A Voz da Escuridão.

Von guiguiroseira

53.5K 8.9K 2.9K

[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de... Mehr

A Voz da Escuridão.
Ato 1 (1988).
1
2
3
4
5
6
Ato 2 (2009 - 2014).
Parte I
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19/20
21
22
23
24
25
26
27
28
29/30
Parte II
SÁBADO
1
2/3
4
5
6
7
8
DOMINGO
1
2
4
5 (i)
5 (ii)
6/7
8
9
10
SEGUNDA-FEIRA
1
2
3
4
AVISO: Comemoração.
TERÇA-FEIRA
1
2
3
4
5
6
7/8
9
10
11
12
13
14 (I)
14 (II)
15/16
17
18 (I)
18 (II)
QUARTA-FEIRA NEGRA (I)
1
2 (I)
2 (II)
3
4/5
6
7
8/9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
PARTE III
Quarta-Feira Negra (II)
1
2
3
4
5
6
7
8 (I)
8 (II)
9/10
11
12
13
14
15 (I)
15 (II)
16
17
18
PARTE FINAL
1/2
3/4
5
6
7
8
9
EPÍLOGO
1
2
3
4
FINAL
Nota do Autor.
Comemoração Concurso StoryTeller.
A VIAJANTE. LANÇAMENTO: 12 DE MARÇO.

3

289 56 8
Von guiguiroseira


Quando o sol de domingo nasceu, Watson continuava acordado na cama, encarando o teto do quarto que alugara no Days Inn New Shore, o hotel no qual ele e Grimmes haviam se hospedado.

Não pregara os olhos a noite inteira. Chegara a cochilar um pouco, mas nada que pudesse ser chamado de sono. Sentia-se um menino de 5 anos sofrendo de terrores noturnos: toda vez que adormecia, tinha pesadelos que o faziam acordar com um pulo no colchão, empastado de suor e respirando com dificuldade. Em um desses sonhos, ele corria por uma floresta sem fim, fugindo de alguma coisa que o perseguia por entre as árvores gigantescas. Raízes vivas se contorciam no chão e tentavam se enroscar em seus tornozelos; galhos se inclinavam em sua direção, como dedos cadavéricos que buscavam quebrar seu pescoço. Em algum momento, ele tropeçava e caía de joelhos, e a última coisa que via era um par de olhos laranjas saído da escuridão quando a besta que o perseguia finalmente o alcançava. Em outro sonho, Watson se via em um lago cercado por cortinas de névoa, mergulhado na água até a cintura. Não conseguia enxergar um palmo à sua frente, mas escutava gralhas berrando em algum lugar ali perto. Tentava andar, e dedos frios se fechavam em sua panturrilha, puxando-o para baixo. Ele lutava, chutava e resistia, porém a força do que quer que o agarrasse era muito maior, e ele afundava. Olhava para baixo e dava de cara com o rosto de um cadáver. Um menino com a pele carcomida e esticada no crânio, sorrindo para ele com dentes amarelos e uma língua negra. Seu globo ocular esquerdo não passava de um emaranhado frenético de vermes que se contorciam, e seu único olho direito era uma esfera leitosa e cega. Nos cabelos pretos, uma galhada de chifres cor de madeira podre. Watson fazia um último esforço para escapar do garoto morto, mas então a água entrava em seus pulmões e as trevas o cobriam.

Foram esses os monstros que, saídos de seu subconsciente traumatizado, mantiveram Watson acordado a noite inteira. E agora já passava das 7h da manhã, e Watson precisava colocar-se de pé, embora a perspectiva de encarar o dia sem ter descansado um minuto sequer não fosse nada animadora. Imaginou se Danny Straub alguma vez já passara a madrugada em claro por causa de pesadelos. Se ele já se levantara às 3h da manhã e correra para o quarto dos pais depois de sonhar com algo ruim. Podia vê-lo se enfiando no colchão de casal, espremendo-se entre Johnny e Mary-Anne, a mãe beijando-lhe os cabelos e o pai ficando com apenas um cantinho da cama, fingindo irritação, mas feliz por ter o filho perto de si.

