Voltei pouco antes do anoitecer de ontem como havia prometido a Frank. Esperava que sairíamos da padaria ainda ontem a noite mas Frank ponderou que fosse melhor continuar por ali e eu não discuti. Usei o resto da noite como mais um tempo extra para pensar e hoje ao acordar percebi que era exatamente disto que eu precisava.
Fui acordado pelo barulho dos passos de Frank assim que o sol nasceu e não demorei a me por de pé. Fizemos um lanche rápido antes de partimos e agora já passa das 9 da manhã, quando fizemos a primeira pausa.
- Quando você acha que é seguro voltar pra zona onde estão seus abrigos?
- Não sei se seguro é a palavra certa, mas julgo que já está na hora de vermos como as coisas estão. Preciso saber pelo menos se meus abrigos ainda estão em ordem.
- Vamos fazer o percurso de volta a pé?
- Sim. É bom evitarmos as estradas, nessa região possa ser que haja alguns do grupo de reconhecimento.
A pausa não demorou muito e voltamos a caminhar alguns minutos após pararmos e eu também logo retomei a conversa.
- Eu andei pensando... Se pegássemos algum dos caras deles, será que conseguiríamos uma troca?
- O quê? Um deles pela garota?
- Sim.
- Não. – Frank disse balançando a cabeça num gesto negativo. – Eles jamais fariam essa troca.
- Por que não?
- Porque uma mulher pra eles vale mais que um qualquer que faça parte dos grupos de busca ou reconhecimento. E além do mais, teria nossas cabeças em jogo, O Comandante não nos deixaria escapar em troca da vida de um de seus homens de papel.
- Comandante?
- É o líder deles, não te falei?
- Não que eu me lembre.
- Que bom que você não teve o desprazer de nem sequer ouvir falar dele.
- Você o conheceu?
Frank deu uma pausa na respiração e meu olhou de um jeito diferente, por alguns segundos ele parecia outra pessoa, mas num instante voltou ao normal e retomou a conversa.
- Eu já o vi... – Frank parou a fala por alguns segundos. – Mas não sei muito sobre ele, apenas que é um facínora desgraçado e responsável por toda a selvageria dos grupos de busca.
- Esse tal comandante é o alvo principal da sua vingança?
- Ele também, mas tem outro homem que eu quero matar mais do que ele. – A voz de Frank chegou a vibrar de ódio nesse momento.
Ao perceber que se tratava de um assunto incomodo para Frank eu não dei continuidade a conversa e apenas ao tocar seu ombro falei:
- Conseguiremos isso juntos. No mais, foi bom saber o nome do homem que eu irei matar.
Seguimos nosso caminho de volta até a zona onde estão os abrigos de Frank e passávamos em meio a uma rua não muito diferente daquela da padaria de onde partimos mais cedo. Uma pequena rua comercial cercada por lojas e pequenos prédios, situada numa cidadezinha a meio dia de caminhada do nosso ponto de saída.
Tudo parecia normal, o número de mordedores continua relativamente baixo pela região e nada fora do previsto acontecera até o momento. Zumbis esporadicamente cruzaram nosso caminho mas sempre em números baixos, perambulando sozinhos e sem causar muito perigo a nós e não foi diferente aqui.
Enquanto avançávamos pela rua notamos um zumbi caminhando mais a frente e pra quebrar o clima monótono da caminhada Frank se pronunciou.
- Já deixamos muitos passar e faz tempo que não te vejo usando isso. – Falou fazendo referência ao arco. – Acho que é uma boa hora de por sua mira a prova.
- Você está bastante preocupado sobre minha perícia com o arco, a essa altura ainda não confia em mim? – Falei num tom leve.
- Não é que eu não confie. – Ele falou tocando ao meu ombro. – É que provavelmente minha vida vai depender da sua habilidade com isso um dia e eu não quero morrer porque você errou uma flecha.
- Nós devíamos apostar pra você quebrar a cara mais uma vez.
- Estamos a menos de 25 metros dele, eu não vou apostar é sua obrigação acertar. Ou será melhor nos afastarmos a partir daqui. – Frank disse num tom irônico.
Não era um disparo difícil e eu estava despreocupado em relação a isso. Preparei-me e pus a flecha em posição, tensionei a corda e assim que disparei a flecha simultaneamente um disparo foi feito atingindo a cabeça do zumbi.
Assim que ouvi o tiro e vi a cabeça do zumbi se desfazendo em pedaços corri na direção de um lugar para me abrigar e a primeira coisa que vi foi um carro parado alguns metros a minha esquerda. Fui em disparada até ele e Frank teve a mesma idéia que eu, seguindo meus passos quase que instantaneamente.
Frank passou pela parte de trás e eu pulei sobre o capô do carro caindo na sarjeta entre a calçada e as rodas do veículo. Assim que nos agachamos por trás das portas do automóvel uma voz ecoou pela rua.
