Bem Me Quer

By alinestechitti

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🏆 Vencedor do Wattys 2021 em Romance 🏆 Nico está em todas as lembranças da infñncia de Catarina, seja no pi... More

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Poeminha
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CAPAS
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CapĂ­tulo 73
CapĂ­tulo 74 (penĂșltimo capĂ­tulo)
CapĂ­tulo 75 (Ășltimo capĂ­tulo)
EpĂ­logo
Agradecimentos

CapĂ­tulo 51

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By alinestechitti

Mal pude descansar naquela tarde, por mais que quisesse. Minha prima estava com pressa e me pediu para não demorar muito ou perderia o presente. Não entendi nada, mas obedeci.

— Dá tempo de tomar um cafezin? — Eu realmente sentia falta de um bom café feito na hora depois de um dia inteiro de viagem.

— Dá, eu acho. — Bel respondeu — Mas se apressa.

Nós todos nos sentamos na mesinha da varanda e comemos broa de rapadura tomando o deliciso café daquelas terras. As xícaras esmaltadas queimavam a língua e os lábios, enquanto a broa melava os dedos. Conversávamos enquanto o cachorro, Beethoven, vigiava os garotos, esperando ganhar um pedaço do que eles comiam. Era tudo tão simples e tão delicioso.

Meu pai e meu irmão estavam muito empolgados e falavam o tempo todo sobre tudo que poderíamos fazer naquelas três semanas. Nunca, naqueles cinco anos, eu havia ficado tanto tempo com eles.

— A gente podia passear na cachoeira, Tatá. — Jaime sugeriu — Agora eu sei nadar mió que ocê.

— Precisa visitar seus padrinho tamém, minha fia. — Meu pai falou em tom de bronca enquanto levava a xícara à boca — Muito feio ficar esses ano tudo sem visitar eles.

— Mas eu sempre ligo pra eles, pai. — Terminei o café e já estava me levantando ao dizer isso.

— Num é igual. Eles ficam sentido d'ocê num ir lá. Os dois gosta tanto d'ocê.

Aquilo me deixou mal porque era verdade. Estava errada de não visitá-los, mas ao mesmo tempo não estava nem um pouco empolgada com a ideia de ver Nico, muito menos o irmão dele. Como se lesse meus pensamentos, meu pai completou:

— Se tá preocupada com o Nico, pode despreocupar. Ele num mora mais com os pais há muito tempo. Nenhum dos meninos mora.

— Não? E o Nico mora onde?

Meu pai deixou a xícara sobre a mesa, engolindo o café, então estudou meu rosto.

— Cê fala pra nós num falar dele. É pra falar agora?

Demorei um pouco a decidir.

— Não. Deixa quieto. — Saí às pressas para me arrumar.

Bel foi atrás de mim, cochichando ao meu lado:

— Te incomodaria muito ver ele, Catarina?

Me virei para ela e fiquei confusa.

— Sabe que eu num sei? Pode ser que se eu visse, nem ia sentir nada. Mas acostumei a fugir esses ano tudo. Acho mais fácil. Não saberia como agir.

— Sempre que vem visitar a cidade, ocê fica escondida aqui no rancho. Nem na minha casa cê vai, Catarina. Já é hora de andar pela cidade e viver normalmente. Ninguém vai te morder.

— É, pode ter razão.

Guardei minhas malas, tomei um banho e me arrumei rápido para sair com Isabel. Iríamos de charrete e eu estava animada para saber qual era a surpresa que ela tinha para mim. Nada iria me preparar para o que eu veria.

Estava enrolada em uma toalha, procurando o que vestir quando minha prima pegou uma blusa delicada de alças finas que estava dentro de uma das malas.

— Que linda! Veste ela, Catarina! Vai ficar bonita.

Aceitei sua dica e peguei uma calça jeans justa para usar também. Prendi meu cabelo em um rabo de cavalo por causa do calor, coloquei um relógio de pulso dourado que dona Carmem havia me dado, brincos e um colar com um pingente de flor de lis que representava a pedagogia. Fiquei observando o resultado no espelho, me sentindo bastante bonita.

