Bem Me Quer

By alinestechitti

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🏆 Vencedor do Wattys 2021 em Romance 🏆 Nico está em todas as lembranças da infñncia de Catarina, seja no pi... More

Avisos
Poeminha
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CapĂ­tulo 73
CapĂ­tulo 74 (penĂșltimo capĂ­tulo)
CapĂ­tulo 75 (Ășltimo capĂ­tulo)
EpĂ­logo
Agradecimentos

CapĂ­tulo 38

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By alinestechitti

— Cê brigou com sua mãe, Catarina?

A forma como ele me olhava, me fazia sentir que era completamente transparente. Tinha a impressão de que podia ler a verdade dentro de mim.

— Não. Quer dizer, a gente sempre briga, mas não.

— Ouvi dizer que seu vô tá doente. É por isso que cê tá assim?

Meu peito se apertou na mesma hora.

— É, o vovô não tá com a cabeça muito boa. E tem a Bel. A gente fez as pazes, mas ela não tá bem. 

— O que ela tem?

Pensei em contar, mas mudei de ideia ao me colocar no lugar dela. Não iria querer que algo tão íntimo e doloroso se espalhasse. 

— Eu não posso contar. 

Nico estranhou e desfez o sorriso.

— Desde quando cê tem segredo de mim?

— O segredo não é meu, é da Bel.

— Ela também é minha amiga.

— Então espera ela te contar.

Ele olhou para o lado, descontente, mas logo aceitou.

— Tá bem. Se não quer dizer, não diz. — Sua mão veio até a minha e segurou com firmeza — Mas não fica triste. Eu tô aqui pra tudo que precisar.

Fiz que sim com a cabeça.

— Eu sei.

"Vou ter outra oportunidade para falar da fita que roubei." Pensei "Não quero perder o resto da noite e é o que vai acontecer se ele ficar bravo comigo."

— Quer um sorvete? — Ele sorriu, deixando o assunto para trás. 

Me levantei e o acompanhei pela pracinha. Compramos sorvetes e tomamos enquanto conversávamos. Com alguns centavos, ele ainda comprou moedas, guarda-chuvas e bolinhas de futebol de chocolate. A maioria eu guardei para levar para Jaime.

Meninas brincavam de pular corda nas calçadas ao redor de nós, entoando:

"Um homem bateu em minha porta e eu abri. Senhoras e senhores, põe a mão no chão! Senhoras e senhores, pulem em um pé só! Senhoras e senhores, deem uma rodadinha. E vá pro olho da rua!"

Passei por elas, segurando a mão de Nico, pensando que a pouco tempo eu estava brincando daquele jeito. Ainda me sentia capaz de brincar, mas aquilo se afastaria de mim a cada dia mais rápido. Logo a infância seria apenas poeira em meus pensamentos.

Assim que retornamos à casa, ouvi o barulho dos irmãos dele lá dentro, o que não me animou muito. Ao entrar, vi minha madrinha colocar a comida na mesa e ajeitar os pratos à frente de cada cadeira. Havia preparado arroz, feijão, pastelzinho de angu com carne moída, couve, farofa e carne de lata. Para beber havia duas enormes jarras de suco de maracujá natural com as sementes, que era um detalhe que eu adorava.

Nós nos sentamos, ocupando todos os seis lugares da mesa. Meus padrinhos se sentaram nas pontas, Nico e eu nos sentamos lado a lado e os irmãos dele à nossa frente. Minha madrinha veio atrás de mim e colocou as mãos em meus ombros, fazendo carinho, assim que me sentei.

— Tem doce de figo de sobremesa na geladeira. — Sussurrou — Esfreguei as fruta com areia até ficar lisinha e cozinhei com cravo e açúcar. Tá gostosin demais. Fiz só porque ocê vinha, fia. Então larga um espacinho aí na barriga.

Me virei para cima, sorridente.

— Obrigada, madrinha. Pode deixar que eu deixo um cantin pro doce de figo.

Me sentia tão acolhida naquela casa que não queria ir embora. Se não fosse por Leo, aquele lar seria perfeito. Durante o jantar, ele ficava sempre olhando para mim de um jeito estranho. Era como se estivesse me vendo nua pelas caras que fazia. Sempre que podia, o garoto ainda deixava alguma coisa cair e me dava a impressão de que estava encarando minhas pernas sob a mesa.

Tentei me convencer durante um bom tempo de que não era isso, até porque ninguém mais parecia estar notando algo de errado, mas a sensação ruim continuava. Cheguei a me sentir culpada por ter ido com aquele vestido, que ficava uns quatro dedos acima do joelho. Sempre ouvia dizer que o melhor era usar calças para não "assanhar os meninos".

