Último dia

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Passei essa noite acordada, era meu último dia nesse lugar. O orfanato Raio de Luz, se tornou minha casa quando eu tinha 12 anos.
Meus pais trabalhavam em uma empresa de mineração, ele motorista, ela faxineira. Saíam cedo e chegavam quase anoitecendo.
Durante o dia ficávamos com uma moça que morava ao lado de casa, ela somente passava o olho na gente, pois quem fazia tudo dentro casa era eu, digo na gente pois tenho uma irmã, que é o meu amor maior...Nádia, tão linda, tão esperta.
Lembro como se fosse agora, do momento que foram até na minha casa, conversaram com a vizinha que estava com a gente, e logo uma moça muito bonita, que hoje sei q era a psicóloga, veio falar comigo e com minha irmã...

-Meninas eu me chamo Paula, e queria conversar um pouquinho com vocês.

-Dona Paula se a senhora não se importar, vamos esperar mamãe e papai chegar porque ela sempre fala para não falarmos com estranho - lembro que respondi ela

- Você deve ser a Natália, está de parabéns, não se deve falar com estranhos, porém venho trazer uma notícia sobre seus pais...

Eu somente fiquei calada, mas já sabendo que não era coisa boa...

-Meninas o papai e a mamãe foram fazer uma viagem muito longa...e infelizmente foram morar lá no céu com papai do céu, eles viraram uma estrelinha.

Minha irmã tinha somente quatro anos, olhei pro seu rostinho e vi que ela não entendia nada, mas ali vi que só me restava ela no mundo.

Como não tínhamos parente perto, meu pai era filho único, e meus avós não eram vivos, minha mãe tinha uma irmã porém não tinham o contato dela. Fomos levadas para o orfanato Raio de Luz.

Sempre tinha aquela coisa que orfanato era terrível, que maltratavam as crianças,e quando cheguei aqui, foi tudo tão natural, parecia que eu estava em casa.

Hoje estou completando 18 anos, e por regra do regimento interno do orfanato, quando a adolescente fizer 18 anos +1 dia, não poderia permanecer nas dependências do mesmo, infelizmente não fui adotada nesses 6 anos que fiquei aqui, eles sempre procuram por crianças menores, quando cheguei aqui já tinha 12 anos, então minhas chances só diminuíram com o tempo. Minha alegria é saber que minha irmã foi adotada, logo assim que chegamos, com poucos meses um casal, Cecília e Mario, se encantaram com ela, como sabiam que éramos irmãs, por incrível que pareça, sempre manteve nós duas em contato.

Me levanto, arrumo minha cama, vou até o banheiro, faço minhas higienes pessoais, e caminho até a cozinha. Chegando já sinto o cheirinho do café, como vou sentir falta disso, olho e vejo a irmã Joana de costas, chego pertinho e abraço ela por trás..

- Aii Natália, você ainda me mata de susto! - ela fala virando pra mim e me dando um tapinha no ombro.

-Irmã Joana se você não morreu até hoje, não vai morrer mais, afinal a partir de amanhã não estou mais aqui pra te assustar. - sorri pra ela.

Ela me olha, com um olhar baixo, e um sorriso triste.
Desde que cheguei, sempre me dei bem com todas as irmãs, sempre ajudei em tudo, e como fui ficando a mais velha, sempre tomava conta das menores. Nunca tive uma confusão com meu nome, não porquê não tinha meninas encrenqueiras, porquê tinha sim, mas porquê eu sempre tive medo de confusão, e sei que não saberia me defender.

Olhei pra Irmã Joana, dei um abraço, e custei segurar minhas lágrimas, sabia que hoje não seria fácil.

O dia passou, tudo muito tranquilo, Cecília trouxe minha irmã para me desejar os parabéns, e me deu R$ 100,00, falou que não era muito, mas pra mim era, e ia me ajudar, porquê a partir de amanhã não saberia o que fazer. Cecília deixou anotado dois telefones de contato, e pediu pra me dar notícias sempre, agradeci, abracei minha irmã o mais forte que pude,como se pudesse levar um pedacinho dela comigo.

