A Voz da Escuridão.

By guiguiroseira

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[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de... More

A Voz da Escuridão.
Ato 1 (1988).
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Ato 2 (2009 - 2014).
Parte I
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Parte II
SÁBADO
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DOMINGO
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5 (i)
5 (ii)
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SEGUNDA-FEIRA
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AVISO: Comemoração.
TERÇA-FEIRA
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14 (I)
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18 (I)
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QUARTA-FEIRA NEGRA (I)
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2 (I)
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PARTE III
Quarta-Feira Negra (II)
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PARTE FINAL
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EPÍLOGO
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FINAL
Nota do Autor.
Comemoração Concurso StoryTeller.
A VIAJANTE. LANÇAMENTO: 12 DE MARÇO.

19

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By guiguiroseira


- Pietra, você tem que ficar parada. Como é que eu vou conseguir desenhar você se você fica se mexendo como se formigas mordessem sua bunda?

- Mas eu estou parada.

- Não está, não. Está se contorcendo toda.

- Okay, desculpe... Sophia?

- Que é?

- Me desenhe como uma de suas garotas francesas.

- Como quiser, Kate Winslet. Agora fique parada, ou eu vou ter que deixar você

***

presa. Não mais por cordas, mas sim por uma algema, uma das argolas frias envolvendo seu punho esquerdo e a outra fechada no que parecia ser um cano de calefação na parede do porão. Ela deu um puxão débil, escutou o metal tilintar, e abriu as pálpebras. A luz vermelha inflamou sua vista, e Sophia levantou a mão direita para proteger os olhos daquela infecção escarlate. Só que não havia mais uma mão. Havia apenas um toco enrolado em ataduras brancas, com uma mancha escura marcando o local onde o membro fora decepado. Não doía, mas um cheiro de carne queimada desprendia-se dele, um aroma de churrasco em uma tarde de sábado. Sophia começou a chorar.

***

- Acabou?

- Falta só um pouco agora.

- Estou com câimbras. Posso me mexer?

- Pode. Prontinho.

- Sério? Deixa eu ver como ficou.

- Não ficou láááá essas coisas. Você não parava quieta, por isso não consegui pegar alguns detalhes.

- Ah, então a culpa da pintura estar ruim agora é da modelo e não de quem segura o pincel?

- Você quer vê-la ou não?

- Quero, dá aqui... Ah, Sophia, meu Deus.

- Eu sei, não está muito boa. Eu não...

- Não, não. Está... está linda.

- Mesmo? Gostou de verdade?

- Está maravilhosa. Maravilhosa como você, So

***

phia? Sophia?

- Cale a boca. Agora não.

Mas não era sua velha amiga quem a chamava. Era outra pessoa. Ali com ela no porão. Sophia tornou a abrir os olhos, fazendo questão de manter o toco sangrento fora de vista e encarando as botas.

- Sophia? É você?

Sophia voltou o rosto na direção da voz e viu Pietra deitada na mesa do porão. Ela estava imóvel como uma estátua de mármore. Exceto pela cabeça, virada de lado para que ela pudesse olhar Sophia. Elas se encararam naquele lugar escuro, quente e que cheirava à morte, e Pietra sorriu.

- É mesmo você? Ou eu estou alucinando de novo?

Sophia encostou a nuca na parede atrás de si e também sorriu, mesmo às lágrimas. Apesar das lágrimas. Naquele momento tudo sumiu de sua mente: Chapman, Grimmes, o assassino com elas na casa, a mão decepada, o fato de que, provavelmente, nunca mais iria desenhar na vida. Lembrou-se da vez que dera o Akai Ito para Pietra, do modo como a realidade parou e perdeu a graça quando ela entrou no restaurante japonês com uma tiara nos cabelos cacheados. Todos esses anos depois, e Pietra ainda tinha aquele efeito sobre ela. Ainda silenciava o seu mundo.

- Não é alucinação – disse Sophia. – Estou mesmo aqui.

- Ha! – soltou Pietra, e começou a rir. Sophia a acompanhou, lágrimas de felicidade se misturando com as de tristeza. – Ha!

- Eu estava pensando em você. Ou sonhando com você, não sei. Lembra-se daquele dia em que você me pediu para fazer um desenho seu?

- Que eu... Sophia, o que você está fazendo aqui?

- Tentando salvar você – disse Sophia, e chacoalhou o punho esquerdo. A algema que a prendia ao cano tilintou. – E fazendo um péssimo trabalho.