— Nico? — Sussurrei, como um pedido de socorro, aproveitando que meus padrinhos conversavam sobre outras coisas.

— O quê foi? — Ele me encarou por poucos segundos enquanto mastigava, então teve uma súbita desconfiança. Assim que se virou para Leo, com a pior expressão que eu já tinha visto, o garoto baixou a cabeça e se concentrou em comer.

Meus padrinhos estavam distraído e não notaram nada até Leo dar um grito.

— Que isso, menino? — Eles perguntaram juntos.

Nico havia lhe dado um belo chute na canela. O garoto estava roxo e uma lágrima saía pelo canto do olho.

— Ele tá sem coragem de falar, mãe. — Nico olhava fixamente para o irmão, de modo a acuá-lo.

— Falar o quê?

— Que ele tá morrendo de vontade de comer jiló com frango. Não quer essa comida. Falou que comeu na casa da tia Miranda naquele dia e ficou com vontade.

Descobri depois que Leo odiava jiló. 

— Ah, que bobeira. Eu trouxe da casa dela. Vou esquentar pr'ocê, Leozinho. — Minha madrinha se levantou e pegou o prato do filho. — Essa comida aqui eu dou pros cachorro.

— Precisa não, mãe!

— Claro que precisa. Quando quiser alguma coisa é só falar, fio, não tem que ter vergonha não.

— Eu queria batatinha frita, mãe. — Luquinhas pediu, esperançoso — A senhora faz pra mim?

— Ocê tem sua comida.

Logo notei que ali havia apenas um filho preferido. O tal "problema do coração" que Leo tinha, fazia com que os pais cumprissem todos os seus desejos.

O jantar foi muito divertido depois disso. Leo mastigava o jiló fazendo uma cara terrível enquanto Nico e eu o provocávamos, comendo nossos pastéis de angu frito com carne moída. Na hora da sobremesa, foi minha vez de aprontar.

— Doce de figo é bão demais, madrinha. — Sorri para ela, que nos servia o doce em algumas tacinhas — Só que a mãe falou que quem tem problema de coração que não pode comer, né?

Madrinha Sônia se desesperou e proibiu Leo de chegar perto do doce. O garoto passou o resto da noite calado.

— Eu ouvi falar que sua prima, a Isabel, tá namorando, Catarina. — Meu padrinho sorriu para mim, levando um enorme figo à boca.

— Tá, com um menino que veio do Rio de Janeiro. É gente boa.

Nico ergueu as sobrancelhas e parou de comer, olhando para mim como se dissesse "sério isso?".

— Ah, não tenho ouvido coisa boa desses dois. — Lamentou minha madrinha, falando com o marido — A Leda falou que a Isabelzinha anda saindo muito sozinha com esse menino. Falou que ela não é mais "moça". Se perdeu e tão nova.

Finquei o gargo em um figo e comecei a parti-lo, mais com raiva do que com vontade de comer.

— Eu num entendo, madrinha. A gente tem tipo um lacre. A gente, que eu digo, as menina, né? E é por causa desse lacre, que a Gabi falou que chama hímen, que a gente é boa. Se não tem, a gente é má. Sendo que sexo é uma coisa que a Lilica me disse que é bonita, é um negócio bom, que faz coisa boa pra gente, que ainda pode fazer um bebezinho vir ao mundo. Então cadiquê é tão errado? Se a Bel e o Mateus fizeram, é porque eles se gostam, né? Minha mãe num tem nada com a vida da Bel.

Quando ninguém me respondeu, senti um calafrio, me dando conta de que tinha falado demais. Levantei a cabeça e todos haviam parado de comer para me encarar. Meu padrinho, totalmente sem jeito, pigarreou e se levantou da mesa, indo pegar água na geladeira.

— Ocês dois... — Madrinha Sônia se virou para o filho, arregalando os olhos.

— Não. — Nico interrompeu a pergunta com firmeza — Não, mãe. Eu e a Catarina não fizemos nada. Vamo parar? Todo mundo só fala disso! Que merda isso!

— Olha que eu lavo sua boca com sabão, Nico! — Ela voltou a olhar para mim — E ocê respeite sua mãe, Catarina. Seu pai também. 

— Mas o que tem a ver a...? — Quando estava formulando a pergunta, Nico deu um pequeno chute no meu pé por baixo da mesa. Olhei para ele e me dei conta de que era melhor parar aquele assunto.

