chapter 35

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VICTORIA'S POV

Ruídos, vozes agoniadas, choro de bebês. Bem vindo à maternidade.

Dami atravessou a estrada comigo no colo, tentando me proteger da chuva. Notava a sua ansiedade pelos tremores nas suas mãos, na sua respiração e fala acelerados. Ambos sabíamos que isso poderia significar tudo, ou nada, que poderia ser apenas um falso alarme. Mas depois de tudo o que eu já passei, esperava qualquer coisa. Quer dizer, pensava que poderia esperar por qualquer coisa. A cada segundo que passava me sentia mais dores, mais suor, mais tudo. Fui admitida para a sala de espera minutos depois, com uma pequena pulseira com um risco feito com um marcador laranja. O ambiente era neutro, com paredes com cores claras e posters promocionais romantizando a maternidade. À minha volta, estavam mulheres à espera de serem atendida, acompanhadas dos seus parceiros, que se limitavam a dar suporte emocional a elas, que estavam sentindo talvez a pior dor das suas vidas, mães com os seus pequenos recém-nascidos e outras que estavam em uma situação pior, como eu. 

Os 20 minutos que fiquei sentada naquela cadeira pareciam os mais longos da minha vida. E quando chegou atendimento, eu estava no auge da minha dor. Rapidamente, me puseram em uma cadeira de rodas, afastaram Dami de mim, e me levaram para uma sala grande, em outra área. Uma médica com farda rosa clara entrou, acompanhada de outros estagiários. Me perguntaram as clássicas perguntas: "Esteve recentemente hospitalizada?", ou "Toma regularmente algum medicamento?", "Possuí hábitos alcoólicos?", "Tem alguma alergia?". Quando eles conseguiram os meus antecedentes, senti alguns médicos novatos falarem muito baixo entre os outros em francês. Não sabia o que eles diziam, mas sabia que estariam intrigados. Já com as dores mais controladas por alguns medicamentos, me fizeram um ultrassom. Naquele momento, a minha mão se sentiu sozinha por não ter ninguém para a segurar. Quando olhei para os médicos ao meu redor, estavam todos apreensivos, olhando para o ecrã do aparelho, um deles segurou a minha mão. E no momento que tentaram sentir os batimentos cardíacos, eram muito lentos, irregulares. Aí, o meu coração congelou. E nesse momento, Damiano entrou na sala. Os olhos dele estavam inchados, as suas pestanas molhadas.

"Victoria, a sua pequena princesa está em sofrimento fetal. A gente tem que fazer o parto, agora."

"Agora? Não, não. É muito cedo. Ela... ela é muito pequena, doutora."

"Eu sei que é assustador, mas tem de ser, mesmo."

Os meus olhos estavam opacos com medo. Eu não sabia o que fazer.

"De qualquer forma, eu vou explicar as opções a você e ao seu marido. Por lei, sou obrigada a vos fazer conscientes dos riscos. Então..."

Para mim, a frase acabou aí. Acordei de novo, em uma maca, 8 horas depois.  Estava com uma roupa de hospital, com um pequeno aparelho que me ajudava a respirar, nos corredores do hospital, rumo ao bloco operatório. Dami estava encostado à parede, com a sua mão na minha mão, com uns papéis na mão. "Vic, descansa. Vai ficar tudo com você, com nós, você consegue superar isso. Eu conversei com os médicos e a opção mais segura é operar," ele disse. "O Thomas, o Leo e o Ethan já estão aqui. A sua irmã está em um avião nesse preciso momento, e o resto da sua família também. Minha mãe não para de rezar, e o meu pai também não. Vai correr tudo bem, Angel".

Angel. Foi a última palavra que eu ouvi dele antes de entrar no bloco operatório. Uma das minhas palavras favoritas.

Por leves segundos, coloquei as mãos na barriga, para sentir ela, pela última vez. Uma lágrima deslizou horizontalmente do meu olho até ao meu ouvido, e senti a anestesista acariciar a minha cabeça. "Eu não sei se o tradutor estava certo, mas A bocca a lupo", disse a minha médica. Aí eles me colocaram os aparelhos, e eu apaguei.

DAMIANO'S POV

De um momento para o outro, passei de estar em um palco completamente realizado para ficar sentado em uma sala de espera quase vazia em uma maternidade em uma madrugada fria. Eu odeio as salas de espera, porque são chamadas de sala de espera, ou seja, não há chances de não esperar. São construídas e desenhadas com essa intenção. E eu não queria esperar, aliás, ninguém gosta de esperar. 

