Bem Me Quer

By alinestechitti

327K 52.1K 54.6K

🏆 Vencedor do Wattys 2021 em Romance 🏆 Nico está em todas as lembranças da infñncia de Catarina, seja no pi... More

Avisos
Poeminha
CapĂ­tulo 1
CapĂ­tulo 2
CapĂ­tulo 3
CapĂ­tulo 4
CapĂ­tulo 5
CapĂ­tulo 6
CapĂ­tulo 7
CapĂ­tulo 8
CapĂ­tulo 9
CapĂ­tulo 10
CapĂ­tulo 11
CapĂ­tulo 12
CapĂ­tulo 13
CapĂ­tulo 14
CapĂ­tulo 15
CapĂ­tulo 16
CapĂ­tulo 17
CapĂ­tulo 18
CapĂ­tulo 19
CapĂ­tulo 20
CapĂ­tulo 21
CapĂ­tulo 22
CapĂ­tulo 23
CapĂ­tulo 24
CapĂ­tulo 25
CapĂ­tulo 26
CapĂ­tulo 27
CapĂ­tulo 28
CapĂ­tulo 29
CapĂ­tulo 30
CapĂ­tulo 31
CapĂ­tulo 32
CapĂ­tulo 33
CapĂ­tulo 34
CapĂ­tulo 35
CapĂ­tulo 36
CapĂ­tulo 37
CapĂ­tulo 38
CapĂ­tulo 39
CAPAS
CapĂ­tulo 40
CapĂ­tulo 41
CapĂ­tulo 42
CapĂ­tulo 43
CapĂ­tulo 44
CapĂ­tulo 45
CapĂ­tulo 47
CapĂ­tulo 48
CapĂ­tulo 49
CapĂ­tulo 50
CapĂ­tulo 51
CapĂ­tulo 52
CapĂ­tulo 53
CapĂ­tulo 54
CapĂ­tulo 55
CapĂ­tulo 56
CapĂ­tulo 57
CapĂ­tulo 58
CapĂ­tulo 59
CapĂ­tulo 60
CapĂ­tulo 61
CapĂ­tulo 62
CapĂ­tulo 63
CapĂ­tulo 64
CapĂ­tulo 65
CapĂ­tulo 66
CapĂ­tulo 67
CapĂ­tulo 68
CapĂ­tulo 69
CapĂ­tulo 70
CapĂ­tulo 71
CapĂ­tulo 72
CapĂ­tulo 73
CapĂ­tulo 74 (penĂșltimo capĂ­tulo)
CapĂ­tulo 75 (Ășltimo capĂ­tulo)
EpĂ­logo
Agradecimentos

CapĂ­tulo 46

2.9K 566 640
By alinestechitti

Estávamos em julho quando finalmente pude visitar o interior de Minas Gerais. Eram as férias da faculdade de Gabi, mas ela ainda tinha outros compromissos e eu também, então foi uma visita bem rápida, de apenas cinco dias. Não era o suficiente para visitar todos os lugares e pessoas, mas pelo menos veria meu pai e meu irmão.

— Que o Mosquitinho não me odeie. Que não me odeie. — Eu cruzava os dedos enquanto o carro se aproximava da entrada da cidade. Temia que ele estivesse com raiva de mim por ter ido embora de forma tão repentina.

Há oito meses que não o via e a saudade gritava dentro de mim. Estava ansiosa para dar a ele e ao meu pai os presentes que havia comprado, ver se estavam mesmo bem e contar como era a vida na cidade. Não queria ver minha mãe, mesmo que sentisse que deveria, pois o tempo era curto e minha vontade maior era de ficar com Jaime.

— Criança não é rancorosa como nós, os adultos. — Gabi dizia enquanto fazia o Tempra virar para à direita, chegando à rodovia esburacada que era a entrada da minha cidadezinha — E já faz tanto tempo, Cat. Seu pai também tem conversado com seu irmão e explicado as coisas. Jaime deve estar bem.

— Tomara. — Segui com um nó na garganta, de um nervosismo que só crescia.

Só pensei em meu irmão o tempo todo enquanto Gabi e eu vínhamos de carro pelas rodovias. Dona Carmem ficou com a filha, pois não poderia interromper o tratamento, enquanto que Gio viajou para São Paulo para ver a família.