Era difícil entender os adultos. Eu queria falar abertamente sobre sexo, mas todo mundo parecia ter medo ou vergonha, ninguém queria me explicar nada. Essa falta de conversa me deixava irritada, por isso acabava falando apenas com outros adolescentes, o que não era tão bom, pois a maioria era tão mal informada quanto eu.

Muitas vezes, quando menores, Isabel me contava que estava vendo televisão e que seus pais diziam "Não olhe, tá passando coisa feia!" ou ela perguntava o que era sexo e eles diziam que era palavrão e que ela nunca deveria falar a respeito. Sexo era sempre uma coisa horrível e secreta, mas ao mesmo tempo parecia algo divertido, um segredo entre adultos. Nós duas sempre discutíamos a respeito, mas éramos duas meninas bobas que criavam fantasias, sem ter nenhuma pessoa que nos instruísse.

Tive medo de que ela realmente estivesse se envolvendo com Mateus nesse nível. Ela era um pouco mais velha do que eu, tinha a idade de Nico, mas não conseguia ver maturidade nela. Além do mais, muitas coisas ruins poderiam acontecer e eu queria cuidar da minha prima, protegê-la como prometi. Sempre lamentei não ter conseguido.

Após a sobremesa, o irmão caçula de Nico foi jogar Super Mario no quarto enquanto meu padrinho dava broncas em Leo pelas notas vermelhas. Isso foi a cereja do bolo, que fez com que Nico e eu trocássemos olhares de satisfação, contendo a vontade de rir. Minha madrinha, por sua vez, foi lavar a louça e terminar de arrumar a casa. Ela nunca parava.

— Aluguei dois filmes pra gente ver, Catarina. — Nico se levantou e empurrou a cadeira, deixando o prato sujo na mesa.

Observei a bagunça que estava e me neguei a acompanhá-lo.

— Vamos ajudar a sua mãe primeiro, né?

Ele fez uma careta e logo minha madrinha apareceu.

— Homem não faz nada direito, fia. — Ela riu — Só nós, que é muié, que sabe arrumar uma casa. Espero que ocê esteja preparada pra cuidar do meu Nico um dia. Isso aí quer tudo na mão.

Me virei, fuzilando meu querido namorado com os olhos. 

— Também num é assim, mãe. — Ele tentou se defender — Na roça, eu trabalho pra morrer.

— Ah, isso tá errado. — Me levantei também, começando a recolher os pratos — As bola dos menino pesa tanto assim que eles num pode lavar prato? O pinto cai e eu num tô sabendo? 

Ela riu, não me dando atenção.

— Não nasci pedindo vassoura pra ninguém, madrinha. Eu sei arrumar casa porque me ensinaram. Ninguém ensina os meninos, por isso eles não aprende!

Nico levou um susto quando me virei e coloquei a pilha de pratos nas mãos dele.

— Pra que isso?

Me aproximei e dei um beijinho no rosto dele, seguido de um sorriso.

— É pra passar roupa. Que cê acha, Nico?

— Ah, não. Isso não é serviço de homem.

— Ah, mas cê num falou isso! — Me enfureci — Cê num falou, né? Eu ouvi errado.

— Tá bom, tá bom! — Ele se assustou com minha cara e soltou a respiração, chateado, antes de ir para a pia — Pior convidada.

Depois que limpamos a cozinha, madrinha Sônia foi tomar banho e logo em seguida iria para o quarto. Deixou claro, no entanto, que Luquinhas iria nos vigiar. Portanto, que não fizéssemos nada de errado. Mal sabia ela que o garoto era fácil de ser comprado. Bastou Nico lhe dar cinco reais que ele voltou para o Super Nintendo.

Meu padrinho já havia se deitado e dito ao filho para não demorar a me levar embora. No entanto, Nico havia alugado duas fitas VHS na locadora e esperava que pudéssemos ver pelo menos um filme naquela noite.

— Peguei "Jurassic Park" e "O sexto sentido". — Ele se sentou no sofá e eu me sentei ao lado dele — Esse último é novo. Acho que cê vai gostar mais.

— Cê não tem medo de filme de terror? — Estranhei, lendo a sinopse da história.

— Tenho, mas eu sei que cê gosta. 

Observei o jeito sorridente dele, vendo como sempre se esforçava para me agradar. Quando ele tentou me beijar, no entanto, me afastei.

— Ainda tá brava comigo, Catarina? Eu lavei os pratos.

Quase deixei escapar uma risada ao ver a cara dele. Estava todo preocupado.

— Não é isso, não. É que eu preciso ir ao banheiro. Me espera aí.

