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Fabrício

Dois mil duzentos e vinte e dois, dois mil duzentos e vinte e três, dois mil duzentos e quatro

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Dois mil duzentos e vinte e dois, dois mil duzentos e vinte e três, dois mil duzentos e quatro...

Vou contando mentalmente, conforme eu bato os calcanhares no chão repetidamente, tentando acalmar a avalanche de emoções que vai me engolindo um pouquim mais a cada batida do coração. Procuro com os olhos o relógio na parede oposta da sala de espera onde estamos, só pra constatar que não passou nem três minutos, desde a última que eu conferir. Os minutos parecem que tão se estendendo infinitamente e o mundo está desacelerando propositalmente, pra eu me arrepender de todos esses anos perdidos com mágoas e malcriações pra com a pessoa de mãe. Irônico não? O mundo desacelerando enquanto eu permaneço agitado.

— Aqui, tu precisa comer alguma coisa — Wesley diz, empurrando um saco de papel diante dos meus olhos.

Tamo em Caruaru, no hospital pra onde mãe foi trazida, que segundo Wesley, todos da equipe médica que tão cuidando dela são de confiança, mas já faz o que? duas horas desde que chegamos? Que hora foi que nós chamamos mesmo? Argh! Não sei mais de moléstia nenhuma e muito menos que desgraça ainda não sei o que tá acontecendo além das portas por onde levaram ela. Ninguém veio aqui me contar por que tão demorando tanto, nem se ela vai ficar bem. Aquele infeliz das costa oca drogou ela tanto, que o coração dela começou a parar. Travo o maxilar e fecho os olhos para impedir que as lágrimas rolem.

"Não vou chorar, não posso chorar, não deixarei que ele saiba o quanto me machucou dessa vez.", repito o mesmo canto silencioso que repassava na minha mente durante a infância e adolescência sempre que Marcelo me causava confusão e/ou as esposas troféus do meu pai me enchiam os pacovás.

— Obrigado, mas tô com fome não — digo, empurrando a mão dele longe.

— Pode até num tá, mas precisa comer — insiste, sentando ao meu lado e colocando o saco sobre minha perna, mas não solta, pois do tanto que tô batendo os pés no chão ele ia cair bem ligerim. — Olha só, num sou a melhor pessoa pra lhe dar conselhos do tipo: vai ficar tudo bem, tá bom? Porque sei que geralmente não fica, leva um tempo até que a gente consiga ficar o minimamente bem depois que passa por um merda assim.

Olho pra ele, sem entender o que ele quer dizer com isso, vejo sua expressão fechada fitando a parede do outro lado da sala, o queixo travado, como se tivesse sentindo uma dor profunda.

— Posso supor que tu já enfrentou algo do tipo — digo, ele me encara sem mudar a expressão, os olhos vazios deixa claro que estou certo.

— Tua mãe precisa que tu esteja bem, faça por ela o que sabe que ela por tu se fosse o contrário.

Franzo o cenho sem entender, ele solto o ar, parecendo irritado, mexe o nariz e aperta a ponte do nariz, antes de voltar a falar.

— Graziela... quando tua mãe me procurou pra que ajudasse a resolver teu rolo com minha irmã... ela já sabia que ia tá se colocando em perigo — conta, sem emoção na voz. — Mesmo assim quis ir até o fim, por tua causa, porque teu bem estar era a única preocupação dela.

Fabrício- O arrependido (Homens do Sertão- Livro 4)Onde histórias criam vida. Descubra agora