O sorriso morreu aos poucos no rosto de Pietra.

- Obrigada – ela disse. – Obrigada por vir. O que aconteceu com sua mão?

Com uma careta, Sophia puxou o toco enfaixado para trás das costas. Não queria olhar para aquilo, e queria muito menos que Pietra visse a situação precária em que se encontrava.

- Não foi nada – ela disse. – Pietra, consegue se mexer?

Devagar, como se fosse uma recém-chegada ao mundo e estivesse testando os limites de seu corpo, Pietra girou a cabeça. O resto, no entanto, permaneceu imóvel.

- Não – ela disse. – Ele me deu alguma coisa, Sophia. Enfiou uma agulha em mim. Lembra-se de como você costumava odiar agulhas?

- Ainda odeio.

Os olhos de Pietra caíram outra vez sobre Sophia. Continuavam os mesmos, aqueles olhos: amendoados, enormes e famintos, como se quisessem ver tudo o que há para se ver no mundo de uma vez só.

- Onde ele está? – dava para perceber na voz de Pietra a força que ela fazia para manter o autocontrole.

- Não sei, Pietra – disse Sophia. – Mas vai ficar tudo bem. Prometo.

Que mentira. Que mentira suja. Mas Pietra precisava de um pouco de fé, e Sophia supunha que mentir em prol da esperança fosse algo perdoável. Deus era testemunha de que ela já tinha mentido para Pietra por muito menos.

- Eu quero ver minha filha de novo, Sophia – disse Pietra. – Quero abraçá-la outra vez.

Sophia também queria de novo aqueles bracinhos envolvendo seu pescoço. Por isso obrigou-se a, pelo menos, tentar alguma coisa. Olhou em volta, perguntando-se quantas horas passara desacordada. Ou seriam minutos? Talvez dias? Aquela luz do porão transformava o tempo em um eterno crepúsculo vermelho, e era impossível ter qualquer noção do passar dos segundos.

Cadê você, Benny? Cadê você?

Teria que tirar a algema. Arrebentá-la ou abri-la de alguma forma. Era a única opção. Levantou a mão direita e estendeu os dedos na direção da argola em seu punho esquerdo. Então soltou um urro de frustração. Que mão? Que dedos?

- Filho da puta – sussurrou. E depois, a plenos pulmões: – FILHO DA PUTA!

Como se escutasse o chamado, ele abriu a porta no topo da escada. Sophia escutou-a ranger nas dobradiças, e depois os passos. As botas nos degraus, descendo na direção delas. Na mesa, Pietra tinha assumido uma expressão de puro terror: suas feições se contorciam como se fossem cair de seu crânio e ela gritava. Era horrível vê-la daquele jeito, balançando a cabeça de um lado para o outro enquanto o resto de seu corpo se recusava a levantar e correr.

- Pietra? Pietra! – gritou Sophia, e Pietra olhou-a, o peito subindo e descendo sem ritmo, o suor brilhando na testa. – Pare com isso e fique calma. Vou tirar a gente daqui.

- Mas...

- Colocaram a conversa em dia?

Lá estava ele, alto, forte e escuro. Um filho perfeito das trevas, vestido de negro da cabeça aos pés. Trazia na mão enfaixada uma calibre .45, e seus olhos rolavam de Pietra para Sophia. Havia algo por trás daquelas íris amarelas. Uma sombra. O monstro no fundo do oceano, vendo o que o homem via, sentindo o que ele sentia.

- Imaginei que vocês precisassem de um momento – ele disse. – Mas o tempo acabou.

- Deixe-a ir – disse Sophia. – Eu faço o que você quiser. Prometo não resistir, não lutar ou tentar escapar. Mas deixe Pietra ir embora.

Ele deitou a cabeça um pouco para o lado.

- Não posso, Sophia. E já expliquei o motivo. Mas nós vamos embora, sim. Todos nós. Não vi nem sinal dos seus amigos lá fora, mas não quero ser interrompido. Não agora, no meio da minha obra final. Tenho outro lugar para onde podemos ir e ficar em paz.

Ele caminhou até Pietra e estendeu a mão esquerda para tocá-la. Segurou um de seus seios morenos e apertou de leve. Pietra gritou.

- Tire a mão dela! – Sophia levantou-se e atirou-se contra ele. A algema em seu braço esquerdo a puxou de volta e ela caiu sentada no chão, a dor explodindo no ombro baleado. – Não toque nela!

