Bem Me Quer

By alinestechitti

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🏆 Vencedor do Wattys 2021 em Romance 🏆 Nico está em todas as lembranças da infñncia de Catarina, seja no pi... More

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Poeminha
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CAPAS
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CapĂ­tulo 71
CapĂ­tulo 72
CapĂ­tulo 73
CapĂ­tulo 74 (penĂșltimo capĂ­tulo)
CapĂ­tulo 75 (Ășltimo capĂ­tulo)
EpĂ­logo
Agradecimentos

CapĂ­tulo 16

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By alinestechitti

Saber que iria ver Nico, acendeu uma pequena luz diante de mim, como um solitário vaga-lume na escuridão. A mente dramática que possuía naquela idade, tinha me feito crer que nunca mais iria vê-lo.

— Cê é besta, Catarina? — Meu pai riu — Como cê achou que nunca mais iria ver ele?

— Uai, já tem quase seis mês que num vejo!

— Melhor assim. — Minha mãe interferiu — Tô achando é muito bom cê longe de menino. Quero ver se vai comportar que nem moça na festa.

Mantive a boca fechada e abri um sorriso angelical, prometendo por todos os santos do mundo que seria a própria imagem da realeza. Ademais, disse a mim mesma que faria de tudo para não dar nenhum motivo para que minha mãe se irritasse comigo naquela semana.

Ao chegar o tão aguardado sábado, acordei animada e falei sobre a festa o dia todo, mesmo minha mãe não prestando a menor atenção em mim. Tomei banho e vesti uma camiseta branca junto da jardineira florida que tia Lenira havia costurado para mim. Era minha roupa favorita, mas tinha de mantê-la escondida de minha mãe, que queria de todas as formas queimá-la, por ter sido presente de minha tia.

— Vai me desobedecer? — Ela estava arrumando Jaime e parou assim que me viu sair do banheiro — Pode tirar essa roupa agora.

— Deixa a menina, Leda. Ô muié chata! — Meu pai estava abotoando a camisa e começou a discutir com minha mãe.

Deixei aquela cena habitual para trás e desci até o quintal, indo direto para a casa de Lilica, que havia prometido arrumar meu cabelo para a festa. Àquela altura, já éramos amigas e sempre víamos tevê juntas no início da tarde. Adorávamos novelas mexicanas e nos tornaríamos, em breve, duas das milhares de pessoas a se debulhar em lágrimas com Marimar, Maria Mercedes e Maria do Bairro.

Minha mãe havia tentado me persuadir a ficar longe de Lilica, por meio de suas convincentes e sempre eficazes chineladas. Contudo, depois de ser frustrada diversas vezes por minha teimosia continental, acabou desistindo e fingindo não ver que eu visitava a vizinha todos os dias.

— Cê precisa dar um jeito na vida, Catarina. — Lilica ficou me dando sermões enquanto modelava cachos em meu cabelo — Todo dia essa mesma cara de cachorro sem dono.

Ela me fez sentar entre suas pernas, passando algum creme muito perfumado na minha cabeleira embaraçada. Dizia treinar comigo para quando tivesse seu próprio salão.

Lilica sonhava em ser cabeleireira e vendia cosméticos em casa para juntar o suficiente para pagar um curso. Sempre me dizia que não adiantava sonhar e não trabalhar.

— Existe dois tipos de gente, Catarina: o tipo que reclama e o tipo que faz alguma coisa. — Ela me ensinava — Qual tipo cê quer ser?

— Sei lá. 

Ela me deu um tapinha ardido no braço.

— Ai! Num faz isso.

— Então responde que nem mulher! — Lilica era tão brava quanto boa — Levanta essa cabeça, estuda e mostra pra sua mãe que cê num é pouca coisa.

— Vai ver que a mãe tá certa e eu num sirvo pra nada.

Lilica me deu outro tapa ardido.

— Ai! — Fiz cara feia — Para de me dar tapa!

— Num paro!

Ela puxou um parte de cada lado do meu cabelo e prendeu, deixando o restante solto. As mechas reluziam com os produtos dela, que eu chamava de "poções mágicas".

— Num pensa que eu num sei o que cê sente. — Lilica amassou meu cabelo para finalizar — Eu ficava desse mesmo jeitinho, com febre, com dor de cabeça, toda tristinha quando alguma coisa ruim acontecia comigo. É normal, ainda mais tendo a mãe que cê tem. Às vezes a tristeza espalha pelo corpo, Catarina.

— E tem remédio pra isso, Lilica?

— Amor.

— E se ninguém ama a gente? 

— Num falei do amor dos outro! Falei do seu!

— Como assim?