Quando chegamos à praça da matriz, foi a coisa mais estranha do mundo. Um misto de paz e angústia. Por sorte, fomos direto para a roça e não tive muito tempo para pensar em nada. O lugar em que meu pai e meu irmão moravam ficava muito longe da cidade. Era um ranchinho no alto de um morro, com uma porteira na frente, pastos ao redor e lavouras de café. Havia também um enorme açude em frente à casinha deles. Os dois criavam peixes e pescavam quase toda semana. Também plantavam mandioca, feijão e milho, além de criarem cabritinhos, patos, galinhas e porcos.

— Volto pra te buscar em alguns dias, tá? — Gabi me disse assim que desci do carro — Aproveita, meu bem, pois logo temos que voltar.

Abri a porteira, segurando minha mochila e uma mala de mão enquanto o carro partia, levantando poeira. Entrei devagar, com o coração disparado e as lágrimas prontas para sair. Fui aproveitando a sombra dos coqueiros naquela travessia, observando o céu tão bonito e limpo, que só existia no interior.

Logo avistei uma imagem adorável ao longe: um menininho de cabelos escuros, bermuda jeans, sem camisa e uma barriguinha saliente. Estava de cabeça baixa, debulhando milho para um monte de galinhas que estavam ao seu redor. Parecia conversar com elas, brigando para que não atropelassem umas às outras. Também havia um vira-lata caramelo ao seu lado, com a língua para fora, quase como se sorrisse. Uma gata preta e branca estava deitada ali por perto com três gatinhos filhotes mamando em suas tetas. As lágrimas embaçaram minha visão em poucos segundos.

— Mosquitinho! — Gritei — Ei, mosquitinho!

O cachorro ergueu as orelhas e latiu. Quase corri, com medo de ser atacada, mas não aconteceu nada. Era manso. Meu menininho olhou para os lados, procurando a voz que o chamava. Quando finalmente me viu, Jaime parou e ficou olhando, como se não acreditasse. Acenei para ele com ambas as mãos, largando a mala no chão. Depois de alguns segundos pasmo, ele deu um grito fino e desesperado, largou a espiga de milho no chão e veio correndo em minha direção.

"Ah, não acredito." Respirei aliviada.

Meu irmão veio subindo o caminho às pressas. Ele gritava "Tatá!" tão alto que meu coração quase saía pela boca. A imagem está quase em câmera lenta em minha memória. Lembro de seus dois bracinhos jogados para o alto, seu enorme sorriso banguela e seus cachinhos escuros saltitando nas orelhas. Apenas me abaixei, estendi os braços de volta e esperei aquele abraço com desesperada emoção.

— Tatá! — Jaime pulou com tanta força sobre mim que caí para trás. Ele me apertou muito e chorou de soluçar — Cê voltou!

Não consegui dizer nada naquele instante, só o abracei de volta e chorei com ele. Aquele garotinho era meu grude, minha dor de cabeça, minha preocupação diária e meu cansaço, mas também era o que eu mais amava na vida. Tê-lo de novo comigo, mesmo que só por pouco tempo, já me renovava as energias.

— Como cê tá diferente! — Ele sentou na minha barriga e pegou minhas duas bochechas, esticando como uma massa de pão — Tá até mais branca. Cê passou cal na cara, Tatá?

— É que quase não tomo sol agora. — Falei entre soluços — Moro num apartamento.

— E tá mais gorda. — Jaime deu pulinhos em cima da minha barriga. Seu nariz escorria — Tá que nem eu!

Comecei mesmo a engordar, visto que não fazia mais grandes caminhadas como antes, nem andava de bicicleta e estava comendo muito melhor. Também estava indo a médicos e me cuidando, pois logo nos primeiros exames que dona Carmem me mandou fazer descobrimos que eu estava um pouco desnutrida e com algumas feridas no estômago por causa da gastrite nervosa.

— Você tá gordinho mesmo, Mosquitinho! — Apertei sua cintura fofa e tentei morder sua bochecha, arrancando risadas dele em meio às nossas lágrimas — E esses dentinhos aí? Caíram quando?

