Capítulo 26

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        Um suspiro alto foi solto antes de Ruggero abrir o vidro da janela.
Tentei me desvencilhar do seu abraço mas sua mão foi firme me segurando no mesmo lugar assim como seu olhar que me dizia um "não ouse" bem grande.

        Sua mão esquerda Se direcionou à porta e girou a manivela da velha caminhonete Até que parte do vidro fosse aberto.

        A chuva já havia cessado e a figura na janela se revelou tirando o capuz do casaco de cima da cabeça. Tia Antonella analisou todo o cenário, desde a blusa que eu usava até o braço do filho em volta de mim, me segurando firmemente e então um sorrisinho satisfeito surgiu no canto dos lábios, e algo lá no fundo me dizia que tinha um dedinho dela nessa história.

        — Desculpem, não queria atrapalhar, mas ela não para de ligar e já não sei mais que desculpa dar — Sua voz parecia constrangida e hesitante. Desviei meus olhos para a tela do celular que só agora percebia que ela mostrava. O nome de Leslie piscava na tela em uma nova chamada — Acho que é melhor você ir pra casa filho, leva a Karol com você.

        A realidade foi esfregada na minha cara e murchei no banco do carro. Apesar do momento perfeito que tivemos, não passava disso... apenas um momento.

        — Não tia, eu fico. Ainda quero ajudar a senhora...

        Comecei a falar mas fui interrompida pelo movimento brusco de Ruggero virando-se totalmente para mim, mas ainda sem me soltar.

        — Quer voltar lá pra que? — Apertou os olhos me encarando. Suas mãos se afastaram do meu braço e eu senti sua falta na mesma hora.

        Penso em retrucar, mas então me dou conta de que aquela cena toda é por ciúmes. Ele não tinha superado me ver com Emílio, ainda que não tivesse motivos para isso.

        Encarei bem no fundos do seus olhos e acabei rindo. Apesar da minha diversão, meu ex/talvez namorado permanecia sério. O vinco bem no meio da sua texta e o rosto começando a ficar vermelho demonstravam que ele não estava achando graça nenhuma.

        — Eu vou ficar porque prometi ajudar, e a feira ainda não terminou, logo, meu trabalho também não — Argumentei.

        — Precisa não filha, a feira está quase no fim, mais umas duas horas e já vamos pra casa — Tia Antonella decidiu interceder — e a Mary também já voltou, o Jeff levou as meninas para casa por causa da chuva e agora ela está mais tranquila.

        — Tudo bem tia, nos vemos depois então. — Concordei. Não havia motivos para começar uma briga justo quando estávamos tentando nos acertar.

        E da mesma forma que surgiu, minha madrinha desapareceu por entre os poucos carros ainda estacionados.

        Ruggero olhava fixamente para fora, e apesar de não ver seu rosto, as veias saltadas em seu pescoço indicavam o nível de irritação que ele estava.

        Segurei para não rir mais dele. Apesar de eu achar descabido, aquele era um sentimento dele e eu não era imune também a sentir ciúmes, então não me cabia julgar.

        Ergui minha mão até seu rosto trazendo-o para mim e encostando minha testa na dele.

        Sua respiração aos poucos foi normalizando e seu rosto suavizou a expressão irritada de minutos antes.

        — Você tem que aprender a se controlar.

         Falei ainda com o rosto colado ao seu.

        — E você tem que parar de me provocar

        — Provocar? — Perguntei sem entender.

        — É, Karol. Afinal quem era aquele cara? nunca vi aqui na cidade.
Apesar de sua voz ainda conter um pouco de irritação, percebi que ele já estava mais calmo do que antes. Naquele momento era apenas um Ruggero com seu ciúme bobo e uma carinha vermelha fofa.

        — Era um cara que Valentina queria me apresentar. Eu disse para ela que não estava interessada, mas ela achou um jeito de me empurrar e me fazer conhece-lo "acidentalmente" — Fiz aspas com os dedos para que ele entendesse que tudo não havia passado de uma armadilha da minha amiga.