— Cê tem que gostar d'ocê, Catarina. — Ela me estendeu um espelhinho e me fez olhar para mim mesma — Óia que menina bonita, que menina boa e esperta. Ocê pode perder o amor da sua mãe, do menino que cê gosta e de todo mundo, só num pode perder o amor por si mesma.

Observei meu rosto moreno, meus cabelos cheios de cachinhos escuros e meus olhos enérgicos. Havia muita força em meu semblante, mas o brilho na negritude do meu olhar já não era o mesmo.

— Eu gosto de mim! — Devolvi o espelho.

— Então me prova. Quero te ver todo dia limpinha, de cabelo arrumado, unha cortada, barriga cheia e livro na mão estudando. Tá certo?

— Tá certo. — Não fui muito convicta na resposta e tomei outro tapa ardido no braço — Lilica, para! Eu prometi.

— Esse foi só pra acordar. 

Ela me fez levantar e pegou um batom verde para passar em mim.

— Ah, não, Lilica! Num me lambreca com esse troço verde, não.

— Não fica verde, não, bicho bobo. — Ela me puxou e o passou na minha boca. Quando olhei no espelho, o batom verde tinha ficado rosa.

— Uai, seus trem é tudo mágico memo. — Me assustei ao notar — Inté que fiquei bonita de batom.

— Cê é bonita. — Ela me estendeu o batom verde, abrindo um grande sorriso — Toma. Pode ficar com ele. Seu primeiro batom. Num deixa sua mãe ver.

O agarrei contra o peito, agradecida, e corri para casa. O escondi na caixa de sapatos sobre o guarda-roupas, junto dos meus outros bens tão preciosos. Meus pais já me esperavam, irritadíssimos com meu atraso.

Foi uma longa caminhada até a casa de minha madrinha. Subimos e descemos morros até nossos pés não aguentarem mais. Meu pai carregava Jaime nos ombros, e o meu irmão estava gordinho o suficiente para cansá-lo bastante.

A casa de minha madrinha Sônia estava cheia naquele início de tarde. A comemoração estava marcada para começar às seis e, mesmo chegando às seis e meia, nem os balões estavam pendurados.

— Boa tarde, cumade! — Minha mãe foi cumprimentar minha madrinha e já logo estendeu a sacolinha com o presente de Nico — Ó, é só uma lembrancinha, cê num repara não.

Eram meias, como sempre. Minha mãe só comprava meias para Nico. Sempre imaginei que ele tivesse um guarda-roupa inteiro delas.

Madrinha Sônia nos mandou entrar e, como de costume, me segurou pelas mãos e deu uma boa olhada em mim.

— A Catarina tá mocinha já, né, Leda! Que bonita! Bom que até te ajuda em casa. Queria ter tido uma menina pra me ajudar tamém.

Enquanto minha mãe me empurrava para dentro da casa, resmunguei:

— Num sei cadiquê os menino dela num pode trabalhar, nunca precisei da xereca pra ariar panela.

— Fecha essa boca, menina. — Minha mãe me deu um beliscão disfarçadamente.

Estava ansiosa para ver Nico, mas ele havia saído para comprar mais refrigerante, então fiquei andando de um lado e outro, inquieta, observando as pessoas. As crianças brincavam, irritando e atrapalhando todo mundo, enquanto os homens batiam papo do lado de fora e as mulheres trabalhavam do lado de dentro.

Mesmo com toda a simplicidade, o que não faltava era comida nas festas do interior. Na cozinha, havia uma enorme panela no fogão, em que um molho de tomate com carne moída estava cozinhando. Nos armários, ao lado, se viam grandes sacos com pães, que seriam preenchidos com aquele molho. Em um dos quartos, as pessoas assopravam balões azuis, amarrando-os e jogando no chão enquanto outros prendiam com um barbante. Na cozinha, algumas tias de Nico embrulhavam balas de coco em papéis coloridos, cheios de franjas.

— A Sônia quis dar essa festa pra ver se alegra um cadinho o Nico. — Ouvi uma delas contar — O coitado anda muito tristinho com essas fofoca que o povo anda fazendo dele.

— Maldade. — Disse a outra, ajeitando o prato cheio de balas — Como se ele tivesse matado o Geraldo.

— Nico fez um favor pra cidade ao pegar as foto e mostrar pra todo mundo. Menos um homem desgraçado pra judiar de criança.

Quando entrei na garagem, vi que o fusca do meu padrinho não estava lá. Ele o tinha deixado na rua para dar lugar à grande mesa enfeitada com papel crepom. Havia cadeiras espalhadas por todos os lados e um monte de vizinhos a tagarelar. 

Colocaram o bolo retangular, feito pelas tias de Nico, bem no centro da mesa. Era decorado de glacê azul dos lados e, por cima, estava cheio de esferas prateadas de açúcar, que quase quebravam os dentes quando mordidas. Acrescentaram duas garrafas de refrigerante lado à lado e várias balas de coco cobrindo a mesa como um manto.

