah, é mesmo? E como pretende chegar lá, num buraco de minhoca?— questionou Al, com sarcasmo evidente na voz.

Grrrr!

—Não dá para viajar num buraco de minhoca — respondi antes de girar nos calcanhares e marchar em direção ao acampamento. Como ele ousara dizer um absurdo daqueles? Não se pode viajar através de buracos de minhoca, e eu posso explicar o porquê: atualmente, não é possível viajar através de buracos de minhoca devido a uma série de obstáculos teóricos e práticos, como a estabilidade desses objetos, a quantidade de energia necessária para mantê-los abertos e a falta de conhecimento sobre como controlá-los e navegar através deles com segurança. Além disso, não há evidências observacionais de buracos de minhoca reais em nosso universo. Além do mais, o que Al tinha que interferir na minha vida? Eu já era grande o suficiente para tomar minhas próprias decisões. 

Enquanto caminhava, pude ouvir meu pai resmungando atrás de mim, mas decidi ignorá-lo. Ao chegar no acampamento, fechei a entrada da barraca e me enfiei dentro do saco de dormir. Al chamou por mim do lado de fora, mas não respondi. O ouvi caminhando até sua barraca, o que me deixou aliviada por não ter que encará-lo naquele momento. Candice não estava mais lá dentro, então decidi me concentrar em descansar. No entanto, como previsto, não consegui pregar os olhos. O sono teimava em não chegar, e a cada minuto que passava, eu me sentia mais agitada. Eu sabia que meu pai estava certo em relação a não confiar em um estranho, mas não queria admitir. Eu não queria ser controlada o tempo todo; queria ter minha própria vida e tomar minhas próprias decisões. Quando finalmente consegui adormecer, fui despertada pela melodia das dunas. Abri o saco de dormir e olhei pela brecha. Embora a melodia estivesse alta, todos no acampamento pareciam estar dormindo profundamente. A melodia parecia se misturar à brisa suave do vento, indicando um caminho entre as dunas. Era como se estivesse me convidando a segui-la. Sentindo-me inexplicavelmente atraída, deixei a barraca e comecei a caminhar pelo deserto, guiada pela canção.

Depois de caminhar por mais algum tempo, a melodia parou abruptamente. Fiquei tonta e confusa, sentindo como se estivesse acabado de despertar de um sonho. Enquanto tentava me orientar, notei um objeto enterrado na areia, a poucos metros de distância. Conforme me aproximava, consegui distinguir o que era: a ânfora de Jin! Mas, o que ela está fazendo aqui?

Intrigada, estendi a mão para pegá-la. Assim que meus dedos tocaram o objeto metálico, uma descarga elétrica percorreu meu corpo, e a ânfora começou a pulsar, como se estivesse viva. Não consegui resistir, precisava saber o que havia dentro. Com as mãos trêmulas, abri a tampa da ânfora lentamente. De repente, um clarão muito forte me envolveu, tamanha sua intensidade que senti cada célula do meu corpo ser consumida pela luz. Ao abrir os olhos novamente, precisei de alguns instantes para poder reajustar minha visão, e quando isso aconteceu, notei que a ânfora a qual eu estava segurando, havia simplesmente desaparecido.

—Ué, onde ela foi parar? —eu disse, olhando à minha volta, mas não havia nada além das dunas de areia.

Com a sensação de que algo estava errado, dei meia volta e comecei a retornar na direção do acampamento, no entanto, um ruído sibilante seguido de um vulto se aproximando ecoou nas proximidades, me deixando paralisada.

—Quem está aí? — perguntei com a voz trêmula, enquanto meus olhos buscavam desesperadamente por alguma presença. O ruído sibilante ressoou novamente. Assustada, dei alguns passos para trás e acabei esbarrando em algo sólido. Virei-me bem devagar e fiquei horrorizada ao me deparar com uma serpente gigante.

Ela era enorme, colossal, tinha olhos grandes e expressivos e suas escamas granulares emitiam um brilho iridescente sob a luz do luar.

—Ora, ora, ora, veja só o que a Nadija acabou de encontrar. Uma ratinha perdida. —a serpente sorriu, e uma língua comprida e bifurcada saiu para provar o ar perto de mim.

—A Nadija não faz ideia de como veio parar aqui, mortal —ela sibilou— mas como guardiã desse lugar, A Nadija não irá permitir que siga adiante.

Inclinando sua enorme cabeça para trás, ela dilatou seu pescoço, ficando ainda mais assustadora. Sentindo o medo tomar conta de mim, estava prestes a obedecer a meus instintos, quando me ocorreu o seguinte pensamento:

Pera aí. Não há motivo para ter medo. É só um sonho!

Completamente convencida daquilo, dei as costas para a serpente.

—Onde pensa que vai? Não pode dar as costas para a Nadija dessa maneira.

—Ah, não? E vai fazer o que, lagartixa cintilante? —provoquei enquanto me afastava cada vez mais.

—Ratinha petulante! Vai aprender a nunca mais subestimar uma serpente!

Cobrindo rapidamente a distância que nos separava, a serpente me envolveu sobre seu corpo escamoso.

—Escuta aqui, ô aberração, eu gostaria muito de acordar desse pesadelo, portanto, se puder ser rápida com isso, ficarei agradecida.

Surpresa com minha resposta, ela disse:

—Se esse é o seu desejo, também é o desejo de Nadija.

Sorrindo de forma diabólica, ela soprou uma fumaça densa e de aspecto cintilante em meu rosto. Ao inalar aquela coisa, senti meu corpo completamente paralisado, como se todas as minhas células tivessem sido congeladas. Não conseguia mover um único músculo, nem mesmo piscar os olhos. Meus sentidos ficaram confusos e distorcidos, a visão turvou e o som tornou-se distante e irreconhecível. O cheiro de algo tóxico invadiu minhas narinas, deixando um gosto amargo em minha boca. Tentei lutar contra a sensação de desmaio que me envolveu, mas tudo parecia perdido. Minha mente girava em um turbilhão de pensamentos confusos e desconexos, enquanto minha consciência se desvanecia lentamente em meio à escuridão.

Foi então que um som semelhante a um assobio ecoou nas proximidades. Empertigando-se, a serpente me soltou rapidamente e seguiu na direção do barulho, deixando para trás um enorme rastro de fumaça cintilante. Com a visão debilitada, consegui ver a silhueta de um homem emergir por entre a fumaça. Ele parecia um guerreiro, com suas vestes desgastadas e uma postura imponente. Seus olhos lilás brilhavam com uma intensidade desconhecida, emanando uma aura de poder e determinação. Caminhando rapidamente em minha direção, ele me envolveu em seus braços fortes, e pude sentir o calor reconfortante de sua pele contrastando com a frieza da minha. A última coisa que me lembro antes de me entregar à escuridão é de contemplar aqueles lindos olhos lilás. 

A ÂNFORA MÁGICA Where stories live. Discover now