Dois

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Valentina estava hipnotizada olhando para a sobrinha, enquanto fazia carinho na cabeleira loira da menina. 

Clara estava deitada no sofá aveludado do apartamento de Val e Juliana, com a cabeça no colo da tia, muito compenetrada em um desenho que assistia em seu tablet da Mulher-Maravilha. A garotinha usava um vestido da Capitã Marvel e mordiscava o bico de uma chupeta cor-de-rosa. Seu rosto ficava mais parecido com o de Eva a cada dia, e isso era reconfortante e aterrador na mesma medida.

— Obrigado por cuidar da Clarita — disse Guille, arrancando Valentina de seu transe de admiração pela sobrinha — Nós prometemos ao Mateo que ficaríamos com ela este fim de semana, mas...

Valentina lançou um sorriso compreensivo para Guille, que estava sentado em uma poltrona de vinil, a uma mesinha de centro de distância. Sabia que ele e Renata estavam tendo dificuldades para se adaptar a chegada dos gêmeos, mesmo com a ajuda de Chivis e Leon. Naquele momento, Clara não teria metade da atenção necessária se passasse o final de semana na mansão.

— Não tem problema, a gente adora ficar com a Clara. A propósito, o Mateo devia ter pedido para nós cuidarmos dela enquanto ele não está na cidade. Afinal, eu e a Juliana somos as madrinhas.

Guille deu de ombros.

— Acho que ele só não queria atrapalhar, já que vocês estão ocupadas com a mudança e a coleção nova da Juls.

Valentina ergueu os olhos para o enorme relógio de alumínio pendurado na parede. Juliana entraria na reunião com Fernanda Franco dentro de cinco minutos — isto é, se Fernanda não se atrasasse simplesmente por achar que era muito especial e tinha esse direito, o que provavelmente aconteceria.

Val jamais admitiria em voz alta para não desmotivar a namorada, mas Fernanda era uma megera, no fim das contas.

— Bem, falando na coleção da Juliana... — começou Guille, entre um pigarro e uma breve pausa — Você pensou sobre o que nós conversamos? Sobre voltar a estudar?

Valentina respondeu com uma careta involuntária. Depois que toda a situação da transmigração se resolveu, ela tentou voltar para a faculdade de Jornalismo por um semestre, apenas para acabar abandonando o curso novamente. Desde então, Guille insistia para que ela procurasse outro caminho profissional que a contemplasse, e a cobrança do irmão estava muito maior desde que as criações de Juliana começaram a ganhar projeção nacional.

— Não fique brava comigo, Vale. Só acho importante que você faça alguma coisa.

— Eu faço muitas coisas, ok? — disse Valentina, subindo o tom de voz — Ajudo nossa família sempre que alguém precisa de alguma coisa, cuido da Clara, estou decorando o apartamento, apoio todas as questões logísticas da carreira da Juliana, e eu...

— Está certo, Valentina. Mas o que você faz por você? Pelos seus sonhos? Pela sua carreira?

Val encarou o irmão, piscando repetidamente, sem conseguir encontrar palavras para responder.

— Tia Val? — chamou Clara, com a voz manhosa, virando os olhinhos claros para Valentina — Quero água.

Valentina forçou um sorriso para a sobrinha. Não queria admitir, mas o simples ato de ir à cozinha causava arrepios desde o sonho exageradamente realista que teve dias antes, deitada no chão do cômodo. A imagem de Juliana ferida e desacordada em roupas estranhas ainda a assombrava sempre que fechava os olhos.

— Vamos lá, mi amor. — respondeu Valentina, segurando a mão da menina e levantando do sofá.

— Val? — chamou Guille, antes que a irmã deixasse a sala — Só não quero que você passe a vida apenas esperando a Juliana voltar para casa.

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