chapter 48

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- Victoria's POV - 

Como é que a gente chegou aqui ? Era apenas isso que eu pensava. Se em outros tempos eu estava acostumada com a ideia de perder tudo o que tinha, esse não era o caso, apesar da vida me ter ensinado isso demasiadas vezes.

O abraço forte de boas vindas de Nica e da minha família me lembrou de momentos já idos em que eu corria por aquele aeroporto, esperando avistar a minha tia, minha avó. Uma sensação forte porém desconhecida de um lar, que sabia que iria me acolher em qualquer situação, independentemente das circunstâncias. Eu cheguei ao solo dinamarquês 20 dias sóbria.

A brisa fria acompanhada de casacos impermeáveis faziam as pessoas desejar que o sol voltasse. A capital era liderada pela arquitetura, por pessoas montadas em 2 rodas, pelo título de lugar mais feliz do mundo, um local de inspiração para muitos artistas, incluindo eu mesma, se refletindo em um estilo mais neutro, usando cores neutras, misturando o tradicional e o contemporâneo. Por vezes, me encontrava sentada no sofá enorme do apartamento da irmã,  olhando para o exterior através da parte da janela da sala que não estava coberta pela cortina levemente transparente, ficando de cara para um edifício azul escuro com detalhes brancos, uma varanda recheada com lavanda e tulipas brancas, observando a sua beleza sem esforço. Comecei a viver uma vida completamente diferente, e a perceber que, talvez, percebia o porquê que minha mãe apreciava tanto essa cidade.

O meu aniversário de 28 anos foi celebrado no Hospital Universitário de Copenhaga, quando me senti fraca enquanto minha irmã enchia balões para a festa, ela estava demasiado empenhada em fazer com que esse dia parecesse o mais normal possível, e eu demasiado receosa de a preocupar. Mas não tinha nada de positivo naquele dia, no meu primeiro aniversário em um país completamente novo que seria a minha casa pelos próximos meses, em que não sentia o ar italiano por perto, nem a pessoa que eu tanto amava, mas que estava diferente. Ao fim da tarde, saí do espaço com mais uma visita registrada, uma nova obstetra, e amigos por trás de móveis em casa, com muito carinho e amor para dar.

Em quase 2 meses, aprendi muito sobre botânica, cozinhei inúmeras receitas, meditei, ouvia música neutra durante um passeio de vespa, saía na praia à noite com a minha barriga de fora na costa partilhada com a Suécia. Me sentia livre, uma pessoa diferente.

As idas ao hospital começaram a ser mais frequentes por uma questão de caução, tinha terapia todas as semanas. Tinha escolhido parar com os medicamentos, como maior parte dos médicos recomendaram, e adotar necessariamente um outro estilo de vida, que me colocasse com menos riscos de saúde, mal eu sabia que o meu corpo iria se colocar de joelhos todos os dias para engolir aquelas cápsulas na altura do desmame, e o quanto essas substâncias me estavam controlando por anos. 

Estava no meio do segundo trimestre da gravidez quando recebi uma mensagem. Por alguma razão tinha reconhecido aquele número. 77. Esses são os últimos dois dígitos do número do Damiano, de um contacto que se apresentava como desativado durante todo esse tempo. 

"Olá, amor. Você estaria comfortável se eu te acompanhasse nos seus ultrassons? Eu compreendo se você não quiser. Beijo, te amo." Te amo. Ele ainda me amava. Eu não poderia negar esse direito a ele.

No dia do ultrassom estava um calor que ninguém imagina em Maio, o que não se comparou a abril. Vestia uma calça jeans de grávida e uma t-shirt larga, junto com um tênis all star. No aeroporto, parecia que a vida de toda a gente parecia tão única e vulgar ao mesmo tempo, rodeadas de cidades e vidas ocupadas. Mas ao longe, vejo Dam com a sua mochila que ele leva para todos os lugares, e corri para o colo dele. Ele usava uma calça larga caqui com uma t-shirt branca, junto com uma sandália Dr Martens, ele estava tão diferente, falava em um tom de voz mais grave, mais sereno. O seu cabelo longo estava agora curto, como era há uns anos atrás.