        Ao contrário do que pensei, ele não demonstrou raiva, apenas aliviou a tensão do rosto e balançou a cabeça positivamente, entendendo a situação.

        — Ela está com raiva de mim não é? — Perguntou, o olhar mirando o vidro embaçado do carro.

        — Quem? A Valu? — Acenou concordando — Ah... Eu não diria raiva, mas um ranço bem grande e uma vontade enorme de te capar — Ruggero se encolheu involuntariamente e levou as mãos para o meio das pernas — Mas vai passar, ela só se preocupa comigo.

        — Me desculpa por fazer você passar por isso, eu prometo que vou tentar ser melhor pra você.

        — Eu acredito — levei minha mão até a sua e Ruggero a puxou até os lábios depositando um beijo demorado nela — Mas agora acho melhor a gente ir para casa, antes que sua mãe volte e faça você atender o telefone.

        Ruggero suspirou audivelmente e mesmo contrariado colocou a chave na ignição e deu partida no carro.
Por todo o caminho, conversamos e rimos descontraidamente. Era como se nada tivesse mudado e ainda fossemos o casal feliz de semanas antes.

        Ainda assim algo lá no fundo me incomodava. Era a sensação de que a qualquer momento nossa bolha de paz pudesse se romper e toda a tormenta fosse voltar e nos jogar para lados opostos novamente. Talvez fosse um medo irracional e apenas um resquício de trauma por tudo o que havíamos passado, mas a figura da Leslie sentada na varanda quando passamos pelo portão principal não me permitia descartar esse sentimento, ao menos não por enquanto.

        Depois de fechar o portão, que precisava ser aberto e fechado manualmente, entrei novamente na caminhonete. Antes que Ruggero continuasse o caminho até a casa, coloquei a mão em seu braço chamando sua atenção e impedindo que ele desse partida. Confuso, ele me olhou esperando resposta.

        — Acho melhor que ela não saiba sobre a gente, ao menos não por enquanto — Expliquei.

        Ele olhou para a varanda, onde a mãe do seu filho estava parada, agora em pé e de braços cruzados nos encarando. Não que ela pudesse enxergar alguma coisa com a falta de iluminação. Na verdade se eu não tivesse descido para abrir a porteira ela nem teria visto que eu estava no carro também.

        — Eu acho isso besteira. Por mim gritaria para todos ouvirem o quanto eu sou seu e somente seu, — Um risinho escapou de nossos lábios simultaneamente — Mas acho que entendo o que quer dizer. Também não confio nela e não faço ideia do que seria capaz de fazer para nos separar outra vez. — Assenti concordando. Ele entendia perfeitamente o meu medo. — Um ultimo beijo de boa noite antes de entrarmos?

        Com um sorriso nos lábios, alcancei sua nuca o puxando para mim. Beijei sua boca com calma mas também com muito sentimento. Antes que pudessemos nos aprofundar e demorar mais, nos separamos e Ruggero voltou a colocar o carro em movimento.

        Ao estacionar fui a primeira a descer. Não olhei para trás, e não olhei para a o rosto da garota em minha frente. Passei direto para dentro de casa tentando não demonstrar toda a minha felicidade.

        Corri para meu quarto, mas antes de entrar escutei os gritos de Leslie. Não pude entender o que ela falou, mas quando Ruggero abriu a porta nitidamente exaltado, ouvi quando ele mandou ela dormir e dizer que não lhe devia explicações.

        Fechei a porta do meu quarto ofegante pela adrenalina e feliz por tudo o que havia acontecido.
Ainda estava usando a camisa de Ruggero e me neguei a troca-la quando me deitei na cama. Aspirei o seu cheiro ainda impregnado na roupa e pela primeira vez depois de tanto tempo dormi sorrindo e tive uma noite tranquila e sem lágrimas.

A Seu Lado - RuggarolWhere stories live. Discover now