A Voz da Escuridão.

Von guiguiroseira

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[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de... Mehr

A Voz da Escuridão.
Ato 1 (1988).
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Ato 2 (2009 - 2014).
Parte I
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Parte II
SÁBADO
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DOMINGO
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5 (i)
5 (ii)
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SEGUNDA-FEIRA
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AVISO: Comemoração.
TERÇA-FEIRA
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QUARTA-FEIRA NEGRA (I)
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PARTE III
Quarta-Feira Negra (II)
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PARTE FINAL
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EPÍLOGO
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FINAL
Nota do Autor.
Comemoração Concurso StoryTeller.
A VIAJANTE. LANÇAMENTO: 12 DE MARÇO.

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Von guiguiroseira


Creck-creck-creck dentro de sua cabeça. Dentes mordendo as paredes de seu crânio. Mastigando seu cérebro.

Ali, a menina. Aquela de rosa.

Ele baixou o livro que fingia ler e recostou-se no banco. Naquela tarde, o parque à sua volta se encontrava tomado por risos. Casais de namorados caminhavam abraçados, trocando beijos e dividindo sorvetes de casquinhas. Jovens gargalhavam e falavam alto nas filas da montanha-russa e do Twister. Famílias e turistas faziam poses para fotos. Crianças corriam para lá e para cá, puxando seus pais pelas mãos, pedindo "por favor, vamos naquele brinquedo ali, por favor". Um funcionário vestido com uma fantasia ridícula de cachorro de pelo amarelo dançava para um semicírculo de garotos e garotas que deviam ter uns cinco ou seis anos. Atrás deles, uma menininha de cabelos cacheados e blusa rosa passou correndo, sumindo dentro do banheiro.

Atrás dela.

Ele levantou-se. A freira de batina negra, a madre do convento que também era mãe de Pietra, continuou sentada no banco, ao lado de um urso de pelúcia e de uma gaiola dourada onde um pardal negro batia as asas e piava. A mulher tinha a cabeça baixa, as mãos tortas cruzadas no colo e os ombros subindo e descendo suavemente. Adormecera. Bom.

Ele caminhou com calma, embora quisesse correr. Tinha as mãos enfiadas nos fundos dos bolsos e olhava para baixo. Mesmo com óculos escuros, boné de beisebol e bigode falso, temia que reconhecessem seu rosto agora que seu retrato-falado estampava todos os jornais do país. Apesar do calor, usava um cachecol para esconder tanto a cicatriz de arame em seu pescoço quanto o ferimento à bala que quase o matara. Não podia fazer nada quanto ao corte que Pietra abrira em sua bochecha direita.

Você parece um cachorrinho andando com o rabo entre as pernas.

Então ele tinha sido reduzido a isso? Após tantos anos de trabalho, tanta preparação, tanto ensaio, ele agora não passava de um homenzinho assustado e com medo da morte, tremendo de febre e ferido? Não. Não. Estava a um passo de concluir sua obra final, a única que importava, e não iria abaixar a cabeça. Não agora.

Você é o Artista. Assim como Deus criou o mundo, você está próximo de criar sua obra perfeita e descansar no sétimo dia.

Descansar. Isso seria bom. Quando tivesse terminado, iria repousar em seu palácio mental para sempre, ao lado de todos aqueles que acordara. Danny Straub estaria lá, à sua espera. Seu anjo também. Pietra. E Sophia. Sophia, no alto das estantes, sentada à direita de Seu trono, lá no Infinito. Sua musa inspiradora ocupando seu lugar de direito ao seu lado. Era uma boa imagem para se ter.

Você está tão perto, meu amor. Não abaixe a cabeça.

Não, ele não iria. Que o mundo o visse. O reconhecesse. A hora das máscaras tinha acabado naquela casa amarela, no momento em que Sophia Manning batera à sua porta. Seus poros se dilataram, sua boca se abriu, seus olhos se arregalaram. Luz jorrou de seu corpo. A força imaginativa que ele colhera ao longo de sua existência corria em suas veias. Finalmente, ele podia mostrar seu verdadeiro rosto.

Arrancou o bigode falso, o boné de beisebol, os óculos escuros. Seus olhos amarelos faiscaram. Jogou tudo em uma lata de lixo, sem parar de caminhar. Tirou também o cachecol. Durante sua vida inteira, ele escondera o ferimento que o pai lhe fizera no celeiro enquanto o estuprava. Não mais. Percebia agora que aquela cicatriz em seu pescoço era algo bom. Lembrava-lhe da dor do passado. E a dor do passado, quando usada corretamente, é poder.

