FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Cic...

By _BrendaGuedes

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☠DESTAQUE dos embaixadores paranormais na categoria "Paixão de Arrepiar" ☠ Pensa ser algo louvável uma pessoa... More

Bem-vindo ao inferno
Personagens condenados
Dedicatória após sua morte
Epígrafe infernal
Prólogo dos fugitivos
I. Um Radar de Demônios
II. Somos Uma Dupla
III. Você Pode Sobreviver a Isso
IV. Mil Faces do Inferno
V. O Gosto de Sangue na Boca
VI. Verifique se está viva
VII. Calouros
VIII. Uma Dupla Dinâmica
IX. Ela não acreditava em Deus
X. Vácuo no Espaço
XI. Veteranos
XII. Eram Como Sombras
XIII. Não Tão Resistente Assim
XIV. Obrigado, Mel
XV. O INFERNO
XVI. Outro Sintoma da Solidão
XVII. Você Fugiu do Maldito Inferno?
XVIII. Algumas Coisas Nunca Mudam
XIX. Che cazzo!
XXI. Abra o inferno
XXII. Velhos inimigos
XXIII. Você Pode Gritar
XXIV. A Morte
XXV. Pânico & Demônios
XXVI. Realidade Deturpada
XXVII. Como Lúcifer?
XXVIII. UM ANJO - NÃO TÃO - DA GUARDA
XXIX. Não vai me mandar pro inferno no seu lugar.
XXX. "Anjo", "Acidente", "Lorenzo" e "Demônios"
XXXI. Eu Prometo
XXXII. As outras terras
XXXIII. NÃO PERCA O CONTROLE
XXXIV. ELAS
XXXV. VOCÊ VOLTARIA PARA O INFERNO POR ELA
XXXVI. VERDADES SOBRE O UNIVERSO
XXXVII. LUPITA
XXXVIII. O SACRIFÍCIO
XXXIX. O CICLO DA ERA
XL. VAMOS PARA CASA
EPÍLOGO
Agradecimentos e aviso!

XX. A Maior Farsa do Universo

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By _BrendaGuedes

Música indicada: Human (Christina Perri)

Seu telefone tocou. O aparelho estava no chão, ao lado dela, enquanto carregava na tomada abaixo da cama. Eloísa colocou ao seu lado o notebook que tinha sobre as pernas cruzadas e pegou celular antes que fizesse mais barulho. Já era madrugada e as outras duas garotas dormiam em suas camas, coisa que Eloísa invejava descaradamente. Melissa tinha saído com Max naquela noite e se assustado ao ver El acordada às duas da manhã, mas estava cansada para fazer questionamentos. Lupita, pelo contrário, tinha ficado lendo um livro ao lado de Eloísa e a chamava para conversar a cada meia hora, mas a paulista estava concentrada demais em uma coisa que encontrou na internet para dar atenção à de cabelo rosa. Além do mais, não tinha esquecido o quão estranho foi ter, teoricamente, visto a menina entrar atrás de Mel na padaria outro dia, mas elas não terem se encontrado. Achava a veterana estranha e já tinha coisas desconhecidas demais para lidar.

A única luz ali era a que vinha dos seus aparelhos eletrônicos, Eloísa suspirou alto. Seu estômago queimava, não tinha comido nada mais do que uma barra de cereais o dia inteiro desde o incidente na lanchonete. Altamente traumatizante, deve-se afirmar. O número era desconhecido e a garota encostou o celular frio na orelha antes de começar a se levantar.

— Alô? — disse baixinho, e começou a sair do quarto descalça e dentro de seu pijama de frio azul.

— El? — A voz masculina do outro lado parecia aflita quando atingiu os ouvidos da garota, ela franziu o cenho ao reconhecê-la.

— Tomas? — Quis saber, com a voz um pouco mais alta —, por que ligar no desconhecido? — Curiosa, parou no corredor amarelado pela iluminação acendida ao notar movimentação. Encostou calmamente a porta do cômodo e se escorou na mesma.

— Eloísa... Sabe os pesadelos? — Perguntou com uma entonação mais aguda na voz. Ela ficou preocupada de repente. Seus pés descalços tocavam o chão frio e Eloísa tremeu por falta de agasalho mais grosso. Um chiado interrompeu a ligação antes dela responder.

— Tomas? — chamou, deixando transparecer a inquietação. — Do que está falando? Tomas?