Enquanto ele colocava o filme no aparelho, me dirigi ao banheiro, que ficava distante, perto da varanda. Só pensava "Não posso beijar com esse bafo de cebola ou ele vai cair desmaiado." Sempre ficava pensando nisso quando estava namorando, tanto se a pessoa estava analisando meu hálito quanto se estava achando alguma coisa esquisita no meu corpo quando me olhava ou tocava.

Assim que entrei, abri o armário do banheiro e procurei creme dental. Quando encontrei, coloquei um pouco no dedo e esfreguei nos dentes, fazendo bochecho em seguida. Era muito preocupada com detalhes, então decidi que das próximas vezes, traria escova de dentes.

Como boa curiosa, aproveitei para observar o que tinha mais naquele armário. Encontrei vários cotonetes, as escovas de dentes de todo mundo e um vidrinho com O.B. Como nunca tinha usado absorvente interno, fiquei alguns segundos olhando. Foi quando me dei conta de que a porta estava entreaberta e tinha alguém ali.

— Desgraçado! — Falei entredentes enquanto abria a porta a tempo de agarrar Leo pela gola da camisa, o puxando para dentro do banheiro — Que cê tá me espiando, moleque?

Ele arregalou os olhos, mas logo deu um sorriso.

— Tava esperando ocê colocar. — Ele apontou para o O.B na minha mão.

Dei um empurrão nele, que bateu contra a porta do banheiro. O menino voltou a analisar meu corpo.

— O Nico tá acostumado a dividir as coisa dele comigo. Ele num te contou?

Comecei a dar socos nele e o garoto saiu correndo, rindo. Fiquei um tempo tentando me acalmar, buscando entender se eu tinha provocado de alguma maneira, se era minha roupa ou meu jeito. Sempre diziam que as meninas tinham culpa e isso não saía da minha cabeça.

Quando voltei para a sala e me sentei ao lado de Nico, o filme estava começando. Ele logo percebeu que eu estava diferente.

— Que foi, Catarina? 

— Nada. — Estava tensa, mas não queria contar o que havia acontecido. Desejava aproveitar aquela noite. Contaria no dia seguinte. Aquela noite não queria que fosse maculada.

— Vem, deita aqui. — Ele me puxou para deitar em seu peito e fui, como um gatinho manso.

Tiramos os calçados e colocamos os pés para cima do sofá. Nico pegou uma coberta fina e nos enrolamos nela. É até estranho pensar que lembranças tão doces estão ligadas a esse filme de suspense e drama, cheio de fantasmas e cenas arrepiantes. Acontece que me lembro daquela casa, que tinha cheiro de padaria. Lembro até mesmo da textura daquela coberta em que Nico e eu nos enrolamos, do cheiro da camisa dele, do som de sua respiração e a forma como seus músculos ficavam tensos com as cenas. 

Naquela posição, em seu peito, eu conseguia ver seu pomo de adão subindo e descendo. Ele estava concentrado no filme, mesmo não gostando de suspense e terror, enquanto eu apenas me concentrava nele. Gostava de cheirá-lo, de passar os dedos entre seus cabeços, de puxar seus braços para que ficassem ao meu redor e de cutucar manchinhas, pelos ou espinhas em seu pescoço, o que o irritava muitas vezes.

— Sossega e vê o final do filme, Catarina. — Ele segurou minha mão para que eu parasse de perturbá-lo — Ou eu vou desligar antes do final e te fazer cócegas.

— Não. — Dei um riso travesso e encolhi as mãos contra o peito — Eu vou parar. É que cê é todo assim...

— Assim, como?

— Nada.

Ele estreitou os olhos.

— Quer me beijar? 

Fiz uma expressão inocente e me encolhi em seus braços.

— Uai, e eu lá sou mentirosa pra dizer que não?

Ele riu, escorrendo a mão por baixo da coberta, descendo por minhas costas até apertar minha cintura, me puxando mais para junto do que já era possível. Tive uma sensação gelada em meu ventre e uma pressão que só piorou quando a boca dele tocou a minha.

Só vi o final daquele filme na vida adulta. Não tivemos mais interesse em assistir depois que começamos a nos beijar. Meu medo era apenas de meus padrinhos acordarem, mas até o medo se dissolveu naquele beijo. É difícil pensar nesses momentos, a gente só sente, e não havia raciocínio em mim quando estava com Nico. Ele tinha total poder sobre meus sentimentos, sobre meus atos e pensamentos, mesmo que não soubesse disso. Poderia ter feito comigo o que quisesse, se fosse outro tipo de pessoa.

Segurei o rosto dele e fiquei deitada em seu abraço, sem pensar em nada, apenas aproveitando o conforto de seus carinhos e o calor que causava o movimento de sua boca, a carícia de sua língua na minha. A única coisa que se ouvia era o chiado da televisão enquanto nós dois namorávamos na sala. Não notava como tudo ficava mais intenso a cada segundo, tanto para mim quanto para ele.