Gostar de mim, com todos os meus defeitos, aprender a ter um olhar mais confiante e um pouco mais de respeito próprio, fez com que eu me sentisse assim com frequência. Não me sentia melhor ou pior do que os demais, me sentia apenas bem comigo mesma, sem tantas inseguranças. Não olhava ninguém de cima, mas muito menos de baixo. Olho no olho era perfeito.

Estava saindo do quarto quando Cida, minha mãedrasta, me parou. Ela era uma mulher muito gentil e humilde, e me tratava como uma filha.

— Fiz uma lembrancinha pr'ocê. — Se aproximou com timidez — Num repara não. É coisa simples.

Ela segurou minha mão e depositou nela um terço que ela tinha feito para mim com conta-de-lágrimas, uma planta que dava em abundância na roça. As sementes eram cinzentas e a corrente com a medalha e a cruz eram prateadas. Aquele era o modo de Cida pedir desculpas por não ter estado na minha formatura.

— Que bonito! — Admirei — Agradeço demais. Vou andar com ele sempre.

— É pra Nossa Senhora da Penha proteger ocê, menina. — Disse ela, com um sorriso acanhado — Pedi inté o padre pra benzer.

— Vou levar comigo. — Coloquei o tercinho no bolso e sorri para Cida — Vai me proteger hoje. Obrigada de novo!

Dei um abraço nela antes de sair, o que a deixou um pouco assustada, porém, feliz. Era uma pessoa tão maravilhosa que eu vivia lembrando meu pai de ser sempre um excelente marido para ela. Os últimos anos antes de conhecer nosso pai, ela havia sofrido muito cuidando do marido com câncer terminal. A vida havia dado uma nova chance para ela e para o meu pai. Torcia para que não disperdiçassem.

Quando Isabel e eu estávamos saindo, vimos o filho de Cida e Jaime brincando com o cachorro no terreiro. Dudu era muito parecido com meu irmão no jeito de ser, mas tinha tanta timidez quanto a mãe. Apenas quando jogávamos cartas juntos é que se soltava um pouco.

Os dois meninos eram travessos demais, mas sempre ajudavam Cida a fazer bolo à noite para vender na cidade, nas feirinhas da praça. Durante o dia, eles ajudavam meu pai a cuidar dos animais e das plantações. Todo mundo trabalhava ali.

— Pra onde a gente vai, Bel?

— Pra cidade. — Respondeu ela, indo rápido à minha frente — Mas num posso te contar mais nada.

Subimos na charrete de listras vermelhas, puxada pela égua castanha Morena. Há tanto tempo que não andava de charrete que me assustei com a altura e com o balanço. Abri uma enorme sombrinha para nos proteger do sol e Isabel conduziu. Fomos conversando em meio ao aroma dos cocôs que Morena ia soltando pelo caminho.

— Por que o carioca terminou c'ocê? — Bel quis saber.

— Porque eu tô evitando ele, passei meses sem querer sair com ele, tô usando ele como tapa buraco, enfim, tô sendo uma péssima namorada.

— Uai, mas cadiquê isso?

Expliquei o que eu estava sentindo e a confusão da minha cabeça.

— Mas e ele, Catarina?

— Isaac sempre foi um bom amigo. Depois que começamos a namorar foi que ele ficou muito chato. Quer tudo na hora e do jeito dele. Se eu não faço o que ele quer, faz um drama enorme.

— Ah, se ocê errou, pelo menos já percebeu. Agora é ele que tamém precisa perceber os erro dele.

— É, vamos ver.

— Ah, mas pelo menos agora que cê tá solteira pode dar mais uma passada de rodo. — Ela deu um sorriso sapeca — Tem uns bicho do mato que cê pode caçar nessas banda. Eles dão umas mordidinha, mas num faz mal não. Cê pode inté gostar.

Fui o caminho todo rindo dos papos de Isabel. Com isso, mal vi os minutos se passarem. Chegamos à entrada da cidade por volta das cinco da tarde e fomos até a escolinha em que havíamos estudado quando crianças. Descemos da charrete e fiquei observando a fachada enquanto minha prima fazia uma "baliza".