— Eloísa? — Chamou aflito. — Um homem veio aqui. Ele... Ele parecia irritado com você e começou a falar um monte de coisas estranhas. — Um chiado mais alto fez com que El afastasse o telefone do ouvido por alguns instantes. Os olhos dela se arregalaram quando o retornou à orelha.

— Tomas? — chamou mais uma vez, levando a mão esquerda à testa.

— El... Precisamos nos ver — pediu. — Eu não acreditei no começo, mas ele me mostrou. Por Deus, El, no que está metida? — Sua voz tinha uma mistura de medo e angústia que fez ela começar a ficar nervosa.

— Eu? Quem falou com você? O que disse? — Tentou assumir o controle. — O que aconteceu? — Andou de um lado para o outro no corredor sem que ele desse uma resposta. — Tomas, onde você está? —A garota já estava pronta para pegar sua mochila no quarto e ir atrás dele. Silêncio. — Tomas? — chamou mais alto, preocupada demais para se preocupar com os outros dormindo dentro de seus quartos.

Mas a resposta não foi a que ela esperava.

Você tem que abrir o inferno — falou a outra voz, já conhecida, rouca e tenebrosa.

Uma que ela conhecia bem melhor do que gostaria. Eloísa afastou rapidamente o telefone do ouvido e desligou a ligação. Ela encarou o celular com os olhos arregalados e sua respiração se tornou inconstante, como se tivesse acabado de correr uma maratona. Ela estava sonhando. Tinha que estar. Não, por favor. El foi até as ligações do celular e, logo em seguida, ligou para Tomas novamente. Por favor. Ele não atendeu. Tentou mais uma dezena de vezes, mas não a atendia. Seu coração estava apertado quando entrou novamente no quarto, Lupita estava parada bem na porta, quase a matando de susto.

— Você está sonambula, El — sussurrou a outra, calma. Mas ela apenas a encarou com medo e depois olho o celular pousado em sua mão. A menina mais baixa passou a mão em suas costas e tentou levá-la para cama, mas Eloísa se recusou.

— Estou bem — mentiu, arfando como se tivesse acabado de correr. — Só preciso da minha bombinha — caminhou até a cômoda ao lado da cama e a achou com ajuda da luz do celular enquanto Lupita voltava a se deitar.

— Se precisar de alguma coisa eu estou aqui do lado — disse antes de voltar a dormir enquanto a loira sugava ar de seu aparelho.

Tomas está bem, você está alucinando.

Repetia em sua mente sem parar. Encarou o notebook e correu até ele. Pelos quase dois dias acordada, pesquisou sobre aquela loucura, mas o máximo que achou sobre algo estranho envolvendo pessoas que voltaram do inferno foi relacionado a Michael Thompson, um famoso admirador do sobrenatural, que tinha escrito alguns artigos e um livro defendendo sua teoria. Os retornados do inferno. Segundo ele, se baseava em uma mulher que dizia ter fugido de lá. Ele quase perdeu sua carreira depois disso.

Não se permitiu pensar. O homem dava aulas na Universidade de São Paulo e ela o enviou o e-mail que tinha escrito horas antes, mas não tivera coragem para enviar.

Provas da Teoria Do Mundo Dos Mortos

Boa Noite, Sr. Thompson.

Após diversas pesquisas, acabei encontrando seu livro e sua teoria sobre os retornados do inferno. Eu o li e queria saber mais sobre o que descobriu, preciso de auxílio urgente. No livro, o abordou algumas armas, pessoas e um ciclo que não consegui entender. Menciona que seus relatos são baseados em fatos contados por uma mulher vinda de lá, provavelmente ainda tem contato com ela, eu gostaria de encontrá-la.

Aguardo urgentemente seu retorno.

abs,

Eloísa Dias Castillo

Estudante de Direito da Universidade de Hender

Quando terminou de escrever, tomou um banho e se aprontou para a reunião da natação que teria naquela manhã. Já não tinha ido na primeira, mas não deixaria esses conflitos insanos atrapalharem suas responsabilidades, ela sempre foi um exemplo em segui-las. Antes que as meninas acordassem, ela saiu. Ainda era seis e meia da manhã quando chegou na porta do ginásio e tentou meditar, sem dormir, até as pessoas aparecerem às sete.