"Eu senti tanto a sua falta, amor," ele me disse, junto ao meu ouvido. Ele queria me beijar, eu sabia disso. Mas quando eu me apercebi, a sua boca já estava na minha. Ele tinha gosto de cereja.

Peguei no meu carro novo e conduzi até à clínica. O clima estava estranho, no meio do sol e um céu nublado. Ele me perguntou "Uma mulher grávida pode conduzir?". Eu revirei os olhos. 

Chegamos á clínica alguns minutos depois. Estavam tanto calor que tirei a minha blusa, ficando apenas com um bralette branco. O meu peito que nunca foi grande estava bem formado, por vezes sensível, o que atraía o olhar perverso de muitas pessoas.

Entramos em uma sala juntos, acompanhados da minha médica, que depois de ter aprendido finalmente a andar de bicicleta foi das melhores coisas que me aconteceram na minha mudança. A silhueta da minha barriga tinha mudado desde a primeira vez que fui lá, quando estava mais pontiaguda. Eu tinha sempre o pressentimento que era um menino, e minha irmã tinha a sensação que era uma menina pela maneira que a gravidez foi calma desde o momento que me colocaram em um ambiente de paz. Mas essa não era a nossa decisão. É dos cromossomos.

XX. Uma menina "sem dúvida nenhuma". Outra Angel, outra princesa, outra bebê.  Um bebê saudável, de peso normal e tamanho normal. Um sistema quase formado. Eu estava gerando um ser humano.

Antes do seu voo perto das 8 da noite, eu o levei até minha casa. Estava ficando escuro, e enquanto o meu bolo não ficava pronto, fiz um chá de ervas para nós os dois, para quebrar um pouco aquele ambiente que por mais que fosse tenso era comfortante.

— Você aprendeu a fazer um bolo sem o queimar?— ele perguntou, rindo.

— Sim, e você? O que tem feito?

— Eu aprendi a tocar ukelele no retiro. Escrevi umas melodias engraçadas...

— Você? A tocar ukelele? Nem sabe nem 4 acordes na guitarra.— ri.

— Mas aconteceu.— ele suspira.— Enfim... Vic?

— Sim?

— Você quer voltar?

— Voltar a Roma?— eu assegurei.

— Você tenciona em voltar a Roma?— ele perguntou. Eu sabia que essa questão iria chegar.

— Não sei Dami, quem sabe, eu posso ficar por aqui?

— E eu?

— E você.... Bem... você fica onde for mais feliz.

— Eu sou feliz onde você é feliz.

— Eu não sei se isso é uma boa ideia.

— Sei lá, pensei que nós podíamos...— disse ele, ficando mais perto de mim.

— Sério? O que você vê de prazer numa mulher grávida?

— Tudo.

Vic, se controle, por favor. — Não fale mais, por favor.

— E se eu falar?— ele continuou.

— Vão acontecer coisas a você.

— Coisas safadas?— ele susurrou, afastando a minha calça, tocando na minha barriga.

— Você sabe que tem um hóspede aí desde a última vez que você entrou aqui. Não vai pedir consentimento?

— Vamos lá. Olá linda.— ele cumprimentou, colocando a sua cabeça ao nível do meu ventre. —Bem... pode me dar um tempo a sós com a sua mãe?

— Ela está pensando.— eu respondi.

— Que pena... Eu não tenho mesmo nada para fazer.

— Tem sim, apanhar um voo daqui a 1 hora. Já são quase 7 da noite.

— Eu posso ficar mais tempo.— ele insistiu.

— Não Dam.— eu interrompi. Afinal, amar uma pessoa também é sobre deixar ela ir.

"You don't have to be sorry for leaving and growing up,"

Matilda, H.S.


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