"Em sua casa, anseio ficar.
Quarto por quarto, pacientemente.
Vou esperar por você lá, como pedra.
Vou esperar você lá, sozinho".
Like a Stone, Audio Slave.
Fonte: YuriBlack.
Dizer que eu estava preocupado era um eufemismo de maluco, desesperado e sem paz. Eu já havia me acostumado com os desaparecimentos repentinos de Kyungsoo, mas, quase três meses sem dar sinal de vida era um grande abuso.
Maldito bastardo irresponsável!
— É melhor que alguém o tenha matado, pois se um dia ele chegar como se nada tivesse acontecido, eu mesmo vou matá-lo — eu disse tentando soar ameaçador como Kyungsoo mesmo costumava agir, mas no final, acabei chorando e arruinando toda a minha atuação.
Chanyeol me abraçou e acariciou as minhas costas. Até o momento, essa era a única parte boa de eu estar assim, preocupado, o gigante — como Kyung o chamava — passava mais tempo comigo.
— Calma, Baek, ele é um cara durão... ele está bem, e quando menos esperar teremos notícias dele, você vai ver.
Era fácil para Yeol dizer isso, ele não tinha visto Kyungsoo no passado, como eu. Eu estive todo o tempo ali.
Nossos pais eram melhores amigos, e nossas famílias sempre estiveram juntas. Nós nos conhecemos bem jovens, Kyung e eu, que nem mesmo me lembro como foi embora eu tenha um monte de recordações sobre nós dois juntos no primeiro dia de aula e nas festas de final de ano, ou em nossos aniversários. Lembro-me de dormir na casa dele com os meus brinquedos favoritos, e de comer rolos de canelas que a sua mãe sempre fazia. Ou de vê-lo chegar na minha casa e chorar na primeira noite pois sentia falta da sua mãe. Lembro-me da comemoração quando nosso time de futebol ganhou quando tínhamos sete anos. Lembro-me de nós dois tomando banho juntos, brincando com a espuma, gastando todo o shampoo, ou fingindo que éramos como nossos pais fazendo experimentos com uma equipe de cientistas crianças. Infelizmente, também me lembro do seu estado no sombrio dia em que Kyung deixou de ser meu melhor amigo para se tornar meu irmão.
Kyungsoo, eu te amo, mas cheguei a desejar que você nunca fizesse parte da minha família para que assim, você pudesse manter a sua.
Era um dia ensolarado, eu tinha quase nove anos. Mamãe me levava para escola em seu carro, íamos cantando alguma balada antiga porque eram as favoritas da minha mãe, mas seus gestos alegres mudaram quando ela falou por telefone com o papai. Mudamos de rumo até o hospital.
Mamãe começou a chorar depois de falar com o meu pai, tinham me deixaram em uma cadeira a uns passos atrás deles na sala de espera. Pediram-me para que ficasse ali, mas eu estava tenso, não entendia o motivo de a minha mãe chorar daquela maneira se papai e eu estávamos bem. Coloquei a minha cabeça para fora do quarto, e escutei algumas enfermeiras conversando.
— Foi horrível! A mulher foi encontrada sem útero, com o ventre aberto, sangrou até a morte e o homem sofreu um infarto, ao que parece por uma overdose. O garotinho nunca vai superar isso.
— Sabe-se algo do culpado?
— Nada, nem uma única pista.
— Pobre criatura, estão dizendo que ele viu tudo... está tão traumatizado que até eu acredito que estaria melhor se tivesse morto.
Corri buscando meus pais porque aquelas enfermeiras me assustaram; como eu era muito pequeno, deslizei por entre as pernas das pessoas e me arrastei pelos cantos, conseguindo entrar na ala interna sem que ninguém me notasse, até que reconheci as costas de mamãe. Aproximei-me decidido a abraçá-la, mas fiquei petrificado quando vi o que ela fazia. Lutava tentando vestir Kyungsoo, cuja roupa estava suja de sangue. Ele não falava, nem mesmo se movia, não chorava, apenas estava ali como se fosse uma estátua. Naquela noite, quando todos os médicos e policiais o deixaram em paz, foi a primeira vez que ele dormiu em meu quarto como um novo membro da família. Kyungsoo tinha ficado órfão.