Eloísa pescava de sono enquanto o rapaz de camisa polo azul falava. Ele era baixo e explicava os horários de treino e técnicas para os que nunca nadaram como se fosse um professor. A pele escura era refletida na água da piscina enorme em frente a qual estavam. Se aquela reunião acontecesse em qualquer outro momento de sua vida, estaria muito animada e participativa, mas não era o caso.

— Vamos tomar um café depois da aula? Eu pago — assustou-se quando um rapaz sussurrou ao seu lado. Com uma camiseta preta dando destaque aos braços fortes e brancos e cabelos levemente molhados.

Observou Paulo enquanto ele pegava o celular do bolso e tirava algumas fotos da dúzia de alunos que estavam entrando na natação. Estava tão cansada para conversar.

— Você precisa de um café — informou, olhando-a depois de verificar se a foto tinha ficado boa. — Dormiu mal?

— Na verdade eu...

Parou de falar, o que estava fazendo? Ele não entenderia. Respirou fundo, tudo que queria na verdade era pegar seu celular pela trigésima vez e abrir seu e-mail para ver se Michael havia respondido.

— Depois da reunião? — Paulo questionou. — Você sabe que precisa — sorriu de maneira encantadora, essa parecia ser a especialidade dele. Ela se impressionou em como todo o rosto dele era extremamente harmonioso, como uma orquestra onde nenhum instrumento é desafinado

A garota sorriu, como a muito tempo não fazia. Paulo era gentil, sempre, e ela se culpava por às vezes acabar não o tratando com a mesma simpatia.

— Fechado — respondeu, sabendo que de fato precisava de muita cafeína.

Ele abriu um sorriso ainda maior. O rapaz apresentando, Roberto, coçou a garganta em reprovação à conversa paralela e encarou Paulo, que abaixou a cabeça. Ela arregalou os olhos e o fitou antes de rir em nervosismo, podia sentir todos os olhares em direção a eles, mas era como se estivesse chapada demais para ligar.

Os minutos passaram nada depressa, e a ansiedade dela se multiplicava a cada segundo andando pelo centro esportivo até Roberto liberar todos e convidar os mesmos para almoçar. Ela educadamente recusou antes de correr para fora da quadra de vôlei fechada, onde a tour terminou pelo centro esportivo, há mais de uma hora seu celular não pegava sinal ali dentro. Antes que sentisse o sol bater em seu rosto, o aparelho começou a tocar.

— Pai? — começou a andar sem rumo, ainda não conhecia bem aquela área da universidade.

— Lôsinha! — Aquele do outro lado da linha falou animado, era anestesiante ouvir a voz dele no meio daquele caos. — Tudo bem? — Mudou de tom. — Sua voz parece abalada.

Era daquilo que precisava e sabia bem. Ainda não tinha falado com ele desde que chegou em Hender e já fazia quase cinco dias que estava lá. Seu coração bateu mais aconchegado, como se tivesse acabado de chegar em casa, porque tinha. Desde que se conhecia por gente, sua família era seu lar. Foi instantâneo, como um superpoder, se sentiu feliz e grata em ouvi-lo.

— Que saudade, pai — falou com a voz abafada, os olhos se molharam com lágrimas pesadas que caíram sobre seu rosto cansado.

— Filha? — preocupado, sua voz saiu mais tensa. — Está acontecendo alguma coisa? Os veteranos fizeram um trote pesado?

— Ah, não. Os trotes são proibidos aqui. Mas, queria voltar para casa — contou, mas não estava pronta para falar sobre tudo. Considerava injusto incomodar ele com seus problemas. Respirou fundo, observou alguns bancos de cimento em uma pracinha à sua frente e caminhou até lá.

— É normal, Losinha — consolou. — Mas vai melhorar, prometo. Eu posso ajudar você em algo?

— Me ligando mais. Não... Desculpa, sei que é ocupado — disse, como mesmo tom de quando contou sobre seu término com Tomas. Não existia, de fato, algo que ele pudesse fazer para acalentar seus distúrbios. — Estou resolvendo tudo — tentou convencer a si mesma daquilo.

— Tenho uma notícia que pode te deixar feliz — começou. — Um presente.

— O que? — sussurrou, confusa.

— Seu presente de aniversário — esclareceu radiante, voltando a ficar empolgado. — Já são vinte — disse a última frase ainda mais alegre que a anterior.

Caramba. Como alguém esquece o próprio aniversário? Até seu pai lembrou, o que era de se estranhar. Suas sobrancelhas se franziram e Eloísa sorriu.