— Já caiu um monte! Tô ficando banguela que nem o vô, olha! — Ele esticou a boca para que eu visse seu sorriso sem os dois dentes da frente. Depois fungou, deixando mais lágrimas caírem. Outras minhas caíram também enquanto passava as mãos em seus bracinhos bronzeados, tentando acreditar que estávamos mesmo juntos.

Segurei seu rosto e lhe dei um beijo na bochecha.

— Eu te amo, Mosquitinho. Senti saudade.

Jaime pegou meu rosto e também me deu um beijinho. Foi tão espontâneo que me surpreendeu.

— Te amo tamém, Tatá. Senti tanta saudade que quase caí morto, durin.

— É? — Eu chorei e ri ao mesmo tempo.

— É. — Ele se levantou, secou os olhos com o pulso, pegou minha mala no chão e saiu correndo — Vem, Tatá! Vem pra casa! — Depois gritou pra lavoura — Paiê! Tatá voltou! Num é mentira! Ela é de verdade!

Mesmo eu dizendo que estava pesada, Jaime quis carregar minha mala. Segundo ele, já era um "rapaz forte e trabalhador" e que aguentava o peso. Junto dele ia o cachorro, que era o novo membro da família. Seu nome era Beethoven, como o cachorro do filme que ele tanto gostava.

— A gente achou ele aqui na estrada. — Jaime contou quando chegamos à porta da casinha — Tava magrilin e cheio de carrapato. Aí nós cuidou dele. Agora ele cuida de nós.

Era uma graça ver como Beethoven não deixava meu irmão. A cada passo que Jaime dava, o cachorro estava atrás. Também foi interessante perceber como aquela criança estava se tornando independente e segura de si. Não consegui deixar de pensar que ficar longe da nossa mãe tinha a ver com esse fato.

Meu pai desceu da lavoura todo sujo e veio correndo me abraçar. Tinha cheiro de semente madura de café, de terra e de suor. Ele também chorou, mas não deixou transparecer tanto. Só dava para notar por sua fala engasgada e por seus olhos vermelhos.

— Ô, fia, como cê tá bonita. — Ele me olhou de cima a baixo — Tá vestida que nem fia de rico. E deve tá passando bem lá, né? Até engordou! — Ele também notou.

Eu estava usando calças jeans e camiseta. Não achei que fossem roupas chiques. No entanto, se comparava com as roupas que estava acostumada a usar no passado, eram mesmo chiques. E o fato de engordar não me incomodava. Pela primeira vez estava ganhando um pouco de formas, mas pensava que fosse por estar ficando mais velha também. Meu corpo parecia estar amadurecendo muito tarde e nem iria adquirir tanto amadurecimento assim.

Nós conversamos bastante na cozinha, tomando um café preto e comendo biscoitos de polvilho assados. Meu pai estava diferente também. Havia cortado o cabelo, estava com a barba aparada e havia engordado, assim como eu. Disse que estava comendo muito mais depois que parou de beber. Até seu aspecto havia mudado, parecia mais jovem, mais forte e feliz.

"Minha mãe sugava nossa vida." Pensei enquanto analisava nós três. Estávamos muito diferentes sem ela.

Meu pai me contou que já tinha conseguido a guarda definitiva de Jaime, o que me deixou muito aliviada. Minha mãe não havia visitado meu irmão nem uma única vez e não estava mais insistindo na guarda dele, o que ajudou a acelerar o processo. Ela passava, segundo meu pai, todos os dias nas filas dos postos de saúde, inventando milhares de doenças. Dizia ter sido abandonada por nós por estar doente.

As pessoas do sistema de saúde e assistência social a acompanhavam. Estavam completamente desnorteados tentando ajudá-la, sem saber que a maior parte do que contava era mentira. No final das contas, minha mãe acabou conseguindo benefício do INSS e com o dinheiro que começou a receber fez algo que ninguém esperava: aproveitou que morava em um botequim e abriu um!

— Logo ela que dizia ter pavor de pinguço. — Meu pai contava, surpreso — Agora vende pinga e atura homem bêbado todo dia. Até pôs a placa "Bar da Leda" essa semana.

