Conocerás tus sueños

By vic_timism

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Depois de tudo que enfrentaram para ficar juntas, Juliana e Valentina tentam levar a vida navegando por águas... More

Um
Dois
Quatro - Parte I
Quatro - Parte II
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Catorze - Parte I
Catorze - Parte II
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito - Parte I
Dezoito - Parte II
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três - Parte I
Vinte e três - Parte II (+18)
Vinte e três - Parte III
Vinte e quatro
Vinte e cinco - Parte I
Vinte e cinco - Parte II (+18)
Vinte e seis

Três

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By vic_timism

Juliana apertava a pasta preta em que carregava seus croquis com tanta força que os nós de seus dedos doíam. Costumava estar segura sobre a qualidade de seu trabalho, mas algo na ideia de apresentá-lo para Fernanda a deixava estranhamente nervosa.

Juls passou boa parte de sua adolescência admirando e odiando Fernanda Franco na mesma medida. Enquanto Juliana passava os dias fugindo e consertando as consequências dos erros de Lupita e Chino, Fernanda estampava inúmeras capas de revistas adolescentes como um prodígio.

A Arce pertencia aos Franco há mais de duas décadas, e a única herdeira da família cresceu brincando de fazer negócio. Desde pequena, Fernanda acompanhava os pais em desfiles e usava lápis de cor para rabiscar suas próprias criações. Passou a infância transitando entre Paris e Nova York. Quando completou 15 anos, ganhou a chance de criar sua própria linha de roupas. Aos 18, já era responsável por várias filiais da empresa. Aos 23, era a principal diretora criativa da marca. E o pior de tudo: era muito boa no que fazia.

Naquele dia, estava particularmente poderosa. Usava um terno de veludo preto, sempre perfeitamente ajustado. Ostentava um fino cordão de ouro, que valorizava o decote em V de sua blusa de seda preta. Estava equilibrada em um par de saltos tão altos que Juliana não entendia como ela conseguia fazer os simples movimentos necessários para ligar seu Macbook e a mesa gráfica de desenho sem cair.

Àquela altura, Juliana estava desconfiada de que não era apenas o trabalho de Fernanda que a deixava nervosa, mas toda a autoridade que emanava dela mesmo nos gestos mais simples.

— Como conversamos, quero fazer dessa coleção um discurso político — começou Fernanda, virando a tela do notebook para Juliana e mostrando os desenhos que já havia feito — E o tema vai ser um dos meus assuntos preferidos: mulheres.

Fernanda piscou sugestivamente para Juls, que fingiu não perceber a investida enquanto se concentrava nos croquis que apareciam na tela do computador. Os desenhos mostravam conjuntos inspirados na moda do início do século passado, com saias longas, flores bordadas, decotes nas costas e detalhes trabalhados em renda.

— Eu adoro a ideia de valorizarmos o papel das mulheres na história do México nessa coleção. — disse Juliana, seguindo Fernanda com o olhar enquanto ela dava a volta na mesa que as separava e se aproximava.

— É incrível, certo? — disse Fernanda, empolgada, puxando uma cadeira e sentando bem ao lado de Juliana, falando sem tirar os olhos dela — Mulheres são uma força da natureza. Porra, mulheres são a natureza! É inaceitável que nós sejamos apagadas da história como somos, enquanto toda a glória vai para homens que são medíocres, em sua maioria.

Fernanda riu do próprio comentário e se inclinou na direção do rosto de Juliana, chegando tão perto que Juls podia sentir o perfume cítrico que ela usava.

— Ok, me mostra o que você tem. — sussurrou Fernanda.

Juliana piscou duas vezes, incrédula, antes de ignorar a intensidade da interação e abrir sua pasta.

Old school, hein? — disse Fernanda, observando Juliana se levantar e espalhar várias folhas de papel manteiga sobre a mesa.

— Com base na nossa conversa anterior, eu pensei em trabalhar com o período entre 1910 e 1920. — explicou Juliana, permitindo que a paixão por suas criações transparecesse no vão entre cada palavra que pronunciava — Foi um período da história mexicana em que as mulheres tiveram uma importância gigante, e eu... não sei, na verdade. Foi só instintivo.