Esse pensamento tirou Watson da cama. Não parecia certo ficar deitado enquanto o filho da puta que assassinara os Straub continuava lá fora, livre para matar mais gente. Ele tomou uma rápida chuveirada e vestiu-se com as roupas amarrotadas que usara no dia anterior. Estava escovando os dentes quando seu celular tocou em cima do criado-mudo. Watson cuspiu na pia e pegou o aparelho, esperando que a ligação fosse de sua esposa, mas lendo "Chapman" na telinha.

- Alô?

- Acordei você? – disse Chapman.

- Não – suspirou Watson. Sentou-se no colchão e esfregou o rosto com barba por fazer. – Eu já estava de pé.

- Imaginei – a voz de Chapman soava cansada. Watson perguntou-se se o diretor também passara a noite acordado depois de ir embora de New Shore, sendo perseguido por monstros madrugada adentro. – Tenho uma informação sobre o assassino. É importante.

Os alarmes internos de Watson apitaram. Ele pegou um bloquinho de anotações e uma caneta que trazia no bolso.

- Manda – disse.

- Ele tem uma cicatriz no pescoço – disse Chapman.

A mão de Watson hesitou. Ele encarou o bloquinho aberto em sua perna, a folha em branco olhando-o de volta, e baixou a caneta.

- Como é? – perguntou.

- O assassino tem uma ci...

- Não, não – disse Watson. – Como diabos você pode saber disso?

Silêncio da parte de Chapman. Nada além de estática.

- Chapman?

- Consegui com uma fonte confiável – disse Chapman.

Watson aguardou, o celular pressionado com força contra a orelha direita. Quando Chapman não deu mais explicações, Watson disse:

- Ela está aí, não está?

- Quem?

- Você sabe de quem eu estou falando.

Um suspiro do outro lado da linha.

- Yuri...

- Posso falar com ela? – Watson não pretendia dizer isso, mas as palavras simplesmente vieram à sua boca. Talvez fosse a saudade falando.

A hesitação de Chapman era quase palpável. Dava para senti-lo lutar contra si mesmo, tentando se decidir entre mentir ou contar a verdade a Watson.

- Ela está dormindo – Chapman disse.

A mão de Watson fechou-se em um punho e ele tapou a boca.

- Ela chegou ontem à noite – continuou Chapman –, pouco antes de eu ir para New Shore.

- Ela está bem? – perguntou Watson.

- Está. Yuri, escute: não comente sobre ela com ninguém, está bem? Ela é uma fugitiva. Se Harvey ficar sabendo que...

- Eu sei, eu sei. Não direi nada – cortou-o Watson, esfregando o rosto para desanuviar a mente. No momento, seus pensamentos se viam tomados por um par de olhos verdes. – Então: uma cicatriz no pescoço. Alguma outra coisa?

- Não. O desgraçado usava uma máscara. Mas uma cicatriz no pescoço é um bom ponto de partida. Não acho que haja muita gente com um ferimento assim por aí.

- Concordo – Watson fechou o bloquinho.

- Vou deixar vocês trabalharem – disse Chapman. – Mantenha-me informado. E pegue o filho da puta.

- Vou pegá-lo. E você não a deixe escapar de novo.

- Não vou.

Desligaram. Antes que Watson pudesse colocar o celular no bolso, o aparelho começou a tocar novamente. Era um número desconhecido.

- Sim? – atendeu.

- Agente Watson? – disse uma voz que Watson não identificou a princípio. – Aqui é o chefe de polícia Dell Cohen. O senhor me deu seu número ontem à noite.

- Claro. Aconteceu alguma coisa?

- Encontramos outro corpo – disse Cohen. – Uma mulher. Acho que... Acho que pode ter ligação com o que aconteceu com os Straub.

- Por quê?

Cohen hesitou antes de responder:

- A filha da mulher está desaparecida.

***


Ela chamava-se Ashley Morgan, uma coisinha angelical de cabelos dourados e um par de olhos azuis de fazer inveja ao céu. Havia uma foto dela na sala da casa onde ela morava, e Watson passou um longo tempo estudando o rosto da menina, sentindo-se inquieto. A origem de seu incômodo residia no fato da garota na fotografia não se assemelhar em nada com Danny Straub. Não havia nenhum traço ou detalhe que ligasse os dois. Na maioria das vezes, psicopatas seguiam um padrão, escolhiam suas vítimas levando em conta um fator comum. Cor dos cabelos, dos olhos, da pele, altura, sexo, idade. Apenas essa última opção parecia válida a Watson – Ashley tinha 8 anos e Danny, 7 – e, ainda assim, não passava a impressão de ser o caminho correto.

