-Porquê? - disse eu olhando-lhe fixamente nos olhos.
-Porque não. - respondeu friamente. Parecia que o dizia com a maior sinceridade do mundo, mesmo que eu não quisesse que fosse assim. Precisava de saber que ele queria que o conhecessem, mesmo que tudo apontasse para o contrário.
-Isso não é resposta. - queixei-me.
-É a única que há. - disse e voltou a olhar para o papel, ignorando-me de novo descaradamente.
Não voltou a falar e eu também não. Não sabia que mais dizer e, mesmo que chegasse a doer-me a cabeça de tanto pensar sobre um assunto que pudesse fazer o Edward abrir-se mais comigo, não o encontrava. Ele era tão frio que deixava qualquer pessoa sem vontade de lhe falar.
Quando o intervalo acabou, fui diretamente para a minha aula e, quando as aulas acabaram definitivamente, fui buscar o Harry para ir para casa. Não fazia ideia de onde se tinha metido. Fui até à sala onde ele tinha tido a sua última aula e estava vazia. Não havia absolutamente ninguém. Onde é que ele poderia estar? O meu telemóvel tocou e tirei-o do bolso. "Às cinco estou em tua casa. Luke". Sorri e respondi-lhe, confirmando. Voltei a guardar o telemóvel e fui até ao estacionamento para ver se o Harry estava lá. Cheguei ao carro e, tal como tinha previsto, não estava lá ninguém. Sentei-me no chão e fiquei dez minutos à espera, até que ele apareceu com uns papeis na mão e um sorriso de orelha a orelha.
-Já o tenho! - exclamou parando à minha frente e oferecendo-me a sua mão para me ajudar a levantar.
-O que é que já tens? - perguntei eu aceitando a mão e levantando-me. Ele sorriu de orelha a orelha e entregou-me os papéis. Agarrei neles e dei uma rápida vista de olhos para franzir o sobrolho logo de seguida, não entendendo. No entanto, segundos mais tarde, arregalei-os, surpreendida.- Isto é o que eu acho que é?
-Isso depende do que tu achares que é.
-Quê? - perguntei confusa.
-Sim, é um trabalho igualzinho ao que tu tens que fazer. - informou tirando as chaves do bolso e abrindo o carro para entrar. - Não me agradeças.
-Onde arranjaste isto? - perguntei entrando também no carro.
Ele fechou a porta e acendeu o motor.
-Um mágico nunca revela os seus truques.
-Harry...
-Nos ficheiros do departamento de História. - admitiu.
- Como é que entraste lá?
-Foi mais fácil do que eu pensava. - explicou o Harry enquanto saíamos do estacionamento. Olhei para ele, perguntando-me como é que ele pensava sequer que eu aceitaria algo como isto. - Disse-lhes que era o Marcel e acreditaram. Passei a hora toda do intervalo à procura do trabalho mais antigo e fui agora buscá-lo. É esse. - apontou para os papéis sem tirar os olhos da estrada. - Esse é do ano em que eu nasci, e foi corrigido por um senhor que já morreu. Por isso podes ter a certeza que ninguém vai reparar que não é teu.
-Não posso entregar isto, Harry, este trabalho não é meu.
-Sabia que ias dizer isso. - declarou. - Mas aceita que não tens outra opção, Bella. Esse trabalho não iria estar pronto para a próxima semana nem que um milagre acontecesse.
-E de quem é a culpa? - disse eu olhando para ele.
-Minha. - disse, rindo. - Desculpa, a sério, não quis estragar tudo. - voltou a desculpar-se. - Posso ser um idiota às vezes, mas nunca faria isso de propósito.
Olhei para ele e sorri sem saber porquê. Não tinha que se desculpar, eu sabia que ele se estava a esforçar muito para me ajudar e isso era o suficiente.
-Não te desculpes mais, está tudo bem. - disse eu.
-De qualquer maneira, desculpa. - repetiu.
-Já te disse para parares.
-Ok, desculpa.
-Voltaste a fazê-lo.
-Merda, ok, foda-se, desculpa. Ai, merda, é melhor calar-me.
-Harry, fala-me bem que já pareces o Edward. - ri-me e ele soltou uma gargalhada.
-Não, o Edward seria mais do tipo "Puta que vos pariu, caralho que vos foda estou farto de vocês" - disse ele.
-Ou tipo " Ei, puta, estás a olhar para onde, caralho?" - continuei eu.