Por 4 horas, me afastaram de Vic, depois de ela ter desmaiado na mesa do ultrassom. E depois, voltei a vê-la, após ela ter ficado de novo consciente, esperando o tempo necessário de jejum para a cirurgia. Outra vez, com uma roupa de hospital, oxigênio e levando constantemente com medicamentos, ela continuava com aquele olhar doce, e um pequeno sorriso. Às vezes, isso tudo parecia uma simulação, mas não era. Ela estava ali, se preparando para dar à luz à minha filha. Fui eu que assinei os papéis primeiro para a minha filha nascer. A Vic, tendo uma criança, comigo. Nunca ninguém tinha pensado nisso. 

Depois de alguns telefonemas, Leo, Ethan e Thomas chegaram ao hospital, e me acompanharam. Os meus pais, o meu irmão, a irmã dela e a sua família estavam vindo de Roma e Copenhaga para Paris no voo mais rápido que encontrámos. Mas apesar de todo o suporte, orações e fé, me sentia sozinho nos meus próprios pensamentos, solitário no meu mundo. Porque sentia que estava a ser puxado ao extremo, a sofrer demais. Acho que é assim que a gente se sente quando vemos alguém que amamos ser tirado de nós do nada, múltiplas vezes. Porque não, não existe dor maior do que essa. 

Se passaram 1, 2 horas. O que era suposto durar menos de 1 hora, demorou ainda mais tempo. Nica tinha acabado de chegar com uma mala de avião e um pequeno urso nas suaa mãos. Dentro de momentos, a primeira atualização chegou: a bebê nasceu. Às 09:48 do dia 18 de fevereiro, com 500 gramas. A minha pequena, a minha filha, estava nesse mundo. A felicidade não cabia no meu peito, mas a ansiedade era maior. Acho que foi por isso que acabei por ficar em uma cama de hospital tomando ansiolíticos depois de apagar por causa de um ataque de pânico nos braços de Nica.

Confesso que talvez fui um doente muito chato de tratar. Porque além de quase recusar o tratamento, não descansei, e fiquei todo o tempo que podia no celular ligando para as nossas famílias e pedindo informações sobre a Vic, pedindo opiniões a outros médicos. Era quase onze da manhã, e não recebia notícias da Vic. De como ela estava, onde ela estava. A medicação era forte o suficiente para me deixar com tonturas, me deixar sonolento. Mesmo assim, obrigava os meus olhos a permanecerem abertos e continuava lutando. Mas é como eu costumava dizer a Victoria: a vida não é sobre ser forte o tempo todo.

Tinham acabado chegado ao aeroporto a minha mãe, o pai da Vic e o meu irmão. Os calmantes começaram a fazer efeito, e eu comecei a ficar finalmente mais calmo. O meu quarto parecia uma reunião de família. As atualizações novas chegaram quando já se tinha passado 1 hora desde que as nossas famílias tinham chegado, e estávamos todos um pouco mais relaxados, mesmo que o silêncio dominasse o ar. Entrou pela porta do meu quarto uma das cirurgiãs da Vitto, acompanhada de uma outra médica.

"Alguém aqui tem sangue O-. Houve uma hemorragia... uma hemorragia grave. Mas por favor: quem aqui tiver sangue tipo O negativo venha comigo. É urgente."

Todos naquele quarto eram O negativos. Os meus pais eram, logo, o meu irmão e eu éramos compatíveis, e a irmã e o pai da Vic também. Mas eu tinha feito tatuagens há menos de 4 meses, a minha mãe tinha feito um pequeno procedimento há pouco tempo e o pai da Vic tinha bebido uma cerveja quando estava no aeroporto. Só ficavam livres o meu irmão e a Nica, que foram com as enfermeiras e uns minutos depois voltaram, já tendo doado sangue com um bolo de chocolate nas mãos.

A bebê estava desde o segundo minuto que nasceu nos cuidados intensivos neonatais, tentando ser estabilizada, porque é muito difícil uma bebê assim tão pequena sobreviver com tão pouco tempo de vida. Não nos vinham atualizar sobre a Vic, mesmo quando pedíamos.  O pior tipo de choro é aquele que é silencioso. O que aparece quando ninguém está por perto. O que você sente na sua garganta, e os seus olhos ficarem embaçados por causa das lágrimas. O que você apenas quer gritar. O que você tem que aguentar a sua respiração para permanecer quieto. O que você não consegue respirar mais. O que aparece quando você dá de conta que a pessoa que mais significava algo para você, não está mais com você.

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