E ele, artista e assassino, filho das trevas e amante da escuridão, deu início à sua caçada final como o predador de homens que era: com a cabeça erguida.

***

Pietra não sabia que tipo de remédio o médico havia lhe dado para a dor excruciante em sua mão mutilada, mas era coisa da boa. Não se sentia tão chapada desde a adolescência, navegando em um mar de estupor repleto de ondas que afogavam suas preocupações e as arrastavam para longe. Ela estava boiando, boiando, boiando... Ocorreu-lhe que Sophia teria amado aquela viagem. Pietra soltou um risinho pelo nariz diante do pensamento e tampou a boca para não cair na gargalhada. Se as pessoas soubessem que eles davam drogas tão excelentes nos hospitais, todo mundo sairia por aí arrancando os próprios dedos.

Quando o telefone em seu criado-mudo tocou, Pietra simplesmente não lhe deu atenção, achando que o trimtrimtrim fosse apenas mais um dos efeitos colaterais dos medicamentos. O barulho parou e se repetiu. Só então ela entendeu que aquele som não tinha nada a ver com a viagem em que se encontrava.

Estendeu uma mão trêmula para o telefone, tão lenta que se sentia abrindo caminho por cortinas meladas, e tirou o aparelho do gancho.

- Quem é? – perguntou, tentando não rir da própria voz pastosa.

- Sua mãe está na linha e quer falar com você – disse uma mulher que Pietra não reconheceu. A recepcionista do hospital, talvez. – Só um segundo.

No estado em que ela estava, um segundo era uma coisa bastante relativa. Séculos pareceram passar antes que a voz de Miranda enchesse o telefone.

- Pietra?

- Oi, mamãe – riu Pietra. – Como está a vida dentro do telefone?

- A vida... Pietra, pare de brincadeira – a urgência e o medo que Pietra detectou na voz da mãe tiraram-na um pouco do estupor. O suficiente para que ela se sentasse ereta na cama. – Está aí?

- Oi, mamãe – parecia travada nessa frase. Meu Deus, iria pedir ao médico os nomes daqueles remédios. Ficaria rica contrabandeando aquelas merdas.

- Joanna sumiu – e, quando Pietra não respondeu: – Pietra, você me escutou? Joanna sumiu. Ela disse que queria ir ao banheiro eu sentei no banco para esperá-la e acabei cochilando e quando acordei Joanna não estava em lugar nenhum – Miranda disse num só fôlego e, surpreendentemente, começou a chorar. – A segurança do parque está aqui e eu liguei para o chefe Cohen mandar a polícia mas...

- Mamãe, vai devagar – pediu Pietra. – Estou meio lerda no momento.

Miranda suspirou fundo do outro lado da linha. Pietra pôde ouvir sua respiração trêmula e molhada.

- Joanna sumiu – repetiu Miranda, contando tudo outra vez, agora bem devagar, pausando ao fim de cada frase e sem engolir todas as vírgulas e pontos finais.

- Certo, entendi – tinha entendido um pouco, pelo menos. – Estou indo para...

- Não – disse Miranda. – Fique aí. Os policiais já estão chegando. Vou mantê-la informada. Tenho... Tenho certeza de que Joanna está bem.

Mas ela não tinha certeza nenhuma, e Pietra sabia disso.

Miranda desligou e Pietra lutou para colocar o telefone de volta no gancho. Recostou-se de novo no travesseiro da cama e viu uma sombra parada ao lado da porta fechada. Primeiro, pensou que um dos policiais que faziam a segurança lá fora tivesse entrado no quarto sem que ela notasse. Depois, reconheceu a forma grande e musculosa que espreitava na escuridão, fitando-a com um par faminto de olhos amarelos. Pietra tomou fôlego para gritar.

- Não grite – disse a coisa de olhos amarelos.

Pietra parou no meio da inspiração, de boca aberta como uma criança sentada na cadeirinha esperando pela colher de aviãozinho. A forma escura nas sombras sorriu.

- Ele queria vocês duas – disse a coisa. – Mas eu o convenci a ficar só com você.

Devagar, Pietra apalpou o colchão, sem nunca tirar os olhos da coisa de pé nas sombras ao lado da porta, e fechou os dedos no botão de chamar a enfermeira. Estava prestes a apertá-lo quando a forma alta começou a encolher, diminuindo e diminuindo até desaparecer por completo. Pietra apertou as pálpebras e balançou a cabeça.

Tornou a abrir os olhos. Estava sozinha.

Sentou-se na cama e estendeu a mão para o telefone, batendo nele em sua letargia e derrubando-o no chão. Os remédios não pareciam mais tão engraçados agora. Numa lentidão enlouquecedora, Pietra agachou-se e pegou o aparelho. O número da recepção estava anotado à caneta no corpo do telefone, e ela discou, apertando com cuidado os botões, um de cada vez para não errar.