Ele colocou o porta-retratos de volta na estante e virou-se para o pai da garota. Sentado no sofá, com o rosto tão amassado quanto o terno que usava, o pobre homem parecia ter acabado de sair do inferno. Tony Morgan chegara em casa na tarde do dia anterior, depois de uma viagem a negócios, e não encontrara sua filha nem tampouco sua mulher. A segunda quem encontrou foi um balconista de um posto de conveniência em New Shore. De acordo com o chefe de polícia Cohen, o jovem funcionário saíra para dar uma mijada e acabara se aliviando nas calças ao achar o corpo de Stella Morgan caído à porta dos banheiros, a cabeça obliterada por um tiro, o crânio e o cérebro espalhados como sopa de tomate pelas paredes e piso do toalete feminino. O carro da família continuava estacionado próximo às bombas de gasolina, vidros abertos e abandonado.

Da menina, nem sinal.

- Não entendo por que estão me perguntando essas coisas outra vez – dizia Tony Morgan para Grimmes, que se sentava no sofá em frente ao homem. – Eu já disse tudo à polícia ontem.

Um copo de gim tremia nas mãos do Sr. Morgan, e Watson não pôde repreendê-lo por querer beber em uma situação daquelas.

- Eu sei – disse Grimmes para o Sr. Morgan. – Mas surgiu uma coisa nova, por isso nós...

- Uma coisa nova? – os olhos de Tony Morgan correram de Grimmes para Watson, depois de volta para Grimmes. O desespero no rosto do homem era de partir o coração. – Sobre minha filha? Vocês a encontraram? Vocês...

- Não, Sr. Morgan – Grimmes acalmou-o. – Ainda não encontramos sua filha.

- Então o que vocês estão fazendo aqui?

Watson suspirou fundo. Já era ruim o bastante para o homem ter que lidar com o assassinato da esposa e o desaparecimento da filha, e Watson não podia imaginar como era ter que repassar tudo aquilo duas vezes em menos de 24 horas. Ele sentou-se ao lado de Grimmes e inclinou-se na direção de Tony Morgan, olhando-o no rosto abatido.

- Sr. Morgan – disse Watson –, não consigo nem começar a entender como isso tudo deve ser difícil para o senhor. Mas o assassinato de sua esposa e o desaparecimento de sua filha podem estar conectados a algo maior. E, se o senhor puder responder a algumas de nossas perguntas, estará ajudando a salvar Ashley e a pegar o homem que a levou. Compreende?

No momento, Tony Morgan era provavelmente incapaz de compreender qualquer coisa que não fosse sua angústia, mas, mesmo assim, o homem fez que sim com a cabeça e esfregou o rosto macilento, dando pequenos tapinhas nas bochechas, como quem acaba de acordar cedo demais em um dia chuvoso. Deixou de lado o copo de gim e assentiu para Watson.

- Sim. Eu... Eu entendo. Vou fazer o máximo possível para ajudar.

- Obrigado – disse Watson. Esperou Grimmes pegar um bloquinho de anotações e uma caneta, antes de continuar: – Prometo que não vamos demorar.

- Está bem.

Watson tirou do bolso uma foto da família Straub. Johnny e Mary-Anne sentados no sofá da sala, com Danny entre eles. Passou a fotografia para Tony Morgan.

- O senhor conhece essas pessoas?

Tony Morgan baixou os olhos cansados para a fotografia e estudou-a por um tempo. Acabou por balançar a cabeça.

- Não – ele disse, e sua testa se franziu. – Eu... Ah, meu Deus. Sim. Eles estão nos jornais. É aquela família que foi morta – Tony Morgan arregalou os olhos para Watson e Grimmes, o queixo tremendo de leve. – Vocês acham que... Jesus, vocês acham que o homem que fez aquilo matou a minha esposa e levou a minha garotinha?

- É o que estamos investigando – disse Watson. – Sr. Morgan, você já viu sua filha com o menino dessa foto?

- Não, nunca – Tony Morgan balançou a cabeça.