No comecinho da noite, Irmã Imaculada me chamou até sua sala, assim que cheguei, vi todas a irmãs juntas, nessa hora não consegui segurar...elas foram minha mãe e meu pai durante todos esses anos, me educaram, saio daqui com o ensino médio concluído, e com ótimas notas por sinal, me ensinaram a cozinhar, a costurar, a ter fé em Deus, me ensinaram a rezar, posso dizer que me colocaram no caminho certo da vida, e pretendo nunca sair dele.

- Você sabe que tentamos, não é mesmo? - Irmã Imaculada fala pra mim, e posso notar seus olhos marejados.
Ela mandou uma carta pro reitor do orfanato, pedindo uma exceção, já que nunca me meti em confusão e sempre ajudava em tudo, para que ficasse até arrumar um emprego, e dar um rumo na minha vida, porém a resposta foi somente - Siga as regras- somente essas três palavras.

- Eu sei que a senhora tentou, e fico tão agradecida por seu ato, sei que foi a primeira vez que você fez isso. Mas sabíamos que ia ser assim,e que esse dia ia chegar, eu não vou conseguir falar para vocês o quanto sou agradecida a cada uma, o quanto cada uma é importante para mim, vou lembrar de vocês todos os dias - nesse momento já não tinha mais lágrimas para chorar- fiz uma cartinha para cada uma, foi o jeito que encontrei para agradecer vocês.

Fui entregando, e abraçando cada uma, nesse momento aquela sala, era uma tristeza sem fim, mas meu coração estava tranquilo, sei que comportei muito bem durante esses anos, sei que mamãe e papai estão orgulhosos de mim, e isso fez com que eu me apegasse a todas as irmãs e elas a mim.

A última carta a ser entregue foi da Irmã Imaculada, ela era a mais velha das irmãs, a mais brava delas, mas a que tem o coração mais mole. Foi ela que me abraçou quando cheguei, e falou - agora está tudo bem menina, e vou fazer ficar melhor cada dia que passar- e ela cumpriu suas palavras, durante esses anos o difícil era a tristeza e saudade dos meus pais, e logo depois da minha irmã, mas não posso dizer nunca que não fui feliz aqui.
Ao entregar sua carta, ela me abraçou,e chorando me entregou um envelope, dentro tinha uma quantia em dinheiro.

- Minha filha, não é muita coisa, você sabe como as coisas são aqui, mas vai te ajudar por uns dias. Você já sabe pra onde vai?

- Não precisava Irmã desse dinheiro,mas não vou recusar, não sei como será a partir de amanhã. E vou pra capital, aqui não vou encontrar serviço muito fácil, a gente sabe como o povo dessa cidade olha pra gente.

- Tome cuidado minha filha, tente ir ao banco e abra uma conta pra você, assim não precisará ficar andando com dinheiro. Chegando na capital, tente ir a alguma igreja, e fale que você era desse orfanato, quem sabe assim fica um pouco mais fácil. E lembre-se você não precisa mentir para ninguém,fale sempre a verdade,nunca tenha inveja das coisas dos outros, perdoe, não use outras pessoas de escada, seja grande por mérito seu, e assim você será realmente realizada em tudo na vida.

Por fim já estava acabada, dei um passo para trás, olhei todas elas, procurando guardar cada rostinho que estava ali.

- Por onde eu for, vou levar vocês, nunca se esqueçam, vocês me fizeram melhor. Eu amo muito todas vocês.

Abracei novamente uma por uma, e fomos todas deitar. O dia ali sempre começava cedo, e amanhã o meu ia começar mais cedo ainda, sairia antes que todos acordassem, não queria ter que me despedir pra sempre delas.



Apenas uma empregadaOnde histórias criam vida. Descubra agora