Parei com as mãos na cintura e observei tudo com saudade. A entrada parecia pequena, as árvores pareciam menores e até as placas me davam a impressão de um dia terem sido maiores. Quando Isabel e eu entramos, essa sensação apenas aumentou.

— Espia aquilo! — Apontei para uma das árvores — Nós escondia atrás dela, lembra? Pra ninguém tomar a pipoca da gente. Engraçado como tudo parece menor.

— É que na época nós era criança e pititica, Catarina. — Bel me lembrou — O mundo das criança é grande... Às vezes, esmagador.

— Os alunos já tão de férias? — Olhei para um lado e outro, vendo a escola vazia.

— Tão sim. Mas tem uma reunião acontecendo. A gente tá atrasada, aliás.

Ouvimos o som de uma voz feminina ao microfone e nos apressamos. Enquanto corria para acompanhar minha prima, vi o parquinho da escola e o escorregador sob o qual me escondi para ler a cartinha que Nico um dia havia me escrito. Acabei rindo sozinha ao recordar a emoção daquele momento.

Tudo era tão nostálgico. Quase podia sentir o gosto do sopão da escola, da canjiquinha e do angu baiano. Se me esforçasse um pouco conseguia me lembrar das minhas primeiras professoras, da sensação do giz de cera nos dedos ao colorir os desenhos e até do cheiro de álcool do mimeógrafo.

"Ah, infância." Suspirei em pensamento "Parece que foi ontem."

Caminhamos até uma quadra coberta que havia sido construída há poucos anos. Lá havia cerca de duzentas pessoas reunidas, a maioria professores e outros profissionais que trabalhavam em diversas áreas da cidade. Havia uma mulher de meia idade com microfone na mão, com cara de professora. Bem atrás dela estavam algumas fileiras de cadeiras ocupadas por alguns policiais, um pouco escondidos, e várias mulheres mais à frente.

Bel me disse para sentar por ali e me deixou sozinha, indo para o palco discretamente e se sentando junto daquelas mulheres. Eu não estava reconhecendo ninguém daquela distância e a cada segundo entendia menos o que estava acontecendo.

— Agradeço mais uma vez aos presentes. — Disse a professora com o microfone encostado no queixo — Nossa escola está agradecida pelo trabalho das voluntárias, dos conselheiros tutelares e dos policiais envolvidos nesse projeto. Foram detectados e denunciados diversos casos de abuso infantil.

Levei a mão à garganta no mesmo instante, sentindo algo me sufocar. O que estava acontecendo?

— Quero chamar a coordenadora, Isabel, para dar uma palavrinha. — Disse a professora, se virando para trás.

Minha prima se levantou e pegou o microfone. Com a mão na cintura e o queixo erguido, ela transpirava força.

— Boa tarde. Nesse mês completamos dois anos desse projeto e, com todas as dificuldade, ele tem dado muitos resultados. — Sua voz era forte e intensa como ela. Não havia timidez ou medo em seu rosto. — Muitos d'ocês não sabe, mas cada um aqui tem um motivo pessoal pra tá envolvido. O caso é que um dia, há muitos anos, um homem deixou uma carteira cair no chão. — Contou ela — Dessa carteira caíram várias fotos de meninas sem roupa. Eram crianças. E muitas dessas crianças tão aqui hoje.

O silêncio das pessoas foi ensurdecedor. Meu estômago se contraiu.

— Pra todo mundo, aquele era um homem comum, trabaiador e pai de família. Era o tio divertido que me dava bala. Mas ele tinha um segredo. — Ela fez uma pausa e seu rosto ficou mais tenso — Eu era uma das meninas daquelas fotos, assim como essas que tão aqui sentada. A gente foi tudo vítima dele.

Meu coração começou a bater muito rápido e meus olhos umedeceram. Observei o rosto daquelas mulheres atrás de Isabel sem acreditar que eram elas, as meninas das fotos de tio Geraldo. Como?