Kyungsoo não falava, não chorava, não brincava, não era como o mesmo menino de quando tinha sido meu amigo. Papai me disse que uma pessoa havia causado danos aos pais dele e não me explicou nada mais, mas graças às enfermeiras fofoqueiras, eu tinha uma ideia muito clara do que ele tinha visto, então o entendi.
O funeral foi realizado quatro dias depois para que os médicos pudessem fazer a autópsia, e para que meu pai conseguisse realizar um funeral luxuoso. Eu segurava a mão de Kyungsoo com carinho, nós dois em frente aos caixões. Ele continuava sendo um pequeno robô até que os colegas de trabalho de nossos pais se aproximaram para depositar rosas brancas sobre os túmulos, então Kyungsoo não apenas começou a gritar como louco, como também molhou as suas calças na frente de todos. Papai o carregou e o levou para casa, e eu abracei mamãe e chorei.
Um ano depois, Kyungsoo enfim falou comigo, eu estava triste pois havia reprovado em um exame de matemática no dia do meu aniversário, e ele me disse "feliz aniversário, Baekhyun" me animando apenas por causa da sua voz. Desde então ficamos muito mais unidos do que antes, dormimos juntos na minha cama até que nos tornamos adolescentes e deixamos de caber nela. Papai nos comprou um beliche e ele escolheu a parte de cima, eu também a queria, mas não tinha como fazê-lo mudar de opinião. Kyungsoo sempre foi um teimoso, cabeça dura.
Estudávamos juntos, e com a ajuda do meu pai nos tornamos os melhores alunos da sala e posteriormente do colégio. Entrei na faculdade de medicina e optei pelo ramo de ginecologia-obstétrica porque eu estava obcecado com o nascimento dos bebês e a anatomia feminina. Não, eu não sou uma espécie de pervertido, suponho que é o meu modo de admirar as mulheres e redirecionar um monte de energia que eu não aplico no âmbito da sexualidade porque sou gay.
Quando completei 16 anos me apaixonei por um garoto do último ano do colégio chamado Kim Heechul, quando falei para Kyungsoo eu estava completamente assustado, mas ele me olhou como se eu não estivesse dizendo nada realmente importante e me disse:
— Está tudo bem, acho que também sou gay.
Ambos tínhamos muitas dúvidas desde então. Uma noite, apenas para ter certeza, decidimos masturbar um ao outro. A experiência foi terrível porque nenhum de nós dois conseguiu uma ereção com as carícias um do outro. Pensamos que talvez nós não éramos gay, porém, uma semana depois, em uma festa da escola, Heechul me trancou em um dos banheiros e me beijou... e meu amiguinho acordou como nunca. Então comprovei a minha orientação sexual e mais tarde Kyungsoo também, nós éramos super gays, mas não entre nós dois, e quando penso sobre isso fico super feliz pelo incesto não ser parte de mim.
Quando completei 17 anos, mamãe faleceu, foi num acidente de trânsito. Afetou muitíssimo a todos nós. Papai mudou de trabalho, Kyungsoo se tornou mais amargurado do que nunca, e eu me deprimi. Uma semana depois de seu funeral, sonhei com ela e acordei chorando no meio da noite. Tampei a minha boca para não também não acordar o meu irmão, mas Kyungsoo desceu e sentou-se ao meu lado. Ele me fez sentar também sem dizer uma palavra até que parei de chorar e estar apenas soluçando.
— Sei o que está sentindo... — ele disse.
— Sinto muito. — não sei bem porque me desculpei, talvez porque eu me sentia culpado por trazer-lhe recordações ruins.
— Eu nunca contei para ninguém... mas foi horrível... Todas as noites sonho com a mesma coisa...
Meu coração acelerou como um louco. Por acaso, Kyungsoo estava falando do assassinato de seus pais?
