Dezesseis

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Quando a luz morna e preguiçosa da manhã se infiltrou pelos vãos da persiana e se espalhou timidamente pelo quarto de hospital, Juliana já estava acordada há horas. Encolhida na cama, observava o peito de Valentina subir e descer, acompanhando o ritmo tranquilo de sua respiração. A garota dormia profundamente. Para o alívio de Juliana, sua expressão era quase angelical, como se estivesse num lugar intocável em que ninguém pudesse perturbá-la.

A estilista, por sua vez, tinha atravessado uma madrugada um pouco menos sossegada. Não conseguia parar de pensar em Jorge e na garota misteriosa que supostamente estava em cárcere privado no prédio em que viviam. Era inacreditável que a situação tivesse escalado daquela maneira. Agora, carregava nos ombros a responsabilidade que acompanha os segredos do mundo. Não podia apenas fingir que não sabia da existência de uma adolescente que poderia estar enfrentando uma situação horrível. Tinha que fazer alguma coisa.

Paralelamente, ainda precisava decifrar o enigma principal: como tudo aquilo se relacionava com ela, Valentina e suas vidas passadas?

Juliana soltou um daqueles suspiros pesados que parecem surgir de um esconderijo que existe no peito de cada um. Depois de todo o caos das transmigrações que viveram dois anos antes, sabia que nunca teriam uma vida normal, mas ansiava por alguma banalidade. Já tinha encerrado sua cota de aventuras — tanto no mundo terreno, com as irresponsabilidades de Chino, quanto no mundo espiritual, com o transtorno das trocas de corpos. Seu único desejo era construir uma carreira de sucesso e compartilhar a serenidade da rotina com a mulher que amava. E apesar de um sonho tão simples, ali estava ela, novamente envolta em um drama sobrenatural e, agora, angustiada com um bandido que possivelmente aliciava menores.

Por outro lado, uma parte sua sempre soube que a resolução da transmigração de seu pai e de seu sogro não era o ponto final da história. Afinal, ela e Valentina estavam predestinadas a ponto de sensibilizar a Morte e bagunçar a lógica de sua força implacável, que carrega vidas e espalha o luto desde o início dos tempos. Era de se esperar que, cedo ou tarde, entendessem mais a fundo por que precisavam se encontrar.

Fosse qual fosse a pendência que atravessou existências até juntá-las da forma mais improvável possível em seus corpos atuais, tudo indicava que tinha chegado a hora de acertar as contas.

Quando Valentina começou a despertar e se mexer suavemente na cama de hospital, as reflexões de Juliana voaram para longe. Os olhos azuis se abriram para o mundo lentamente, como se não tivessem hora para acordar. Juls observou cada movimento com um interesse infinito, como se sua atenção incondicional fosse o suficiente para proteger sua namorada do que quer que o destino e as visões de vidas passadas quisessem cobrar dela.

— Bom dia, Bela Adormecida. — cumprimentou Juliana, usando o dedo indicador para afastar um fio de cabelo dourado que caía sobre o rosto de sua garota — Como você está?

— Bom dia. — respondeu Valentina, com uma voz arrastada e preguiçosa que logo se desmanchou em um sorriso — Estou surpresa em ver que você ainda não foi expulsa daqui por nenhum enfermeiro indignado.

— Para minha sorte, nenhum enfermeiro entrou aqui ainda. — pontuou Juliana, sorrindo.

— Pior serviço de quarto do México. — brincou Valentina, arrancando uma risada abafada de sua namorada.

As duas foram interrompidas pelo celular de Juliana, que vibrou no bolso de sua jaqueta. A dona do aparelho o apanhou rapidamente.

— Mensagem da Fernanda. — informou Juliana, movendo os polegares rapidamente sobre a tela — Eu estava com insônia de madrugada e aproveitei para avisar que não vou trabalhar hoje, mas não esperava que ela respondesse às seis e meia da manhã.

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