As coisas estavam ficando mesmo muito esquisitas com ela, o que me desanimou ainda mais de vê-la. Ao mesmo tempo, fiquei feliz por meu irmão e meu pai estarem bem.

— E a família, pai? — Questionei — Tá todo mundo bem?

— Seu vô tá a cada dia mais caduco, Catarina. — Contou meu pai, com uma tristeza genuína — Seus tio tá bem, sua vó tá boa, mas quem tamém tá meio mal é sua prima Isabel.

— Por que?

— Ela acabou de ter um menino. Foi ontem, parece.

Meu coração se encheu de ternura e apreensão. 

— Um menininho? Ah, eu quero ver ela! Vamo lá, pai?

— De que jeito, fia? Ela tá internada na cidade vizinha. — Lamentou ele — Ah, mas sofreu demais nesses mês, viu? A mãe e o pai dela botaram ela na roça os nove mês tudinho. Dava até dó ver ela magrinha, com as mão tudo cheio de calo e aquele barrigão. Eles num perdoaram ela por ter pegado barriga. Judiaram demais dessa menina.

— E o Mateus?

— Tá na roça tamém. Perdeu o emprego. Ele tá tentando até hoje trazer ela pra morar com ele, tirar ela do sofrimento, mas num tem dinheiro pra sustentar uma casa. Agora tão dizendo que a Bel nem consegue oiá pro meninin dela, que parece que tá com medo do neném. Só sabe chorar. Parece sua mãe quando teve ocê.

Fiquei com muita pena e também com medo de que Bel fosse se tornar o tipo de mãe que eu tive. Queria ajudá-la de alguma maneira, mas não sabia como.

— Pai, eu vou deixar um dinheiro com o senhor pra dar pra ela. Num vou ter tempo de entregar, mas o senhor entrega pra mim? Diz que é pro neném, que eu num tive tempo de comprar um presente. De vez em quando vou mandar alguma coisa pra ela. 

Ele prometeu que entregaria. Eu sabia que aquilo não resolveria muito, mas era a única coisa que me passou pela cabeça no momento. Ter o que comer já ajudaria um pouco no desespero que eu sabia que minha prima estava. Tinha prometido ser o anjo dela e tentaria ser, mesmo de longe.

Naqueles dias de visita, não saí para outros lugares. Fiquei apenas com meu pai e meu irmão, sempre perguntando sobre como estavam as coisas na família e na cidade. Minha língua coçava de vontade de perguntar sobre Nico, mas me continha. Não queria alimentar aquele sentimento.

"Já tem muito tempo que a gente num se vê." Pensava todas as noites "Tinha que esquecer ele, meu Deus, eu tinha, mas não consigo. Como que tira uma pessoa da cabeça? Como?"

Dormi na sala a semana toda e todos os dias Jaime dormia agarrado à mim. Isso tornou as noites bem mais difíceis, pois ele se mexia muito, mas era ótimo tê-lo juntinho, mesmo me deixando com enormes olheiras das noites mal dormidas. Algo que me intrigou foi ver o quão bem cuidado ele estava, assim como a casa e sobretudo a sua fala. Ele quase não gaguejou em nenhum momento nos dias em que eu estive lá.

— É que a tia Cida tá me levando na fosolaudógola. — Me contou enquanto nos deitávamos no colchão da sala para assistir televisão antes de dormir — Aí eu tô aprendendo a falar mió.

— Fonoaudióloga?

— É, isso aí. A tia Cida ficou na fila do SUS a noite toda pra conseguir vaga pra mim, sabia? Ela é muito gente boa.

— Quem é tia Cida?

— É uma muié que tá sempre aqui em casa conversando com o pai. Ela mo-mora numa casinha aqui perto. Ela me ensinou a fazer bolo no dia que teve aqui pra ajudar a arrumar a casa. Ela tem um menino da minha idade que chama Dudu. Ele brinca comigo com os carrinho que cê me deu. Ele tamém vai na fosonalósoga.

Gostei de saber que eles tinham uma boa vizinha e não desconfiei de nada naquele momento. Minha mente estava distraída com os pensamentos em Nico.

— Que bom que cê tá falando tão bem. — O puxei para que deitasse junto comigo — Mas agora aproveita pra falar comigo no telefone quando eu for embora.