— Kyung, irmão... pode me falar o que quiser — eu disse à ele, esquecendo as minhas próprias dores.
— Eu estava dormindo com eles, pois naquela noite, tive um pesadelo... eu o escutei entrar e papai me colocou debaixo da cama. O homem acendeu a luz e apontou uma arma para eles. Disse ao meu pai que se ele não injetasse ele mesmo a seringa que jogou aos seus pés, iria atirar na minha mãe. Quando meu pai se inclinou para pegá-la, ele voltou a me olhar e piscou um olho pra mim. Fez eu sentir que tudo estava bem... eu até sorri... Eles discutiram durante um tempo antes de papai aceitar se drogar. A droga o petrificou e o outro homem lhe disse que... disse que por papai ter arruinado os seus planos, agora ele cobraria por isso e cortou a minha mãe... ele não a anestesiou ou a nocauteou, apenas a amarrou no chão e começou a extrair um órgão, ela gritava e chorava de dor enquanto sangrava até a morte e eu não conseguia parar de olhá-la. Quando ela lembrou onde eu estava, me olhou apavorada. Antes de morrer, sussurrou que me amava. Durante todo o tempo ele ficou cantarolando uma canção infantil... foi terrível.
— Você viu bem o homem que fez isso?
— Sim, e ouvi quando ele perguntou por mim a meu pai, mas papai lhe disse que eu estava aqui, com você, por isso ele não me procurou mais. Ele também queria a mim.
— Isso é horrível, Kyungie! Lamento muito que você tenha passado por algo assim — eu disse com pena e assustado.
De repente, a dor de perder a minha mãe se fez pequena em comparação a isso. Tinha sido um acidente, essas coisas aconteciam... mas o que aconteceu com o meu irmão foi um massacre.
— Eu nunca vou esquecer o rosto dessa pessoa. — Kyungsoo sussurrou parecendo um louco. Era lógico.
Até o dia de hoje não sei se me arrependo do que perguntei.
— Quem era a pessoa, Kyungsoo? Você a conhecia?
— Sim e você também...
Quando Kyungsoo me disse o nome, corri para vomitar.
Dois dias depois, papai insistiu para que entrássemos em aulas de defesa pessoal, disse que devíamos saber nos proteger. Isso definitivamente não era para mim. Enquanto Kyungsoo aprendia a dar pontapés voadores, e passava a tarde inteira descontando o seu ódio, socando um saco de boxe até lhe sangrarem as juntas dos dedos, eu recebia castigos por parte dos treinadores. Fiz tantas abdominais por penitência que acabei com os músculos da barriga marcados e foi essa a única coisa boa que tirei dessas aulas; em especial se me comparavam com o meu irmão, porque enquanto ele parecia uma máquina assassina de briga, eu apenas conseguia atingir um meio golpe para que me desse tempo de sair correndo e gritar "Kyuuuuuung, me ajudeeeeeeee". Comprovamos isso uma vez e tudo mais.
Fiz muitas birras para deixar de ir às aulas.
Uma tarde, voltei com o nariz quebrado porque o idiota de um colega decidiu que seria legal fazer bullying com o gay delicado da academia. Eu estava me queixando com o meu irmão quando ele parou no meio do caminho, irritado por causa da minha reclamação.
— Não se reclame de seu pai! Ele faz isso, porque sabe quem acabou com a minha família e não quer que aconteça o mesmo com a sua, principalmente porque eu estou aqui.
— Do que está falando? Está me dizendo que meu pai sabe? Kyungsoo!
— Por que você acha que ele largou tudo e agora trabalha na universidade? Você é um iludido, por acaso não vê como ele me olha? Ele sabe que eu sei de tudo e se pergunta se na verdade minha mente não reprimiu tudo. Tem medo de que um dia eu jogue toda a verdade na cara dele como uma sacola cheia de merda, e que te suje também, assim como aconteceu com a sua mãe.
— O que a minha mãe tem a ver com tudo isso? — o enfrentei, me irritando porque a colocou no meio.
