Música indicada: Someone you loved
Seria loucura demais contar aos meus pais que conheço um anjo? Pensava ela. Ainda não tinha aberto os olhos, mas escutava sua mãe rezando ao lado da cama quase vinte e quatro horas por dia. Pelo menos achava isso, já fazia um dia que ela estava ali? talvez estivesse com a noção do tempo alterada. Deitada na cama do hospital e coberta de curativos, Eloísa se perguntava o que tinha acontecido desde que apagou dentro do carro prestes a pegar fogo. Será que cheguei a me queimar? Assustava-se ao pensar. O fato de seus pais estarem ali era ótimo, mas o motivo não. Eles com certeza iriam querer respostas sobre o acidente e, notou, havia se tornado a pessoa sem respostas.
Quando finalmente conseguiu abrir os olhos, não era sua mãe que estava lá. A garota com os olhos castanhos mais intensos que El conhecia quase deu um pulo para trás. Ela queria tanto contar toda a verdade para a Melissa que seu coração doía em pensar que não podia. Ela não entenderia. Ninguém entenderia. Os médicos entraram e a menina apagou novamente. Quando acordou, os cabelos marrons de Mel estavam sobre seu braço direito e ela teve que mexê-lo um pouco para chamar a atenção da garota que parecia dormir. A menina levantou sus olhos cobertos por óculos e sorriu, mostrando o aparelho.
Apenas encarava Melissa quando seus pais atravessaram a porta e ela não conteve o choro. Estava extremamente feliz em vê-los. Seu pai usava seu terno preto e estava com os olhos castanhos claros cheios de lágrimas, os fios grisalhos brilhavam com a luz do sol que entrava pela janela do quarto atrás da cama da garota. Sua mãe tinha olhos inchados e fungava quando foi até a filha. Eles a abraçaram juntos, o que era bem estranho de se ver nos últimos meses. Ela se preocupou apenas em manter os olhos fechados e senti o calor que transcendia pelos dois em sua direção.
Se existem diversas formas de dizer eu amo você, aquele abraço certamente era uma delas. O cheiro do perfume forte e marcante do pai, o jeito que sua mãe lhe acariciava os cabelos. Fazia tanto tempo que ela não se sentia minimamente segura quanto naquele instante. Seus irmãos entraram correndo no quarto, seguidos por um enfermeiro. Eles pararam confusos ao ver a irmã sendo abraçada A mãe repreendeu, soltando Eloísa e ela choramingou, não queria que a mulher se afastasse e segurou sua mão. Suzane chamou os dois até a cama com um gesto e o enfermeiro se foi. Ela os colocou sobre a cama e eles abraçaram a garota, que gemeu quando um deles esbarrou em seu braço.
Ela havia ficado três dias desacordada e a carteirinha da faculdade foi o que ajudou a identificá-la, mas Eloísa se lembrava com plena certeza que não estava com nenhuma identidade na hora do acidente. Não existia mais nada com ela, nem mesmo sua bombinha, que depois foi levada pelos pais. As horas passaram e o dia logo foi embora, seus pais não pediram explicações, ao contrário do que esperava, mas ela sabia que isso não duraria para sempre. Estava pensativa, não queria dormir, mas também tinha medo de ficar acordada. Sua mãe quase implorou para ficar com a filha, mas cedeu a Melissa, que ocupou a cadeira ao lado de Eloísa.
A garota queria ir para casa, desejava fingir que nada daquilo tinha acontecido e que ela não tinha sofrido um acidente tão terrível de carro porque estava fugindo de... demônios e indo atrás de uma lança... de diamante, com um anjo e um fugitivo do inferno. Se pensasse muito, ficaria louca. Infelizmente, sabia que não tinha muitas opções. Eloísa não tinha como simplesmente sair fora, mesmo que não tenha escolhido entrar em momento algum. Mas, havia tentado raciocinar sobre o dia do acidente e, de todas as conclusões, apenas uma era coerente: foi deixada. Lupita e Enzo tinham desaparecido quando mais precisou deles e ela não conseguia entender.
— Eu sinto muito — sussurrou outra voz depois que Melissa saiu e estava se aproximando
— Vai embora — pediu, sua garganta doía e sua voz saiu rouca. Sentia o vento que veio da janela minutos antes fechada. Seu coração não acelerou e ela não sentiu medo, sabia muito bem quem era. Já cansada de todos os rodeios que sabia que ele daria.
— Minha moto se chocou contra o carro e eu fugi de lá depois disso.
Eloísa encarou com nojo o rapaz cujo cabelo castanho escuro caia sobre o rosto. As palavras dele eram como navalhas enferrujadas penetrando a pele dela. A garota estava magoada e sentia que tudo o que estava fazendo até aquele instante só a prejudicava mais e mais.