A recepcionista atendeu no segundo toque.

- Preciso que você ligue para... – ah, meu Deus, como era mesmo o nome do lugar? Pietra fechou os olhos, visualizou o rosto de Sophia. – O Days Inn.

- Days Inn New Shore?

Caramba, Pietra esperava que sim.

- Isso mesmo – respondeu.

- Tudo bem. Aguarde um momento.

Ela aguardou. De novo, os segundos pareceram séculos. Quando a voz rouca de cigarro de uma mulher soou na linha, a impaciência fez Pietra gritar:

- Preciso falar com Sophia!

- Com quem? – perguntou a mulher de voz esfumaçada.

- Sophia.

- A garota com as tatuagens?

- Ela. Diga que é a Pietra.

- Vou transferir para o quarto dela – as pessoas não cansavam de transferir ligações na América? – Ela está sendo bem procurada hoje. Mais cedo a...

- Senhora, por favor, estou com pressa.

A mulher fez um muxoxo, mas transferiu a ligação. Pietra escutou um tuuu, tuuu, tuuuu... Por favor, Sophia, esteja aí, não me abandone de novo, por favor.

- Pietra? – atendeu Sophia, e Pietra soltou um suspiro de alívio.

- Ele está com Joanna – Pietra soou incrivelmente calma. Sentada no chão, ela apoiou a cabeça no colchão e fitou o teto branco do quarto. – Ele pegou minha filha.

- Como você sabe disso? – e, antes que Pietra pudesse responder, Sophia cortou-a: – Pietra, onde ele está?

- No parque de diversões – falou Pietra. – Aquele em que costumávamos ir quando éramos mais novas. Ele pegou Joanna lá – e contou para Sophia tudo o que Miranda lhe dissera ao telefone. – Não sei como sei disso, mas sei que é ele. Chame de instinto materno ou o que for.

- Certo – Sophia ficou em silêncio por um tempo. Pietra imaginou aqueles grandes olhos bonitos dela indo de lá para cá como faziam quando Sophia estava pensando, o lábio inferior enfiado entre os dentes. – Estou indo para lá agora mesmo.

- Vejo você lá – Pietra levantou-se. – Vou dar um jeito de...

- Pietra, não! – disse Sophia. – Você fica aí. Escutou? Não saía desse quarto e não vá para aquele parque.

- Posso não saber usar uma arma como você, Sophia, mas sou capaz de me defender. E é da minha filha que estamos falando.

- Meu Deus, como você é tei-mo-sa! – Sophia elevava a voz a cada sílaba. Pietra sentiu-se outra vez com quinze anos, discutindo com ela em uma roda-gigante. Por alguma razão, isso encheu-a de uma vontade de sorrir. Ou talvez fossem só os remédios. – Pietra, a questão não é essa. Você tem que ficar aí, porque ele espera que você saía daí. Joanna é uma isca. Ele quer que você vá até aquele parque de diversões.

- Eu não...

- Lembra-se das coisas que ele disse no porão? Aquele papo sobre como você e eu somos uma só, sobre Akai Ito, sobre como nós duas seremos a tal da obra final dele? – Pietra torcia a boca, enrolando o fio do telefone com o dedo indicador. – Ele sabe que eu irei atrás dele, e também sabe que você irá atrás de Joanna. E então ele terá nós duas no mesmo lugar. Exatamente o que ele quer.

Pietra sentiu as pernas bambearem. Caiu sentada na cama, apoiou a cabeça na mão machucada e enfaixada e começou a chorar.

- Pietra. Meu amor, me escute – disse Sophia. – Confie em mim, está bem?

- Eu confio – Pietra fungou. – Sempre confiei.

- Então confie por mais um tempo. Eu posso fazer isso, Pietra. Vou pegá-lo e, se Joanna estiver com ele, vou salvá-la. Juro para você. Mas preciso que você fique aí.

Pietra balançou a cabeça. E, indo contra todos os seus instintos de mãe, contra todas as vozes que gritavam para ela se levantar e correr até a filha, salvá-la do monstro que a apanhara, contra o fogo que sentia queimar na boca de seu estômago, disse:

- Tudo bem.

- Ótimo – disse Sophia. – Estou indo para o parque agora. Aviso assim que tudo estiver acabado.

- Estou confiando a vida da minha filha a você, Sophia. Não me decepcione dessa vez.

Um silêncio tomou conta do outro lado da linha.

- Eu vou trazer sua filha de volta – disse Sophia por fim. – Viva e bem. Prometo.


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