O homem virou-se para Sophia, balançando a cabeça como um adulto que vê uma criança amada sendo malcriada e precisa dar-lhe um esporro.

- Não tente sair daí, ou vai acabar se machucando – ele disse. – Como está sua mão?

Bom, no momento Sophia estava mais preocupada em saber onde estava sua mão.

- Confesso que fiquei com um pouco de medo, você sangrou muito, mas eu...

- Eu vou matar você – disse Sophia. – Está escutando? Eu não vou acordar você. Não vou prender você ou jogar você em um hospício. Eu vou matar você.

Ele deu um passo na direção de Sophia, e a luz vermelha do porão cobriu seu rosto, transformando-o em algo sem face. O coração de Sophia virou um pedaço de gelo em seu peito, e aqueles olhos amarelos fixaram-se nos dela. Dessa vez ela viu: a coisa escura movendo-se dentro da mente dele. Podia quase escutá-la sussurrar. Se não estivesse drogada, Sophia tinha certeza de que conseguiria conversar com ela. Então o homem piscou e a sombra no interior de seu crânio sumiu.

- Sei que é difícil – ele disse. – Mas você ainda vai entender, Sophia. Um dia. Quando estiver comigo no Infinito, unida à Pietra e em êxtase eterno nas minhas estantes, você vai compreender tudo o que eu fiz. Vai entender a minha obra.

Ele abriu bem os braços, como se esperasse que Sophia se levantasse e o envolvesse em um abraço.

- E foi tudo para você, Sophia. Tudo por você que...

Cá-blau! A porta no alto da escada abriu-se com um estrondo e Sophia encolheu-se no chão, achando que o homem tinha disparado a calibre .45. Mas não: ela escutou os passos e olhou para ver o exato momento em que Chapman descia os degraus, a Glock .40 apontada e a camisa branca banhada em vermelho. Um vermelho que não vinha da luz do porão.

- Afaste-se dela! – Chapman parou no meio da descida e apontou a Glock para o homem. – Afaste-se dela agora!

O assassino de Danny Straub e Ashley Morgan voltou-se para Chapman, e seu rosto se transformou. Não foi apenas uma expressão de raiva, ódio ou frustração por ver Chapman ali, apontando uma arma para ele e ameaçando seu plano traçado cuidadosamente durante tantas e tantas noites escuras. Seu rosto realmente se transformou, como se até aquele momento estivesse coberto por uma máscara que agora caía por terra e revelava o monstro interior. Naquele instante, Sophia entendeu que não havia mais ser humano algum habitando o corpo daquele homem: que qualquer resquício de humanidade tinha desaparecido há muito tempo, e tudo o que restava era aquela coisa negra e feia, contorcida, de olhos amarelos e dentes podres que mastigavam pensamentos.

- Vá embora! – disse a coisa. – Não há lugar para você em nossa obra final. Vá embora!

Chapman descia devagar a escada. Apertava o abdômen com a mão esquerda, os dedos cobertos de sangue. Mas seu rosto, embora pálido e brilhante de suor, estava firme. Assim como sua voz.

- Pedi reforços – disse Chapman. – Eles vão chegar a qualquer momento. Você não tem muito tempo, então afaste-se dela.

- Mentiroso – disse a coisa, embora sua voz traísse a confiança que ele fingia sentir. – Não há ninguém vindo. Vocês estão sozinhos conosco no escuro.

- Pague para ver – Chapman tinha chegado ao final da escada e agora movia-se em um círculo no porão, aproximando-se lentamente de Sophia e mantendo a Glock apontada para a coisa vestida de homem. – Garanto que a conta vai ser bem alta.

A coisa hesitou. Sophia não conseguia ler os pensamentos dela por causa da droga em seu corpo, mas não precisava do seu dom para saber o que se passava naquela mente insana: se Chapman estivesse mesmo falando a verdade sobre os reforços estarem a caminho, então a obra final acerca da qual o assassino não parava de tagarelar tinha sido cancelada.

- E então? O que vai ser? – Chapman parou de costas para Sophia. Erguia-se diante dela como um escudo. – Vou lhe dar só uma chance para ficar de joelhos e cruzar as mãos atrás da cabeça.

- De joelhos? Pra você? – o rosto da coisa se contorceu. – Você é quem vai ficar de joelhos para nós.

A coisa levantou a arma no mesmo instante em que Sophia gritava:

- Benny, cuidado, ele tem uma...

E sua voz perdeu-se em meio ao som dos tiros.

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