- LARGUEM AS ARMAS, AS MOCHILAS E TODOS OS PERTENCES E VÃO EMBORA!
- Mas que droga! Você de viu de onde droga veio aquele tiro? – Perguntei a Frank.
- Não, mas to procurando de onde vem a voz.
- LARGUEM AS ARMAS E MOCHILAS E VÃO EMBORA, AGORA! – A exigência foi feita mais uma vez seguida logo depois por mais um disparo que dessa vez acertou o vidro de algum outro carro na rua.
- Mas que merda...
- A voz vem do alto. O desgraçado está em cima de um desses prédios, precisamos achá-lo.
Ao mesmo tempo em que tentávamos nos esconder eu e Frank procurávamos de alguma forma encontrar onde o desgraçado estava, mas era difícil fazer isso sem se expor. Se Frank estiver certo e o cara estiver em cima de um desses prédios ele teria visão privilegiada sobre nós, se expor aqui seria o mesmo de assinar o próprio atestado de óbito.
- ESS É O ÚLTIMO AVISO. LARGUEM...
- Já sei. – Falei chamando a atenção de Frank enquanto o homem repetia suas exigências.
Frank olhou para mim e eu bati com a mão no retrovisor esquerdo do carro que estava bem acima de mim. Acertei com força suficiente para derrubá-lo e com um movimento só o arranquei do suporte na porta. Posicionei o espelho do retrovisor um pouco a minha frente e com cuidado fui manuseando-o pros lados vasculhando todos os telhados dos prédios ao lado direito da rua.
Fui observando um a um até encontrar o homem sobre um deles portando um rifle.
- Achei o desgraçado.
- Onde?
- Prédio amarelo. – Baixei o retrovisor e levantei um pouco a cabeça para olhar pelas janelas do carro. – Três prédios atrás do sedan prata no lado direito.
- Já vi.
Mais um disparo foi feito, dessa vez na direção do carro onde nos abrigávamos. Eu não sei se o homem havia nos achado ou atirava a esmo mas não tínhamos tempo para descobrir isso, pois o próximo disparo poderia ser certeiro em um de nós.
- Eu vou até o outro carro lá na frente. – Frank falou se preparando para correr. – Fica ligado que você vai ter que usar isso no meu sinal. – Ele falou mais uma vez em menção ao meu arco.
- O que você vai fazer?
- O cara ta com um rifle, não é? O campo de visão dele é muito bom no ponto focado mas ele perde praticamente toda sua visão periférica com isso. Eu vou pra lá e irei me render a ele, assim que eu chamar atenção fazendo isso você o acerta com a flecha, ok?
- Tá eu entendi.
- Posso confiar em...
- Vai logo! – Apressei Frank antes que o desgraçado desse o próximo disparo.
Assim como Frank havia avisado ele correu abaixado pela lateral da rua e alguns metros a frente ele se ergueu com as mãos para cima e avisando que estava se rendendo.
Antes que o atirador dissesse ou fizesse qualquer coisa eu subitamente me levantei em frente ao carro com o arco pronto para o disparo e numa mira quase que instintiva disparei contra o sujeito. Um disparo foi feito por ele logo em seguida fazendo com que eu e Frank procurássemos abrigo mais uma vez.
Voltei a me abaixar atrás do carro em que estava e Frank se escondeu atrás do pilar da marquise de uma loja. Espreitei pela janela do carro, em direção aonde o homem estava, esperando o ver novamente mas ao passar de alguns segundos ele não apareceu.
Frank ao também notar que o homem não esboçou mais nenhuma reação decidiu ir até o telhado onde ele estava. Caminhamos atentamente pela rua até chegar ao prédio onde o atirador estava e subimos com cuidado para evitar sermos pegos de surpresa.
Frank foi a minha frente com sua pistola em mãos e eu segui logo atrás carregando uma faca comigo. Ao chegarmos na porta que dava acesso a escada fomos surpreendidos por um zumbi acorrentado a ela pela parte de dentro que quase conseguiu alcançar Frank.
Aquilo provavelmente foi uma armadilha deixada pelo cara que havia atirado em nós e isso só redobrou nossos cuidados daí em diante. Não muito depois alcançamos o telhado e Frank foi à frente enquanto eu me certifiquei de escorar a porta aberta deixando nítido um caminho de fuga em caso de problemas.
Antes de alcançar em definitivo o terraço ouvi voz de Frank dizer que o homem de fato estava morto.
- Uma flecha bem na garganta, Jotah. Belo disparo.
- Acha que era alguém do grupo de reconhecimento? – Falei enquanto caminhava na direção dos dois.
- Não. Não acho que seja.
Assim que cheguei ao lado de Frank e pude ver o corpo do atirador eu pude ter certeza de que não se tratava de um dos observadores do grupo de reconhecimento.
- Eu conheço esse cara.