— Obrigada — agradeceu, suspirando. — O que é? — Não iria ajudá-la com seus problemas, mas a voz dele já era o melhor presente que poderia ter.

— Você está tão longe, filhinha — comentou de maneira doce. Jack Castillo era o homem mais doce que alguém poderia conhecer.

— Pai... Não saí do país — riu entre as lágrimas e fungou o nariz. — Algumas horas de carro e pode me ver.

— Você sabe que é difícil — suspirou. — Mas, o presente está na casa da sua mãe. Sei que ainda não sabe dirigir, mas pode aprender. — Ela repentinamente ficou séria e calada. — Todos os filhos dos meus sócios ganham carros quando chegam na universidade, não seria diferente com você. Ainda mais porque merece muito mais do que qualquer um dos filhos deles.

— Mas você já paga a faculdade e o alojamento. Não foi muito caro? Meu Deus, pai, obrigada. — Prendeu a respiração, feliz, e depois a soltou com velocidade. — Não vejo a hora de aprender a dirigir.

— Você cresceu — falou, como falava em todos os seus aniversários que ela lembrava. — Já está resolvendo seus problemas sozinha e morando sozinha. Eu não poderia ser mais orgulhoso de você, Eloísa — finalizou com um tom que ela não reconhecia. El pressionou a mão esquerda na causa jeans e fechou os olhos. — Eloísa?

O coração dela estava gelado. Toda aquela sensação boa partiu e só restou o pavor. Piscou os olhos com velocidade, pensou que fosse desmaiar, não estava mais respirando. Sem largar o telefone, buscou sua bombinha na lateral da mochila roxa e sugou o oxigênio de forma voraz. Sentia-se a maior farsa do universo porque a verdade não era aquela. Achava que o pai não se orgulharia em vê-la com aquelas enormes olheiras ao redor dos olhos. Na realidade tudo estava desmoronando e a garota não se sentia capaz de segurar.

— Eloísa? Filha, tenho que voltar agora... — apressado. Ela não conseguia mais respondê-lo, apenas o medo dominava seus lábios que tremiam em uma crise de ansiedade. — Eu amo você — disse ele, já distante do telefone e a ligação caiu.

Eu amo você também, pensou, mesmo que não conseguisse falar. Eloísa sentia uma pressão sobre seus olhos e pulsava com uma forte dor. Queria tanto que aquilo tudo acabasse. A faculdade não deveria ser a melhor época da sua vida?

— Parar de dormir não ajuda — reconheceu a voz atrás de si e virou-se com velocidade para olhá-lo. Lorenzo. Estava com os braços cruzados frente a uma camisa verde escuro de mangas longas quando ela o encarou. Ficou em pé.

O nariz estava menos inchado do que no último dia que o viu, mas o roxo escuro ainda marcava sua pele branca. Ele usava óculos escuros pretos e estava há cinco passos dela.

— Como faço para parar? — irritada, as palavras saíram cuspidas de forma tão áspera que ela mal se reconheceu.

— Você disse que ia me ajudar — relembrou. — Eu decidi te dar alguns dias, mas parar de dormir? Achou realmente que essa era a solução? É patético.

— Olha... — Deu dois passos em direção a dele e ergueu o indicador. — Eu não fiz nada para me envolver nessa seita de merda, está legal? Manda ficarem longe de mim e dos meus amigos ou meu pai vai providenciar que fiquem. Você não o conhece e ele não hesitaria e fazer com que o conhecesse junto com os advogados dele.

— El... não existe seita nenhuma, eu já expliquei. E... Não tenho medo do seu pai. É muito maior que isso. Não é sobre nenhum ser humano e seus falsos poderes, quando seu pai morrer...

— Vá embora — gritou o interrompendo. — Se não pode me ajudar, some daqui. Volta para o inferno que é a merda do seu lugar, Lorenzo.

Ele respirou fundo com nítida impaciência e deu dois passos até ela, ficando frente a frente antes de sussurrar:

— Quanto tempo acha que ainda consegue ficar assim? Porque eu estou exausto.

— Vai embora, Lorenzo — repetiu e virou-se para caminhar em direção aos prédios espelhados onde Melissa teria aula e poderia encontrá-la antes de sua tour pelo local.

