Três

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Juliana apertava a pasta preta em que carregava seus croquis com tanta força que os nós de seus dedos doíam. Costumava estar segura sobre a qualidade de seu trabalho, mas algo na ideia de apresentá-lo para Fernanda a deixava estranhamente nervosa.

Juls passou boa parte de sua adolescência admirando e odiando Fernanda Franco na mesma medida. Enquanto Juliana passava os dias fugindo e consertando as consequências dos erros de Lupita e Chino, Fernanda estampava inúmeras capas de revistas adolescentes como um prodígio.

A Arce pertencia aos Franco há mais de duas décadas, e a única herdeira da família cresceu brincando de fazer negócio. Desde pequena, Fernanda acompanhava os pais em desfiles e usava lápis de cor para rabiscar suas próprias criações. Passou a infância transitando entre Paris e Nova York. Quando completou 15 anos, ganhou a chance de criar sua própria linha de roupas. Aos 18, já era responsável por várias filiais da empresa. Aos 23, era a principal diretora criativa da marca. E o pior de tudo: era muito boa no que fazia.

Naquele dia, estava particularmente poderosa. Usava um terno de veludo preto, sempre perfeitamente ajustado. Ostentava um fino cordão de ouro, que valorizava o decote em V de sua blusa de seda preta. Estava equilibrada em um par de saltos tão altos que Juliana não entendia como ela conseguia fazer os simples movimentos necessários para ligar seu Macbook e a mesa gráfica de desenho sem cair.

Àquela altura, Juliana estava desconfiada de que não era apenas o trabalho de Fernanda que a deixava nervosa, mas toda a autoridade que emanava dela mesmo nos gestos mais simples.

— Como conversamos, quero fazer dessa coleção um discurso político — começou Fernanda, virando a tela do notebook para Juliana e mostrando os desenhos que já havia feito — E o tema vai ser um dos meus assuntos preferidos: mulheres.

Fernanda piscou sugestivamente para Juls, que fingiu não perceber a investida enquanto se concentrava nos croquis que apareciam na tela do computador. Os desenhos mostravam conjuntos inspirados na moda do início do século passado, com saias longas, flores bordadas, decotes nas costas e detalhes trabalhados em renda.

— Eu adoro a ideia de valorizarmos o papel das mulheres na história do México nessa coleção. — disse Juliana, seguindo Fernanda com o olhar enquanto ela dava a volta na mesa que as separava e se aproximava.

— É incrível, certo? — disse Fernanda, empolgada, puxando uma cadeira e sentando bem ao lado de Juliana, falando sem tirar os olhos dela — Mulheres são uma força da natureza. Porra, mulheres são a natureza! É inaceitável que nós sejamos apagadas da história como somos, enquanto toda a glória vai para homens que são medíocres, em sua maioria.

Fernanda riu do próprio comentário e se inclinou na direção do rosto de Juliana, chegando tão perto que Juls podia sentir o perfume cítrico que ela usava.

— Ok, me mostra o que você tem. — sussurrou Fernanda.

Juliana piscou duas vezes, incrédula, antes de ignorar a intensidade da interação e abrir sua pasta.

Old school, hein? — disse Fernanda, observando Juliana se levantar e espalhar várias folhas de papel manteiga sobre a mesa.

— Com base na nossa conversa anterior, eu pensei em trabalhar com o período entre 1910 e 1920. — explicou Juliana, permitindo que a paixão por suas criações transparecesse no vão entre cada palavra que pronunciava — Foi um período da história mexicana em que as mulheres tiveram uma importância gigante, e eu... não sei, na verdade. Foi só instintivo.

Fernanda se levantou para observar os desenhos mais de perto. Arregalou os olhos e prendeu a respiração, sem conseguir disfarçar o próprio encantamento. Eram camisas com cortes únicos; saias longas e espalhafatosas com flores em cores vibrantes, com uma atmosfera de sonho; chapéus ornamentados que lembravam coroas. Embora tivessem detalhes modernos e resgatassem elementos que eram a marca registrada de Juliana, as peças carregavam tamanha precisão e autenticidade que pareciam ter sido criadas por alguém que viveu a época. Fernanda não pôde deixar de reparar em um dos desenhos — o vestido mais bonito. Embora a modelo do croqui não tivesse rosto, o cabelo e cada detalhe da anatomia não disfarçavam que a inspiração foi uma certa inimizade que Fernanda carregava desde a adolescência.

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