— Ela estava com você, — justificou e aproximou-se mais da cama. — Juro, pensei...
— Ela não estava comigo, Lorenzo — o tom de sua voz era falha, ela não aguentou e tossiu logo depois. — Ninguém estava comigo — sussurrou. — Vocês me enfiaram naquele carro e depois me deixaram — enfatizou. — Por que você está aqui agora? — a chateação em seu tom podia ser percebida por qualquer um. Seu corpo estava inquieto naquela cama. Ela sentia vontade de chorar. Balançou a cabeça negativamente. — Enzo...— olhou-o novamente. — Você é um baita de um filho da puta egoísta...— uma lágrima rolou de seu olho direito. — Se é que não percebeu, não vou fazer mais parte disso — declarou, seu estômago estava embrulhado — mesmo que aqueles malditos sonhos me enlouqueçam. Não vou morrer por você. Não vai me mandar para o inferno no seu lugar. — Eloísa cuspiu o que pensava. — Eu não vou mais a lugar nenhum com você ou com aquela desgraçada que de anjo não tem nada. Entendeu?
— Não quero que vá para o inferno por mim — Lorenzo finalmente disse. — Está tudo desmoronando, Eloísa, e só você pode concertar isso. Não queria que fizesse parte dessa loucura, é uma garota legal... — sussurrou, sua expressão não mudava — mas não tem escolha. Os colares te protegeram, por isso não morreu. Uma vez que usou a energia deles, está exalando uma própria agora. Os demônios podem te caçar também, e vão.
Eloísa o encarava incrédula. Ela não havia sido queimada, mas seu braço estava enfaixado, assim como toda a sua cabeça. Eloísa tinha passado por duas cirurgias neurológicas e ficou entubada por três dias. Sentia seu corpo pedir por socorro ao fazer o menor dos esforços.
— Seus ferimentos não são reais — declarou ele. — Você não está mais machucada, só acha que sim — explicou. — E isso é prova de que precisa vir comigo.
— Eu não vou para lugar nenhum com você — enfatizou.
Enzo estava com a mão estendida em sua direção, mas ela o olhava com dor nos olhos. O rapaz respirou fundo e disse:
— Não vou mais te queimar quando me tocar, me dá sua mão — pediu.
A garota o encarou, sentia-se tola ao olhar dentro daqueles olhos negros onde apenas um rastro de luz vinda do corredor do hospital batia e achá-los tão sinceros. Eloísa se odiou por estender a mão esquerda e confiar no fugitivo novamente. Não entendia o porquê de ainda fazer aquilo, mas fazia. Ele a segurou com força e passou o polegar por seus dedos e El não sentia nada além de dedos normais a tocando. Sentia o calor dele passando por sua pele enquanto encarava, perplexa, seus movimentos.
— Precisamos ir, por favor — pediu, se sentando na cama.
Fechou os olhos e suspirou, depois os abriu com as sobrancelhas arqueadas.
— Eu não acredito em você — falou ela, tentando, na verdade, acreditar nas próprias palavras.
Enzo retirou uma faca do bolso e ela se retraiu para trás, mas ele continuava com a mão direita segurando firme a dela e a olhando nos olhos. Quando ele largou sua mão, ela sentiu frio e se encolheu de medo. Lorenzo pediu pelo braço dela e Eloísa olhou o membro enfaixado, onde um vidro tinha entrado no acidente. Seu coração acelerou.
— Você não está machucada — repetiu.
Ela levantou o braço trêmulo e frio, o dobrou sobre a barriga. Lorenzo passou seus dedos pelos dela, que tinham ficado para fora dos curativos antes de, com a faca, começar a remover as ataduras brancas.
— Viu? — sussurrou, retirando os curativos por completo. — Não tem nada.
Ela encarou a pele branca e limpa com nervosismo. Não era possível, tinha visto o machucado no mesmo dia, na última troca de curativos. Olhou para ele confusa, não sabia mais o que fazer. Queria explicar a Lorenzo que seus pais estavam lá e que Melissa precisava dela, queria implorar para ficar. Seu coração tinha acelerado ao pensar na ideia de ter que ir embora com ele. Ela gostava da vida chata e maçante das pessoas comuns, mas aquela parecia cada vez menos a sua vida. Seus olhos permaneceram nos dele enquanto ela se sentava. Enzo retirou os curativos da cabeça dela, mas a menina ainda sentia seu corpo doer.
— Por que minhas feridas sumiram? — soluçava quando ele ergueu seu rosto com as duas mãos. — Por que eu não sinto mais minha pele queimar quando você me toca?
Os olhos dele se pressionaram e o suspirou.
— Você vai ficar bem, eu prometo — sussurrou.