— Meu amigo, Nico, foi quem desmascarou esse pedófilo quando ainda era menino. Só que muitos não acreditaram nele na época. Mas a minha prima, Catarina, que está aqui comigo hoje. — Ele olhou para mim e sorriu — Ela sempre disse que queria encontrar essas meninas pra saber se elas estavam bem. Ela sonhava um dia em fazer algo por todas nós.

Naquela hora eu não me aguentei e senti lágrimas descerem dos olhos.

— Nós achamos todas elas, como ocê queria, prima. — Isabel sorriu — Hoje as meninas são crescida e muitas trabaiam pra proteger outras criança. Isso graças a ocê e ao Nico. A mudança começou com cês dois, que se meteram em muita encrenca pra tentar mostrar a verdade. Em nome de todo mundo, eu quero te agradecer hoje. Ocê, que era menina que nem eu, foi a única a abrir a boca pra falar. Hoje nós tamo buscando isso, que as pessoa pare de ser covarde e fale, que nem ocê fez desde sempre. Deus te fez braba, prosa e teimosa por um motivo. — Ela riu, mas os olhos estavam marejados. — Foi pra dar coragem pro resto de nós.

Abri um sorriso enquanto a emoção tomava conta de mim. Aplaudi junto com os demais da plateia, tendo a certeza de que um simples ato de coragem sempre pode mudar o rumo de muitas vidas.

Bel falou com energia para todos ali, mostrando os pontos importantes daquele trabalho. Precisavam do apoio da comunidade para continuar atuando nas escolas, por isso faziam aquelas reuniões a cada três meses. Por sorte ou destino, eu havia chegado bem no dia de uma daquelas reuniões.

Eles convidavam os políticos e futuros candidatos, em busca de apoio para contratação de profissionais capacitados para atuar na saúde pública e assistência social, para dar suporte à vítimas de abuso. Havia também um grupo de profissionais voluntários e estagiários de diversas profissões que os acompanhavam.

Quando Bel terminou de falar, meus olhos já estavam vermelhos e baixei a cabeça para que ninguém me visse enxugá-los. A professora pegou o microfone e anunciou o nome de outra pessoa que iria falar. Era um policial de sobrenome Castro. Ele também havia acabado de chegar. Passou pela lateral discretamente e subiu ao palco, pegando o microfone.

— Boa tarde. — A voz grave me despertou e ergui a cabeça para olhá-lo — Quero agradecer a todos por terem se juntado à mim e à Isabel nesse projeto há alguns anos.

O susto que tomei foi desconcertante. Aquele policial alto, com músculos que preenchiam bem a farda, parecia olhar para todos, menos para mim. Estava muito sério e rígido. Analisei de maneira minuciosa seu rosto bronzeado sob a boina, observando suas sobrancelhas negras e grossas, seus olhos escuros e enérgicos e seu maxilar tenso. Por alguns instantes meu cérebro se negou a reconhecer quem ele era.

— Nico? — Perguntei baixinho, apenas para mim mesma.

— Esse é um trabalho voluntário, então nossa recompensa é ver que o bem estar das crianças. — Ele prosseguiu, com sua postura séria e rígida — Somos apoio para famílias inteiras e também para uns aos outros. Como a Bel disse, cada um aqui tem um motivo pessoal pra tá nessa luta. Eu tenho o meu também.

Meus olhos permaneceram arregalados em sua direção. Estava muito surpresa com o homem que ele havia se tornado. Os batimentos em meu peito aumentaram e senti uma alegria tão grande dentro de mim que não conseguiria explicar. Bel estava certa, ele havia "melhorado" muito. Não era mais um garotinho, nem um adolescente magrelo, mas um homem formado, inteligente e forte, que faria muita mulher perder o equilíbrio à sua frente.

Notei que havia subestimado Nico ao imaginar que ele tinha permanecido no mesmo ponto enquanto eu buscava novos horizontes. Ele também havia crescido e mudado muito. Por mais surpreendente que fosse, estávamos lutando pela mesma causa, ainda que distantes um do outro. Era como se tivéssemos nos separado, mas seguíssemos sendo parte da mesma história.