-"Não me roubes a vodka, desesperado". - disse Harry imitando o Edward. - "Metes-me pena". - soltei uma gargalhada e ele olhou-me da mesma maneira que o Edward. - "Sou o Edward Styles e odeio toda a gente. A ti também, cabra, e os meus irmãos são uns maricas. Matei o Stilly e substituí-o por uma lata de atum porque sou demais". - comecei a rir como uma maluca. Tanto, que me custava respirar. O Harry conseguia ser muito divertido.
-És igualzinho.
-Não me digas.
-Se o Edward te vir a fazer isso...
-Defenestra-me. - disse Harry rindo e eu olhei para ele de testa franzida.
-Defe quê? - perguntei eu. Era a primeira vez na minha vida que ouvia essa palavra.
-Defenestra-me.
-O que é isso?
-Defenestrar, ação de atirar alguém pela janela. - disse Harry satisfeito.
-Já pareces o Marcel.
-Foi ele que me ensinou isso. - disse Harry. - Pensavas que eu ia aprender uma palavra dessas sozinho?
-Não, realmente não. - admiti.
-O Marcel insulta-nos sempre com palavras estranhas, no final acabamos por aprender algumas. - disse Harry.
-Não me admira. - disse, pensativa por uns segundos. - Defenestrar... Não sabia que havia uma palavra para a ação de atirar alguém pela janela.
-E ainda há mais.
Quando chegámos a casa fui diretamente para o meu quarto, com o Harry atrás de mim, como sempre. Deixei as coisas na cama e pus o trabalho em cima da mesa.
-Vais copiá-lo, certo? - perguntou o Harry nas minhas costas.
-Claro. - respondi obviamente. No entanto não ia arriscar, não ia entregá-lo exatamente como estava.
-Ah, está bem.- disse e atirou-se para a cama.
Olhei para ele elevando uma sobrancelha. Ele sorriu-me como resposta e eu neguei com a cabeça. Olhei para as horas, eram três e meia. Ainda não tinha comido e o Luke vinha às cinco, por isso saí do quarto e fui até à cozinha. Estava a achar estranho o facto de o Harry ter ficado sozinho no meu quarto. Deveria estar com medo? Sim, possivelmente. Suspirei, fiz algo rápido para comer e depois voltei para o quarto, tinha que copiar tudo o que pudesse do trabalho, só faltavam cinco dias para o entregar. Cinco. Um trabalho de mais de cem páginas, à mão. Comecei a copiar, sem reparar que o Harry continuava deitado na cama. Ouvi um ronquido e virei-me rapidamente. Aí estava ele, a dormir com uma almofada espalmada na cara. Sorri para mim mesma enquanto o rapaz roncava como se não houvesse amanhã. Estava tão fofo.
-Harry. - chamei-o. - Harry.
Não respondeu. Continuava a dormir que nem uma pedra. Revirei os olhos divertida e aproximei-me dele.
-Harry. - apoiei a minha mão no seu ombro e abanei-o um pouco. Como resposta, ele deu a volta para o lado contrário e com uma mão atirou-me a almofada para a cara. - Autch, Harry, pára de roncar!
Nem se mexeu. Bufei resignada e tapei a cara. Ele roncava muito, por amor de Deus, era como se me tivessem metido um trator no quarto.
-Harry, acorda. - disse e subi para cima dele. Sim, para cima. Porquê? Não sei, apenas me apetecia. - Harry, Harry, Harry, pára de roncar. - voltou a roncar e vi um sorrisinho nos seus lábios. - Estás a fazer de propósito. - respondeu com um ronquido. - Pára. - voltou a responder-me com um ronquido e eu tentei levantar-me.
-Ei, onde vais? Estás bem aqui. - disse abrindo os olhos.
-Agora já falas, não é? - disse eu revirando os olhos.
-Sim. - disse ele e fingiu um ronquido.
-Meu Deus, não sabes o quanto isso incomoda. - disse eu.
-É por isso que o estou a fazer.
Neguei com a cabeça e desta vez consegui levantar-me, mesmo que ele insistisse para não o fazer. Pus-me a copiar enquanto o Harry falava e falava de coisas que não tinham o mínimo interesse, mas eu já me tinha habituado a deixá-lo a falar sozinho, por isso nem me dava ao trabalho de fingir que estava a ouvir cada palavra que ele dizia.
-Bella! Tenho que fazer uma coisa. - disse Marcel entrando no quarto um pouco exaltado e aproximando-se de mim.