Parei por ali, distraída, e mal notei quando Nico passou por mim. Estava tão arrumado, com o cabelo bem penteado e usando roupas novas, coisa que nós dois nunca tínhamos, que pensei ser outro menino. 

— Nico! — Gritei ao reconhecê-lo, mas havia tanta gente e tanto barulho que ele não me notou.

Estava indo em sua direção, pronta para lhe fazer uma surpresa quando minha madrinha o agarrou pelo braço.

— Vai pra trás do bolo pra tirar foto com seus primo, fio!

Minha madrinha ficava de um lado e outro com sua câmera, tentando capturar as melhores imagens. Nico estava claramente sem jeito, mas sorria quando lhe era pedido, enquanto seus priminhos passavam o dedo no glacê do bolo ou roubavam balas da mesa.

— Agora vai tirar uma foto com os padrinhos! — Ela gritou, então minha mãe e meu pai foram tirar foto com ele. Notei que Nico ficou inquieto ao vê-los.

— Agora a Catarina! Cadê ela? Ah, tá aqui! — Minha madrinha me desenterrou do meio das pessoas e me fez ficar ao lado de Nico.

Ao me ver, ele fixou os olhos em mim, parecendo surpreso. Abri um acanhado sorriso, mas Nico não sorriu de volta, como eu esperava.

— Põe a mão na cintura dela, ô jacú da roça! — Gritou um dos rapazes ali, que parecia parente dele — Parece que tem medo de mulher.

Nico colocou o braço ao meu redor e forçou um sorriso para a câmera. Estávamos ambos rígidos e sem jeito diante daquelas dezenas de rostos à nossa frente.

— Vai todo mundo pra lá, vamo cantar o parabéns!

Quando minha madrinha gritou isso, as luzes foram apagadas e fomos praticamente sufocados por crianças e adultos que se juntaram à mesa para cantar o "Parabéns pra você". Nico assoprou a vela, que apagava e voltava a acender várias vezes, enquanto seus primos cantarolavam:

"Com quem será? Com quem será? Com quem será que o Nico vai casar? Vai depender, vai depender, vai depender se a Amanda vai querer!"

— Não, não é Amanda! É a Pri!

— Que nada, é a Beca!

Senti um nó se formar na garganta enquanto as risadas ficavam mais altas. Quando acenderam as luzes, saí rapidamente dali e fui para outro cômodo. Não queria que Nico visse a minha cara.

— E pra quem vai o primeiro pedaço do bolo? — Ouvi as vozes ao longe — Vamos ver que menina vai ganhar!

— Tomara que dê caganeira nela. — Cruzei os braços e fiz o maior bico da história.

Permaneci parada no mesmo lugar a festa inteira e comi como se não houvesse um amanhã. Toda vez que passava a bandeja de pães cheios de molho de carne, eu pegava. Se passava bolo, pegava logo dois. Refrigerante, então, provei todos os sabores.

— Cê só me faz vergonha nos aniversário, né? — Minha mãe tomava um gole do refrigerante no copo de plástico enquanto me observava — Quem te vê, fala que não tem arroz e feijão em casa.

— Arroz e feijão tem, só num tem bolo. — Lambi os dedos sujos de glacê enquanto minha madrinha se aproximava, rindo.

— Deixa ela comer, tadinha. Depois eu faço até uns pratinho pr'ocês levar.

— Precisa não, cumade.

— Claro que precisa. — Contrariei — Pode fazer, sim, madrinha!

Havia várias mulheres no cômodo no qual me escondi, todas conversando sobre filhos, maridos, parto e os muitos problemas de saúde que poderiam ser curados com chá de horta. Quando Nico estava passando pelo corredor, minha madrinha o puxou.

— Ah, esse meu menino tá um rapaz, num tá? — Ela passou a mão na cabeça dele, que estava quase do tamanho dela — Quem diria que nós logo ia ter um rapaz e uma moça em casa né, Leda?

— Num é? Parece que foi ontem memo que o Nico e a Catarina tavam correndo pelados pelo quintal.

Prevendo o que aconteceria, comecei a procurar rotas de fuga enquanto Nico ficava vermelho como um tomate.

— Lembra quando ele tava com três aninho, a gente tava na igreja e o padre achou que ele era menina? — Minha madrinha bateu no ombro da minha mãe, morrendo de rir — Nico baixou as calça dentro da igreja e mostrou o bigulin pro padre. 

— E a Catarina? — Minha mãe entrou na onda e eu gelei — Não esqueço o dia que minha mãe foi trocar a fralda dela e, assim que colocou o talco, a menina deu um peido que jogou talco na cara da vó dela.

— Deus, me leva. — Dei meia volta e saí dali.