— Ela descobriu tudo, e acho que afrontou o assassino... Eu a escutei discutindo com o seu pai uma semana antes do acidente.
— VOCÊ ESTÁ MENTINDO... VOCÊ ESTÁ MENTINDO! — gritei enquanto explodia em lágrimas.
— PARE DE AGIR COMO UMA CRIANÇA, E ENTENDA TUDO DE UMA PUTA VEZ, BAEKHYUN!
— CALE A BOCA!
— SUA MÃE MORREU POR MINHA CULPA!
— CALE A BOCA!
— SE NÃO APRENDER A SE CUIDAR, VOCÊ VAI MORRER TAMBÉM! — gritou antes que meus punhos chegassem ao seu rosto.
Nessa noite, terminamos os dois com o nariz quebrado. Papai ficou preocupado quando nos viu, mas não fez nada a respeito por causa do difícil momento que estávamos passando.
Não dirigi a palavra a Kyungsoo durante três dias completos, e vindo de mim que falo até mesmo dormindo, é todo uma realização.
Uma noite, eu o vi levantar da cama e tirar uma bolsa do armário.
— O que vai fazer? — perguntei rompendo o meu mutismo.
Ele se virou, apressado.
— Vou embora da sua casa, para que tudo fique bem — respondeu com tristeza.
Me levantei com passos apressados e o abracei. Eu não permitiria que ele se fosse. Sinto muito orgulho de lembrar, porque nessa noite Kyungsoo começou a chorar e eu não. Logo deixei os treinamentos fugindo com os meus namorados enquanto Kyung me encobria. Se esse assassino ia me matar, saber dar umas porradas a mais não mudaria isso.
Quando nos formamos no colégio, Kyung não quis ir para a universidade, ele conseguiu trabalhos de meio período e o resto de seu dia era dedicado a treinamentos mais severos. Ao atingir a maioridade, ele comprou uma arma e aprendeu a usá-la. Eu enxergava para onde meu irmão estava indo e doía, mas nunca pensei em detê-lo por uma simples razão: eu queria vingança pelo que aconteceu com a minha própria mãe.
Cada vez que falava para Chanyeol sobre Kyung e nosso passado, ele abria a sua boca e inocentes olhos com o mesmo gesto de assombro.
— Quem foi, Baekie? Quem é a pessoa de quem Kyung deseja se vingar?
Desviei os meus olhos e sorri. Eu nunca diria a ninguém. Me dá medo dizer seu nome em voz alta porque isso o torna real, me dá medo inclusive pensar nele e me dá pavor pensar que se Chanyeol o conhecer, ele irá estar envolvido. Não quero que nada de ruim aconteça com o gigante porque faz dois anos que o amo em segredo, e no dia em que esse pesadelo acabar, quero tê-lo junto a mim.
Chanyeol viu os meus olhos encherem-se de lágrimas mais uma vez, me abraçou, beijou o meu pescoço, e eu estremeci desejando que algum dia ele também quisesse beijar a minha boca.
— Chanyeol... — seu nome saiu da minha boca com angústia e ele segurou o meu queixo, fazendo-me confrontar o seu olhar. Ele tinha uma maneira esmagadora de me fazer absorver nele, de esquecer todo o peso que eu carregava. Olhei a sua boca e lambi os meus lábios desejando tê-los mais perto, e talvez, os desejei tanto que me transformei em um ímã, porque ele começou a aproximar-se, tocou levemente o meu lábio inferior com o seu dedo polegar. Eu estava derretendo!
Com um suspiro nos chamamos mutuamente e estive a ponto de me jogar em seus braços como o amante que eu desejava ser para ele, foi quando a porta do meu quarto abriu de uma só vez, e Kyungsoo ficou estático quando nos viu.
Chanyeol foi o primeiro a raciocinar, colocando-se de pé e abraçando-o, dando as boas vindas depois desses meses de terríveis incertezas. Uma lágrima de alívio caiu do meu olho direito, mas o meu coração continuava tendo um peso...
... Chanyeol, quero que você seja o cunhado de Kyungsoo.