Fernanda se levantou para observar os desenhos mais de perto. Arregalou os olhos e prendeu a respiração, sem conseguir disfarçar o próprio encantamento. Eram camisas com cortes únicos; saias longas e espalhafatosas com flores em cores vibrantes, com uma atmosfera de sonho; chapéus ornamentados que lembravam coroas. Embora tivessem detalhes modernos e resgatassem elementos que eram a marca registrada de Juliana, as peças carregavam tamanha precisão e autenticidade que pareciam ter sido criadas por alguém que viveu a época. Fernanda não pôde deixar de reparar em um dos desenhos — o vestido mais bonito. Embora a modelo do croqui não tivesse rosto, o cabelo e cada detalhe da anatomia não disfarçavam que a inspiração foi uma certa inimizade que Fernanda carregava desde a adolescência.

— Parece que você tem uma boa musa. — comentou Fernanda, sem disfarçar a amargura.

-

Valentina estava sentada no sofá, com uma taça de vinho em uma das mãos e o notebook no colo. Já tinha perdido a noção do tempo em suas pesquisas sobre pessoas que tiveram contato com vidas passadas. A maior parte dos relatos envolvia crianças que faziam comentários estranhos sobre uma existência anterior — como ela mesma, quando era pequena.

Antes de morrer, sua mãe sempre contava que, quando Val era pouco mais que um bebê, vivia contando histórias sobre "quando era grande e foi apaixonada". Os Carvajal sempre consideraram os episódios como fruto da imaginação infantil.

Não podia negar que boa parte das horas que perdeu no Google naquela tarde foram graças ao seu encantamento com a ideia de que os pais pudessem estar errados e ela estivesse, na verdade, se lembrando de sua vida passada com Juliana, quando era "grande e apaixonada", desde que ainda era pequena. Se distraiu tanto com o conto de fadas hipotético que esqueceu o real motivo das pesquisas: as visões que estava tendo agora, depois de adulta.

Talvez a ideia fosse estúpida, mas desde seu último "sonho" repentino, que teve enquanto se arrumava para sair com Clara e Juliana, Valentina estava cogitando que as imagens que via realmente tivessem sido vividas por ela e a namorada, em outros corpos, num outro tempo. A ideia teria parecido levemente absurda alguns anos antes, mas, desde a experiência de seu pai com a transmigração, se tornou muito mais fácil aceitar que fatos inexplicáveis acontecem com a alma e o espírito.

Entre um gole longo de vinho e outro, Valentina se inclinou em direção à mesinha de centro e pegou seu próprio celular. Estava ensaiando a ligação há muito tempo. Finalmente, procurou um nome na agenda e discou.

— Alô? Valentina? — respondeu Camilo, com a voz tomada de preocupação, no segundo toque — Está tudo bem?

— Oi, Camilo. Está tudo sim. — disse Valentina, sentindo-se instantaneamente culpada.

Nos últimos dois anos, só telefonava para Camilo quando algo estranho acontecia com seu pai ou Chino. Com o passar do tempo, todos descobriram que, mesmo com a conquista da segunda chance pelos envolvidos, a transmigração teria alguns efeitos colaterais para sempre.

— Na verdade, eu... — prosseguiu Valentina — queria saber se posso passar no seu escritório para conversar amanhã. Não precisa se preocupar, ok? Só tem umas... coisas que eu queria te perguntar.

— Claro... — respondeu Camilo, depois de hesitar por um segundo — Claro, Val, claro. Estarei te esperando amanhã às 10h, ok?

Nesse momento, Valentina ouviu barulho de chaves na porta. O coração acelerou em um solavanco.

— Perfeito. — disse Val, apressadamente — Agora eu preciso desligar. Nos falamos amanhã, ok? Obrigada!

Valentina desligou o telefone no exato momento em que Juliana entrou na sala. Ainda teve tempo de mudar a aba do navegador, saindo dos resultados do Google sobre vidas passadas e passando para uma página com um layout em tons terrosos e o título "Teste Vocacional".