Fui para o quintal e me sentei no muro baixo da varanda, balançando as pernas preguiçosamente. Jaime brincava com crianças da idade dele por ali enquanto nosso pai o vigiava de longe, conversando com outros homens em um canto. Estavam envoltos em fumaça de cigarro. O céu estava escuro e repleto de estrelas naquela noite de verão.

Nico passou por mim minutos depois. Estava ao lado vários garotos e garotas que estudavam na sala dele. Prestei atenção e notei que planejavam um pique-esconde um tanto diferente.

— A gente precisa de mais uma menina. — Uma das garotas contou — Não vamos esconder em par?

— E aquela ali? — Um dos garotos apontou para mim, com um olhar estranho.

— Não, a Catarina não. — Nico fechou a cara, me deixando confusa.

— Ah, é com ela mesmo que eu vou querer ir. — O menino ao lado dele me olhou dos pés à cabeça e deu um sorriso — Ei, menina, quer brincar de pique esconde?

Me levantei na mesma hora.

— Quero.

— Agora tá completo. — Disse ele, assim que me juntei ao grupo — Vamos dividir os pares.

Eles foram se dividindo em casais e eu estava pronta para desistir da brincadeira ao notar qual a intenção daquele pique-esconde. Quando chegou a vez de Nico, ele me puxou pelo braço.

— Eu vou com a Catarina. 

Olhei para o rosto dele e estava enraivecido, como se fosse brigar com o outro menino.

— Mas cê nem queria que ela brincasse. — Reclamou o garoto que havia me convidado.

— Num interessa. Cê num vai com ela. 

Nico saiu correndo e me puxando, fazendo com que os outros jogadores fossem se esconder também. A menina que deveria procurar os demais, se virou contra a árvore e fechou os olhos, contando até cem. 

Puxei minha mão da de Nico assim que pude, e corri à frente, procurando locais escuros no quintal. Fui me esconder ao lado da garagem cheia de bugigangas de meu padrinho, por baixo de algumas samambaias.

Quando vi Nico passando a me procurar, a raiva me moveu. Estiquei a perna e lhe dei uma rasteira. No tombo, ele me encarou, bravo como nunca o tinha visto.

— Prontos ou não, lá vou eu!

Quando a menina gritou, Nico se levantou e veio para junto de mim. Nos encolhemos lado à lado, segurando os joelhos contra o peito. Ficamos quietos por um tempo, até que ele não se aguentou.

— Eu não queria ter te convidado. — Sussurrou ele, irritado — Porque cê num vai embora?

— Eu vou se eu quiser. A casa é da minha madrinha.

Lágrimas começaram a encher os meus olhos. Não entendia a razão de Nico estar me tratando daquela maneira.

— Cê tá chorando? — Ele sussurrou, com voz mais branda — Catarina?

— Eu tô gripada, tá! — Enxuguei os olhos com o pulso.

Ele ficou em silêncio.

— Num queria ter vindo. — Prossegui, com voz embargada — Num queria te ver nunca mais. Num gosto d'ocê. Nunca gostei!

— Eu é que num gosto d'ocê! Tudo que te falei era mentira!

Senti um aperto no peito, engoli as lágrimas e a amargura falou por mim:

— Eu te odeio.

Chorei baixinho enquanto a barulheira da festa prosseguia e nós não éramos encontrados ali. Depois de um tempo, ouvi alguém fungando e não era eu. Quase não acreditei ao notar que era Nico.

— Uai, mas cê tá chorando?

— Eu não! Homem não chora! — Ele disfarçou — Ocê que passou gripe pra mim.

Estiquei minha mão no escuro e toquei o rosto dele. Estava úmido.

— Uai, que isso no seu zói então?

— Sai, Catarina! — Ele afastou minha mão, baixou a cabeça sobre os joelhos e a voz saiu engasgada — Porque todo mundo não vai embora e me deixa em paz? Num queria essa festa! Tô cansado de gente falando de mim, olhando pra mim, achando que eu tive culpa da morte do seu tio!

Não havia me dado conta de como tudo aquilo tinha transtornado a mente de Nico. Na escola e na vizinhança, em todo lugar que fosse, havia pessoas apontando para ele, cochichando e criando fofocas a seu respeito.

Coloquei minhas mãos no braço dele e cheguei mais perto.

— Nico, não fica triste, cê num tem culpa.

Ele ergueu a cabeça.

— Cê me odeia memo, Catarina?

— Deixa de ser burro. Só queria socar a sua cara, mas num te odeio não.

Ele riu.

— Marmota. Cê sempre fala que quer socar a minha cara, mas nunca tem coragem.

Me aproximei do ouvido dele e segredei:

— Mas eu tava com coragem pra te beijar naquele dia.

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