epílogo

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"Me deparo no jardim da minha casa, observando o verde brilhante da relva, a parede do barbecue toda riscada com lápis de cor. As flores que Ella tinha plantado no infantário não perdiam o brilho, apesar de não ser primavera. Via frequentemente Mia e Eleven deitadas no telhado de barriga para cima, o que me fazia questionar as verdadeiras habilidades de um gato. O livro que eu lia há semanas, Ensaio sobre a Cegueira, descansa em cima de uma mesa feita de madeira pintada com respingos de tinta, a mais recente obra de Harper para a publicidade da minha nova coleção de roupa.

— Amor?- oiço, atrás de mim. — Está na hora de ir.

— Tem certeza? Eu amo ver isso aqui. E além disso, o Henry ainda está na escola.

— Não se preocupe, o Fred fica com Ella e Amy vai na escola em um instante. Você precisa de preocupar menos.

— Certo.- eu respondo.- Os exames?

— Aqui.- diz o moreno, mostrando uma capa enorme com eles.- Daje, Greg está esperando.

— Pensava que ele tinha trocado de turno... Não era o Michael?

— Houve um resgate qualquer, ele teve de trocar. Pronta?

— Sempre pronta.

Entrar dentro daquele carro já era familiar para mim. Já são quase 5 meses disso. Toda a semana.

Chegando ao local, a minha cadeira já me espera. O staff guarda sempre a minha manta, os meus snacks favoritos. Pego no meu livro outra vez, enquanto não chegam para me administrar o tratamento.

— Tudo bem?- o meu amor me pergunta, enquanto me agarra forte.- Gostou dessa bandana?

— Sim, tem uma elasticidade boa.- sorrio. — Onde comprou?

— Foi minha mãe, em Milão.

— Saudades de Milão.- suspiro.- Quando Talia vai lá de novo? Eu preciso de mostrar umas ideias. Dam?

— Desculpa.- ele diz, colocando os seus óculos. — Ainda não falei com ela. Eles estão muito ocupados com a nova coleção. Você vai amar.

— Se eu estivee viva para ver isso, certo?

— Não diga disparates. Você é forte.

— Só os exames de hoje irão dizer alguma coisa...

— Seja o que for, temos de ser corajosos, ok?- eu aceno.

As horas passam devagar em um lugar que toda a gente está morrendo lentamente. Essa sessão iria ser mais longa, estava prevista para acabar às 7 da noite. Via o líquido sair da máquina, pinga por pinga, e quase adormecia só a observar. Um tempo depois chega Raquel, que estava de saída.

— Victoria de Angelis, à sala 16.- oiço a voz automática a dizer.

Vou lentamente no passo que eu sei, agarrada nos braços do meu amor. Entramos naquela sala, mais uma vez, esperando tudo ou nada. A força que os meus pés tinham nunca mais voltou a ser a mesma. Agora caminhava com muito esforço, após reaprender a fazer isso.

— Voltou, não voltou?- eu pergunto, vendo o olhar vazio da doutora.

— Eu lamento.

Pousei a minha cabeça nas minhas pernas, na busca de alguma coisa. Estava tudo tão bem, depois da cirurgia, das primeiras rondas de tratamentos.

— É um glioblastoma. Um tipo de tumor, que, é agressivo. E...

Um tumor. Mais outro. Eu não sabia se poderia aguentar muito mais.

— É operável?- pergunta logo Dam.

 — Sim, é. Dá para ver que é recém-formado, não tem mais de 3 meses. Precisa de ser tratado, urgentemente. Queria vos perguntar se há a possibilidade de vocês viajarem para conseguir tratar isso em um bom sítio.

GOLDWINGWhere stories live. Discover now