— Ei! — exclamou Juliana, se atirando no sofá ao lado da namorada e a envolvendo em um abraço apertado. Os abraços eram um hábito que nunca perderam — Como você está?

Apesar de todas as dúvidas que a cercavam, Valentina respondeu com um sorriso enorme. Como ela estava? Sempre melhor com Juliana. Então, ela se inclinou e beijou a namorada rapidamente.

Juls passou a língua pelos próprios lábios, sentindo o gosto de vinho. Só então reparou no conteúdo da taça que estava na mão de Valentina.

— Você está bebendo?

Valentina hesitou antes de responder.

— Só uma taça... ou talvez meia garrafa.

— Val... — disse Juliana, sem disfarçar a decepção — Você sabe que não podemos brincar com isso. Um gole já é perigoso para você.

Val suspirou pesadamente. Tinha levado seu problema com álcool para a terapia, e até frequentou algumas reuniões dos Alcoólicos Anônimos há cerca de um ano. Estava trabalhando a questão. No entanto, sabia que aquele sempre seria um fantasma ao qual precisava ficar atenta.

— Não fique brava comigo. — sussurrou, fazendo um biquinho involuntário em seguida.

— Não estou brava, meu amor. — disse Juliana, enrolando uma mecha dos cabelos loiros da namorada com os dedos — Estou preocupada. Está acontecendo alguma coisa?

Valentina prendeu a respiração. Estava se controlando muito para não contar sobre os "sonhos" e suas desconfianças sobre eles para Juliana. Afinal, não tinham segredos uma com a outra. Mas tinha decidido, naquela tarde, que conversaria com Camilo primeiro para ter certeza do que se tratava. Mesmo com tudo que viveram, Juls ainda queria certa distância de questões espirituais. Por isso, Valentina decidiu que só a envolveria quando estivesse certa de que seria realmente necessário.

Enquanto aguardava a resposta de Valentina, Juliana baixou os olhos para a tela do computador. Não conseguiu controlar o sorriso.

— Você está fazendo testes vocacionais?

— Esse deve ser o milésimo que eu faço hoje. — disse Valentina, aliviada com a mudança de rumos para a conversa — Segundo os resultados, eu deveria ser arquiteta, engenheira civil e artista plástica.

Juliana explodiu em uma gargalhada.

— Eu gosto de artista plástica. Você seria sensacional em qualquer coisa que exija o uso das mãos.

Foi a vez de Valentina rir. Percebeu que, em algum momento daquela conversa, havia jogado a perna direita sobre o colo de Juliana. Esses pequenos gestos automáticos sempre aconteciam com elas.

— Falando sério, Val — disse Juliana, fechando o notebook de Valentina e, em seguida, tirando a taça da mão dela gentilmente e a colocando no chão, ao lado do sofá — Sei que você está se sentindo meio pressionada a voltar a estudar, mas não precisa se preocupar. Vamos achar algo que você goste. E se não acharmos nada, tudo bem também, você não é obrigada a ir para a faculdade se não quiser.

Juliana colocou o notebook sobre a mesinha de centro. Valentina, por sua vez, observava toda a movimentação com um sorriso bobo no rosto.

— Não quero que você fique ansiosa com isso, ok? — disse Juls, se inclinando para beijar a namorada em seguida.

O beijo começou lentamente, se prolongando até que o passar do tempo não fizesse mais sentido. Ambas sentiram suas respirações ficarem mais pesadas e suas mãos terem o impulso desenfreado de explorar novos limites. Em um impulso, Valentina jogou uma perna de cada lado do corpo de Juliana e sentou no colo dela. Então, deslizou os lábios até a orelha da namorada, que fechou os olhos diante da movimentação.

— A última coisa que eu estou agora é ansiosa. — sussurrou Valentina, poucos antes de mordiscar o lóbulo da orelha de Juliana.

E Val conseguiu esquecer, até a manhã seguinte, que estava prestes a ter algumas respostas sobre as estranhas visões que vinha tendo.

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