Enquanto ele falava, repeti para mim que não deveria demonstrar tamanho susto. Nico estava tão calmo e falava com tanta seriedade. Não parecia nem um pouco afetado, diferente de mim.

"Será que ele não me viu?" Pensei "Será que vai me reconhecer?"

No mesmo instante em que esse pensamento passou por minha cabeça, ele colocou os olhos em mim. Foi muito rápido, apenas um segundo, e me pareceu um olhar comum, como se não soubesse quem eu era.

"Ele não me reconheceu." Deduzi.

Observei Isabel, que permanecia sentada no palco, e ela fez uma expressão para mim que imaginei ser um pedido de desculpas. Pelo que parecia, ela não esperava que ele viesse. Nico havia chegado bem depois de nós e, pelo visto, não estava presente sempre nas reuniões. Havia sido uma surpresa para todos, mas para ninguém seria tão surpreendente quanto foi para mim.

Assim que aquela reunião terminou, Bel veio correndo em minha direção. As pessoas saíam, fazendo barulho de cadeira se arrastando. Havia uma mesa de café da tarde preparada no refeitório esperando por todos.

— Desculpa, Catarina, eu juro que não sabia que ele vinha hoje. Pensei que ele tava trabalhando e...

Interrompi sua fala a abraçando apertado.

— Eu não tô conseguindo acreditar, Bel. Cê num sabe como meu coração tá. Esse projeto é a coisa mais incrível. Eu não imaginava. — Me afastei de seu abraço enquanto as pessoas circulavam ao nosso redor — Como cês conseguiram achar as meninas das fotos? Como foi isso?

— Foi... o Nico.

— Sério?

— É. Foi ele que achou elas. Ele que começou tudo.

Bel parecia hesitante em prosseguir.

— Tudo bem, Bel, pode falar dele. Eu preciso saber.

— Bom... Ele procurou por elas por todo lado, Catarina. Depois que virou policial foi mais fácil ainda de achar. A maioria delas tava numa vida difícil, tavam cheia de sequelas dos abusos. — Bel olhou para trás para ver se ninguém estava ouvindo — Hoje em dia o Nico é meio que o protetor delas, marcou médico, levou na assistência social, fez tudo. Ele ajudou todas nesses anos e acompanha os casos das crianças tamém. Cê num tem noção de tudo que ele fez e ainda faz.

Segurei as lágrimas nos olhos, observando se ele não estava por perto. Não saberia o que fazer se o visse.

— Eu quero conhecer elas, Bel. — Pedi — Cê me apresenta?

— Claro! — Ela agarrou minha mão — Vem comigo.

As mulheres iriam se reunir sozinhas quando todos partissem, então encontrei muitas delas juntas no palco. A cada passo, enquanto me aproximava, me sentia mais emocionada. Minhas mãos estavam tremendo muito.

— Catarina, essa é a Lu. — Bel apontou para uma mulher de pele preta e cabelos curtos, iniciando as apresentações  — Ela é nossa doceira, faz cada bombom que é delícia. Aquelas três magrelinha é a Junia, a Beca e a Lorena. Essa loirinha de farmácia é a Jaque, aquela gata de olhos verdes é a Thaís e do lado dela tá a Bruninha. Ela é a que faz amizade mais fácil, é faladeira que só ela. Aquela morena de corpo violão é a Zilma. Ela dança um forró que cê tem que ver, Catarina. Muito mió que nós duas. A peituda brava ali é a Helena e a mais chata é a Míriam, essa baixinha cacheada.

As duas últimas fingiram que iam bater em Isabel antes de vir me abraçar. Uma por uma, elas se aproximaram, muito simpáticas. Todas estavam com sorrisos nos rostos. Comecei a chorar muito e logo algumas delas também se emocionaram. Muitas cochicharam um "obrigada" em meu ouvido, o que me fazia querer chorar ainda mais.