Em dado momento, no entanto, Nico segurou meu rosto e separou nossas bocas. Me senti até tonta. Ele ficou um tempo com os olhos fechados, a testa junto da minha e engolindo a saliva. 

— É melhor eu te levar pra casa. 

— Tá. — Tentei me levantar, mas ele me segurou.

— Espera um segundo só. Fica aqui comigo um pouco mais.

Não entendi, mas voltei a deitar a cabeça em seu peito e ficamos quietinhos, apenas respirando, até que passou o que estávamos sentindo. Ele fazia carinho em meu cabelo, o que me deu muito sono, então acabei dormindo. Tenho a deliciosa memória de despertar com beijos na bochecha e cócegas na cintura.

— Acorda, preguiça.

Me ergui, assustada.

— Ai, meu Deus, já é de manhã?

— Não, doida, a gente dormiu só uma hora. A mãe veio aqui brigar comigo porque não te levei embora.

Me espreguicei, me endireitando no sofá, ao mesmo tempo em que me enrolava na coberta, deixando só o rosto de fora.

— Cê tá parecendo o E.T daquele filme.

E.T não quer ir pra casa. — Brinquei, fazendo um enorme bico.

Nico ficou sorrindo e me olhando, quase sem piscar, como se pensasse longe em alguma coisa que não ousava dizer.

— Também não queria que cê fosse. Tem nada melhor nesse mundo do que te ter aqui comigo. Não queria te devolver.

Pensei que poderia ser um momento bom para lhe contar sobre a fita, sobretudo pelo clima entre nós estar tão bom, o que imaginava que amenizaria a raiva dele. No entanto, fomos interrompidos. Minha madrinha apareceu na porta, vestida com um pijama enorme e amarelo.

— Meu fio, cê tem que levar essa menina pra casa. Tá tarde!

— Já vamos, mãe. — Nico se levantou e foi tirar a fita do aparelho.

Me levantei também, vestindo a jaqueta jeans sobre o vestido, mesmo que não ajudasse em nada a conter o frio que fazia àquela hora.

— E não esquece de rebobinar a fita antes de entregar amanhã. — Madrinha Sônia avisou ao filho — Ou se não vai pagar multa. E leva a Catarina direto pra casa. Vou contar o tempo.

Me despedi dela e fui com Nico até a garagem. O fusca demorou a ligar, mas logo partimos pelas ruas desertas, conversando muito alegres sobre quais filmes assistiríamos na próxima semana.

— Eu quero um filme de ação, Catarina. Chega de terror.

— Não vamos assistir "Rambo", né? — Nico era fissurado nesses filmes, mas eu tinha a impressão de que ele gostava mesmo era do Sylvester Stallone, pois também adorava "Rocky" e qualquer outro filme em que o ator aparecia.

Há uma frase, aliás, que sempre foi a preferida dele, dita em uma cena do filme "Rocky",em que o boxeador diz ao filho "Ninguém vai bater mais forte do que a vida. Não importa como você bate e sim o quanto aguenta apanhar e continuar lutando. É assim que se vence."

Um dos cadernos de escola de Nico continha várias frases de filmes. Aquela ficava bem destacada com caneta vermelha, como se fosse a mais importante. Ele me disse que a levava como um lema pessoal e não creio que mudou muita coisa com os anos. 

— E se a gente visse "O exterminador?"

— Eu tenho medo daquele robô. — Olhei as casas pela janela e notei que ele estava dirigindo bem devagar, diferente de quando estávamos indo.

— E de fantasma cê não tem medo! Quem te entende!

— Uai, em fantasma eu não acredito. Mas robô igual aquele pode existir um dia.

Subimos uma ladeira e chegamos finalmente à "Rua das Flores". Ele parou o fusca em frente à minha casa e nós descemos. 

— Já viu que o exterminador fala "Hasta la vista, baby!"?  — Nico veio ao meu lado, segurando minha mão até chegarmos ao portão.

— E isso significa o quê? 

Ele me segurou mais uma vez pela cintura, acariciando meu rosto com a outra mão.

— Significa "Vou te roubar pra mim, meu dengo." — E riu de si mesmo enquanto se inclinava para me dar um último beijo, o de despedida.

♡♡♡


Nota: Gente, passando pra dividir uma alegria c'ocês! Bem Me Quer ganhou um concurso. Ficou em primeiro lugar na categoria romance no Projeto Flor de Lótus! 💙💙💙

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