- Talvez eles estudem na mesma escola – sugeriu Watson, ansioso por uma ligação, por qualquer coisa que conectasse as vítimas.

- Impossível. Ashley não ia à escola. Ela tinha aulas particulares aqui em casa – disse Tony Morgan. – Ela sempre foi uma menininha introvertida. Tentamos colocá-la na escola uma vez, mas Ashley teve um ataque de pânico. Então optamos por educá-la aqui. Ela sentava-se no quarto com uma professora particular e... – seus olhos se encheram de lágrimas e as palavras foram substituídas por um soluço. – Desculpem.

- Tudo bem – disse Grimmes. – Leve o tempo que precisar.

- Eles não se conheciam – completou Tony Morgan, devolvendo a foto para Watson. – Tenho certeza disso.

- Certo – frustrado, Watson guardou a foto de novo no bolso. – O senhor notou alguém estranho rondando a casa ultimamente?

- Alguém estranho? Como assim?

- Um homem – disse Watson. – Um homem com uma cicatriz no pescoço, talvez?

Ele sentiu o olhar intrigado que Grimmes lhe lançou, mas ignorou o garoto, sua atenção concentrada em Tony Morgan. O homem encarava os sapatos, tamborilava os dedos na borda do copo de gim.

- Não que eu me lembre – ele disse. – Talvez minha esposa tenha visto algo. Você pode perguntar para ela e... – calou-se, lembrando-se que sua mulher encontrava-se incapaz de responder qualquer pergunta porque estava morta. – Não. Não vi ninguém assim.

Tony Morgan bebeu o restante do gim e, quando baixou o copo, duas lágrimas desceram em sincronia perfeita por seu rosto, perdendo-se em sua barba por fazer. Watson suspirou e fez mais algumas perguntas para Tony Morgan, sua frustração aumentando a cada negativa do homem. O pobre coitado acabara de perder a família e não sabia de nada. Mesmo assim, era difícil aceitar que o cara que matara Danny Straub e, provavelmente, sequestrara Ashley Morgan, tinha cometido esses crimes sem deixar uma pista sequer para trás.

- Vocês acham que a pessoa que pegou minha filha fará com ela a mesma coisa que fez com o menino? – perguntou Tony Morgan quando Watson terminou de fazer suas perguntas.

- Como eu disse, Sr. Morgan, estamos trabalhando apenas com suposições aqui – disse Watson. Falou isso para diminuir um pouco o temor febril que via nos olhos de Tony Morgan, e não porque acreditava ser verdade. Havia diferenças – Danny Straub fora morto no próprio quarto, Ashley fora levada para algum outro lugar – mas Watson sentia, na boca do estômago, que o mesmo homem era o responsável por ambos os crimes. E ele aprendera a não ignorar essa sensação em suas entranhas.

Com um estranho som estalado que veio do fundo de sua garganta, Tony Morgan inclinou-se à frente na poltrona e segurou as mãos de Watson, que apertou de volta. Os dedos do homem pareciam papel velho – se Watson exercesse um pouco mais de força, poderia parti-los como se fossem gravetos.

- Vocês têm que encontrá-la – disse Tony Morgan. O desespero emanava dele em ondas sufocantes que deixavam Watson enjoado. – Por favor. Vocês têm que encontrar minha menininha.

- Você tem nossa palavra – disse Watson. – Nós vamos encontrá-la.

Para o bem ou para o mal, eles iriam. O assassino se certificaria disso.


Weiterlesen

Das wird dir gefallen

560K 51K 35
Trilogia Irmãos Valentim- Livro 1 " Talvez minha sede não seja só de sangue, mas também de amor e paixão" Atenção: Possui conteúdo adulto Amber...
413K 28.1K 28
S/n e uma garota de Brasileira de 23 aninhos q viaja pra Coreia em busca de uma vida melhor. jimin e um garotinho de 25 anos e sofre de infantilismo...
30.4K 3.3K 43
Alice Clark é uma garota cuja vida gira em torno de seus amigos, não havia nada de intenso em seu modo de agir, sua vida sempre fora monótona demais...
594K 41.8K 46
Camila era uma adolescente que vinha de uma linhagem de fortes caçadores. Ela estava no seu primeiro ano da faculdade de direito, ela tinha apenas do...