"Meu Deus, isso é real?" Me perguntei, lembrando da cena em que Nico chegava com aquelas fotos nas mãos, fugindo de tio Geraldo. Lembro de vê-las caindo na terra, amassadas na poeira quando Nico foi jogado no chão naquela briga. Eram vidas ali. Eu as abraçava naquela hora.

— Muitas não quiseram participar do grupo e outras saíram. — Explicou Bel — Mas as que tão aqui, seguem firme e forte desde o início.

Não conseguia acreditar. Era muito para assimilar. A emoção me deixava sem fala. As meninas das fotos ficaram totalmente reais em minha mente. Elas tinham rostos finalmente. Eu nunca as tinha visto, apenas imaginado como eram. Agora estavam diante de mim.

Elas fizeram um círculo com as cadeiras e me sentei ao lado de Bel. Todas me deram boas vindas, dizendo que era ótimo me ter na reunião naquele dia. Assim que agradeci, uma das mulheres perguntou:

— E o policial Castro? Ele disse que ia ficar pra reunião hoje.

— Acho que foi falar com alguém da escola, deve estar voltando. — Respondeu a que se chamava Lorena.

Ouvindo isso, Bel se inclinou e cochichou em meu ouvido:

— Você vai querer esperar, Catarina? Vai querer encontrar com ele?

Só então me dei conta de que estavam falando de Nico. Minha mente estava muito confusa. Era estranho pensar nele como um policial.

— Pra que ele vem? — Quis saber.

— É ele quem dá suporte pra gente. — Respondeu Jaque.

— Ajuda a não ter medo, principalmente. — Completou Thaís — Porque, querendo ou não, é um território perigoso que a gente se mete.

— Enfrentamo agressor de criança. — Lu também entrou na conversa — Tudo que a gente precisa recorremo ao policial Castro.

Me deu vontade de rir com o "Policial Castro", mas ao mesmo tempo me enchi de orgulho. Nico sempre fora um protetor, uma pessoa disciplinada e corajosa. Ele nunca enterraria aquela história. Nunca deveria ter diminuído o grande ser humano que ele era em minha lembrança.

Acabei sorrindo de orgulho dele, de Isabel e de tudo o que criaram. Por tantas razões, aquele meu final de ano estava me dando muitos motivos para ter esperança.

— Acho que eu vou ficar. — Respondi, nervosa — Vamos ver o que acontece.

— Certeza? — Isabel perguntou.

— Igual cê disse, num deveria me esconder pra sempre.

As mulheres decidiram começar sem ele. Como eram parte de um grupo religioso também, fizeram uma oração antes de começar. Depois, iniciaram falando sobre como estavam suas vidas. Aquele era um grupo de apoio antes de tudo. O trabalho voluntário era algo que as ajudava a lidar com todos os traumas que viveram. No final de cada reunião elas combinavam as ações que fariam nas escolas e comunidades. Muitas delas apadrinhavam crianças em situação de vulnerabilidade. Era algo muito bonito de ver.

Acabei me distraindo e ficando bastante solta entre elas. Até me esqueci do nervosismo. Estávamos rindo de uma das histórias engraçadas de Thaís quando ouvi aquela voz atrás de mim.

— Desculpa a demora. — Ele estava bem atrás de mim — Posso me achegar com cês?

Senti meu rosto quente e meu coração disparar mais uma vez. Eu iria ter um infarto se aquele dia continuasse assim.

O barulho do coturno me fez notar que ele contornava o meu lado esquerdo com passos pesados. Acompanhei seus movimentos, erguendo os olhos devagar. Nico se sentou praticamente à minha frente. Ele estava com um sorriso pequeno, que se desfez lentamente assim que botou os olhos em mim.

— Hoje temos uma convidada. — Uma das mulheres apontou para mim — Mas acho que nem preciso apresentar ocês dois, né?

Elas também sabiam da nossa história e pareciam assistir a tudo como se fosse uma cena de novela.

— Não, não precisa apresentar. — Nico ficou desconcertado, mas me deu um sorriso educado — Oi, Catarina.

Ouvir meu nome em sua voz não mexia comigo há tanto tempo que pensei que seria fácil ouvir, mas não foi.

— Oi, Nico.

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