— Era ocê memo? — Ele cochichou, espantado — Eu achei que era mentira do pai.

— Por quê?

— Porque ele tá muito mentiroso, Tatá. Ele diz que num tá namorando a tia Cida, mas eu bem acho que tá, sabia?

Levei um susto, mas me convenci rapidamente de que era coisa da cabeça do meu irmão.

— Eles podiam casar, Tatá. Aí eu ia ter um irmão e uma mãedrasta.

— Mãedrasta?

— É! Madrasta é feio, parece nome de muié ruim. Te-tenho um amiguinho da escola que chama a dele de boadrasta, mas eu num gosto, prefiro mãedrasta.

Fiquei um pouco desnorteada enquanto Jaime tagarelava. Não gostei da ideia de meu pai namorando, mesmo que ele tivesse apenas quarenta anos e toda uma vida pela frente. Sentia que ele deveria cuidar apenas de Jaime e não trazer outra mulher para casa. Tinha medo de que isso fosse criar mais problemas.

"Que ciúme bobo." Me peguei analisando melhor a ideia mais tarde "Seria bom demais que meu irmão tivesse uma nova família. Ele ainda pode ter uma infância diferente da minha."

Não toquei no assunto com meu pai, nem busquei saber de nada. Deixei as coisas correrem tranquilas até o dia de ir embora outra vez. Jaime chorou bastante na despedida, mas não me pediu para que eu ficasse. Havíamos conversado a semana toda sobre a minha volta, então ele estava ciente de que eu iria embora, mas que voltaria sempre para vê-lo. Agora seria mais fácil matar a saudade falando ao telefone, já que ele havia entendido que era eu mesmo falando e não uma mentira de nosso pai.

— Quando cê voltar eu nu-num vou tá gaguejando nem um cadinho. — Ele soltou meu pescoço do abraço apertado e esfregou os olhos quando eu estava na porteira, pronta para entrar no carro de Gabi — E nenhum menino me bate agora porque eu num tenho mais medo. Tô ficando fortão e esperto! — Me mostrou o bíceps, mas só vi gordurinha.

— Mas tá mesmo, tá um meninão! — Lhe dei um beijo e o agarrei uma última vez, ouvindo-o reclamar que eu estava babando sua bochecha.

Na hora de me despedir do meu pai, tive de perguntar da tal vizinha. Ele ficou extremamente sem graça.

— Ah, ela é uma muié muito boa, fia. — Ele riu, sem graça — Ficou viúva há pouco tempo. O marido morreu de câncer. É uma sofredora. Conheci ela na igreja.

— O senhor voltou a ir na igreja?

— Todo domingo eu vou na igrejinha aqui da roça. Tem me ajudado a ter paciência. Me ajudado a pensar nas coisa pra ser um pai mió. Já tem mais de um ano que parei de beber, cê sabe. Deus tem me ajudado e a Cida tamém.

Estreitei os olhos, desconfiada.

— O senhor tá namorando essa tal Cida, pai?

— Eu? Tá doida, menina?

— Tá sim! — Jaime deu um pulinho — Ele vai casar com a tia Cida!

— Fica ativo, menino. Lá tenho idade pra casar?

— Fica ativo o senhor, pai! — Falei — Aproveita a vida, sô. Pelo menos namora.

Ele riu.

— Namoro é pr'ocês que tão novo. Quero saber disso não.

— Sei. — O analisei com desconfiança — O senhor acha que me engana?

— Ah, pai, tá todo mundo namorando. — Jaime interferiu — A Bel, a Marianinha, a tia Rita tamém, o Nico, todo mundo. Só falta o senhor.

— O Nico? — Senti um calafrio ao ouvir o nome — Ele tá namorando? — Olhei do meu pai para meu irmão. Não consegui conter meu susto.

— Parece que ele começou memo a namorar a Vanessa. — Contou meu pai, sem graça — Eu num queria te contar pra não te deixar triste. Num sei se ocê ainda gosta dele, fia. Só que dessa vez num é engano e nem fofoca. Eu memo vi os dois de mão dada na praça.

Olhei para o lado, tentando me conter e ficar calma. Pensei que não ficaria abalada, mas acabei ficando e muito. Meu pai notou e tentou me aconselhar.

