Dezessete

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O céu que emoldurava o fim de tarde tinha um tom de laranja incandescente e explosivo. Coincidentemente, aquela cor transmitia as mesmas sensações inflamadas que tomavam conta da torre do sino da capela de Santa Helena, na propriedade dos Vega.

Como faziam todos os dias desde seu primeiro beijo, Isabel e Daniela ultrapassavam novos limites, guiadas pelas vontades de seus instintos. No chão da parte mais alta da igreja, Bel estava sentada sobre o colo de Dani, com as pernas abertas enlaçando a cintura da garota por quem estava apaixonada. A posição fazia com que seus corpos ficassem colados, próximos demais, a apenas suas roupas de distância. A morena, por sua vez, permitia que suas mãos escorregassem por baixo do vestido da mulher que estava à sua frente e deslizassem por toda a extensão de suas coxas, distribuindo apertões sem sobreaviso vez ou outra e deixando uma trilha de arrepios.

As duas se beijavam avidamente, como se suas vidas dependessem disso. Suas línguas colidiam e exploravam todos os espaços que podiam. Quando os pulmões pediam por ar, seus lábios se afastavam e escorregavam pelas curvas de seus pescoços e lóbulos das orelhas, apenas para se reencontrarem novamente ao fim do trajeto.

Sem quebrar o contato entre suas bocas, Isabel começou a rebolar devagar, obedecendo à cada parte de seu corpo que implorava para sentir mais. Daniela a segurou com firmeza pela cintura, ditando o ritmo e a intensidade dos movimentos. Era evidente que cada centímetro delas implorava e suplicava uma pela outra. Queriam ser tocadas e reviradas do avesso com uma proximidade que crescesse até se tornar infinita, como se pudessem se fundir e explodir na sensação entorpecente do ápice pela qual tanto ansiavam. O desespero que sentiam para chegar ao ponto mais alto de tudo aquilo que atravessava seus corpos parecia ser capaz de enlouquecê-las, parar o tempo e implodir o mundo.

No entanto, como sempre, antes que pudessem concretizar o que tanto queriam, o peito de Isabel foi tomado por uma ansiedade nebulosa e pesada como chumbo. Era o desconforto da culpa, mas também do medo. Sabia que quando finalmente se entregasse para Daniela de todas as formas possíveis, a vida seria alterada de forma irreparável. Não haveria retorno — jamais conseguiria voltar para a trivialidade vazia que preencheu seus dias desde o início de sua existência. Quando se permitisse a ousadia da liberdade, não poderia mais ser apenas a esposa e a filha de alguém. Nesse momento, ressuscitaria como o ser humano que toda a mulher nasceu para ser.

Para além da importância simbólica de jogar a razão para o alto e fazer com Daniela tudo aquilo que sua imaginação sussurrava em seus ouvidos, é claro que também havia o fator insegurança.

Seu interesse por medicina e anatomia fez com que sempre fosse mais consciente sobre sexo do que outras garotas da sua idade — até mesmo Sofía, que sempre teve uma visão mais curiosa e progressista sobre o assunto. O conhecimento fez com que entendesse o contato entre um homem e uma mulher como algo puramente biológico, e as convenções sociais a ensinaram que qualquer interação sexual era apenas sua obrigação enquanto esposa. Por isso, transar se tornou um ato mecânico e desinteressante, um mero inconveniente a que tinha que se submeter em prol de seu casamento. Nunca sentiu qualquer desejo por Pedro, e sobrevivia aos longos minutos em que ele a procurava usando uma espécie de dissociação automática. Ela apenas olhava para o teto, existindo sem existir, esperando até que ele terminasse. Era assim para Sofía, quando seu marido estava vivo. Provavelmente foi assim para suas mães, e também para suas avós, e para cada uma das que vieram antes delas. E, ela sabia, era pior ainda para mulheres com outras cores de pele, etnias e classes sociais, que tinham ainda menos poder de escolha sobre seus próprios corpos. Pensava que a vida só era assim e não havia nada a fazer.

Nada no mundo a preparou para a força irrefreável da atração física e o poder de estar no comando de suas próprias vontades. E, principalmente, nada no mundo a preparou para vivenciar tudo isso com outra mulher.

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