— Ele continuou a vida dele, Catarina. Cê vai ter que continuar a sua tamém, fia. Esse namoro de infância acabou e pode ser que nunca tenha chance de novo. A vida é assim.

Fiz que sim com a cabeça, abrindo um sorriso.

— É, tá certo. A gente num pode parar a vida.

Nos despedimos e entrei no carro. Acenei para eles até virarmos na curva e perdê-los de vista. Outra vez meu coração ficou apertado, mas essa seria uma sensação com a qual eu teria que me acostumar.

— Deu pra matar um pouco da saudade? — Gabi perguntou enquanto a poeira da estrada quase a cegava.

— Um pouquinho. — Respondi distraída e não consegui conter as lágrimas.

Gabi não me perguntou qualquer coisa sobre meu pranto. Pensava, provavelmente, que minha tristeza era apenas por conta de estar deixando meu pai e meu irmão outra vez. No entanto, junto a esse sentimento, também estava a sensação de ter sido enganada e traída por Nico.

Fiquei olhando pelo vidro do carro, pensando em como estava sendo boba de não querer ficar com ninguém há tanto tempo. Me culpava por ainda não conseguir sentir raiva.

"Deve ter só mentido pra mim. Ele nunca foi sincero."

Desconfiava que se Nico havia começado a namorar Vanessa era porque realmente havia alguma coisa entre eles antes. Nunca haviam sido apenas amigos. Pelo menos foi disso que me convenci.

Comecei a ficar furiosa com aquela nova dor e a acreditar que Nico não era a pessoa que eu imaginava. Aquela fúria me moveu para me desligar dele ainda mais.

— Dois fio da puta. — Pensei alto.

— Quem, Cat? — Gabi perguntou, assustada.

— Nada, bobagem da minha cabeça.

Fomos embora e depois de alguns minutos já estávamos falando de outras coisas e cantando no carro. Decidi que nada me faria pensar em Nico dali pra frente. Havia uma nova vida no Rio para que eu vivesse e nada mais deveria me importar.

"Um amor de infância não pode durar a vida toda." Repeti para mim mesma por muito tempo "Preciso deixar essas esperanças."

Ano após ano as visitas ao interior seriam quase sempre iguais. Veria meu pai e meu irmão, às vezes meus avós e então iria embora. A maioria das pessoas da cidade nem saberiam quando eu estivesse lá. Não fazia questão de que soubessem.

O Rio de Janeiro seria meu novo lar enquanto Minas Gerais seria apenas o meu local de férias. Meu irmão e meu pai não falariam mais de Nico comigo e eu também não perguntaria.

"É mais fácil quando a gente não sabe." Me convenci.

Com o tempo, conheceria muitos garotos da minha idade e ficaria com vários deles só por diversão. Assim, a imagem de Nico ficaria a cada ano mais apagada dos meus pensamentos. No entanto, seria difícil namorar. Sempre que algo começasse a ficar sério, eu fugiria.

"Ela pega, mas não se apega." Era como Gio e Gabi passariam a se referir a mim.

Era uma escolha que havia feito. Não deixaria de beijar na boca, mas não iria namorar de jeito algum. Não esperaria mais por Nico, mas não me iludiria com outro. Só iria aproveitar a vida e estudar. Meu único foco seria os estudos. Em poucos anos, aquela cidade me transformaria muito.

— Tô pronta pra mudar. — Mentalizei — Tô pronta pra crescer.

Continue Reading

You'll Also Like

402K 32.7K 49
Jenny Miller uma garota reservada e tímida devido às frequentes mudanças que enfrenta com seu querido pai. Mas ao ingressar para uma nova universidad...
1.5M 46.9K 17
O LIVRO ESTÁ DISPONÍVEL EM FORMATO FÍSICO NO SITE DA EDITORA SERPENTINE E EM E-BOOK NA AMAZON. Bruna e Felipe são duas pessoas completamente diferent...
9.7K 269 33
As palavras de Deus se renovam, a cada dia !!!
8.1K 1.3K 43
Lyrian acabara de completar 17 anos e estava finalmente sendo enviada para seu destino, traçado ainda no ventre da sua mãe: casar se com o príncipe d...