— Não posso parar — começou a segui-la. — Você não quer saber por que vai para o inferno toda vez que dorme? Quero entender o que está acontecendo também, mas isso envolve muito mais você do que eu.

Ela parou de andar, mas continuava de costas para ele. Pressionava os olhos com força. A raiva a tirava de controle. Virou-se e encarou o rapaz, ele também havia parado.

— A única coisa que quero saber é como parar essa porra! Por sua causa e sei lá mais quem minha vida está uma droga — gritou tão alto que as cinco pessoas que caminhavam ali perto pararam para olhá-la — quero que você e essa voz se danem. Não é real! Eu estou doente, vou dar um jeito nisso. Vou conversar com minha mãe, pagar o melhor psiquiatra desse país e me curar dessa insanidade. Me entendeu?

Furiosa, sentia seu rosto queimar e as mãos tremerem. O atingiria na face com um soco naquele minuto se tivesse mais coragem do que medo de Lorenzo.

— Voz? — Questionou, baixo, retirou os óculos de sol.

— É... — respondeu, assistindo-o se aproximar cada vez mais. — Aquela porra de voz — raivosa, empurrou-o com as duas mãos quando ele chegou perto o suficiente e recuou com as palmas das mãos ardendo — Você não pode me ajudar, mesmo? Por favor — desesperada.

— Eloísa... — permanecia calmo — que voz é essa?

Seus olhos, negros e profundos, transmitiam incerteza enquanto Lorenzo levava a mão ao bolso e apertava o colar em forma de coração.

— Não sei o que ela é — confessou. Sua raiva estava se esvaindo em frustração e ela quis chorar novamente. Todos ao redor já os ignoravam novamente.

— O que ela diz, exatamente? — aproximou-se mais da garota que sacudia as mãos ardendo em nervosismo depois do toque. — Eloísa, olha para mim.

— Ela saiu de uma ligação do Tomas... — Choramingou. — Ontem à noite. Aliás, hoje de madrugada, não sei — levou as mãos à cabeça e fincou os dedos nos cabelos soltos. — Ela fica repetindo aquilo. É horrível.

— Eloísa... — com paciência. — Respira fundo — pediu, notando o desespero da garota.

Ele entendia o seu pavor, Eloísa conseguia saber disso.

— São terroristas? — questionou arregalando os olhos e Lorenzo se aproximava mais. — Eu deveria chamar a polícia? Acho que deveria chamar a polícia.

Seus olhos deixaram as lágrimas saírem sem controle enquanto a menina descia as mãos à barriga e pressionava para tentar conter uma dor que subia das pontas dos seus pés até a cabeça. Nem quando teve dengue hemorrágica o seu corpo pediu tanto por socorro.

— El, calma. Eu não sei de que voz você está falando — Lorenzo quis deixar claro.

Ele tinha olhos confusos e a garota queria poder ser abraçada por ele como sentia que Lorenzo queria abraçá-la.

— Você precisa me ajudar, Enzo — implorou. — Eu não sei o que fazer.

Ela tinha certeza de que ia cair. Seu corpo estava amolecendo, não aguentava mais. Implorava por uma vida normal com direito a aulas chatas e sentimentos pelo ex. Dormir e ir a festas. Flertar com veteranos bonitos e nadar.

— Eu vou te ajudar — prometeu Lorenzo, agora tão próximo dela que foi necessário olhar para baixo para enxergá-la. — Mas você tem que me ajudar também. — Encarava-a com expectativas e sentiu-se aliviado quando ela assentiu. — Estamos ligados um ao outro — continuou ele, quase tocando-a por impulso, mas se controlando para ficar longe o bastante. — Não consigo dormir há dois dias. Foi quando você parou de tentar, não é?

— Não tenho nada a ver com sua insônia — sussurrou, limpando as lágrimas com as costas das mãos, fungando o nariz e se recompondo.

— Eu sinto tudo o que você sente — afirmou ele. — A fome, o frio, o sono e até... essa maldita dor de cabeça que está me matando.

— Você já está morto — corrigiu-o e ele não pôde conter o sorriso. Admirava que ela tivesse algum tipo de bom humor naquela altura do campeonato. — Isso não tem sentido algum — voltou ao assunto — até duas semanas atrás eu nem te conhecia. Onde você esteve nos últimos dezenove anos? Vinte... — corrigiu-se.

— Eu estava na Europa, África, Ásia e em toda a América — respondeu. — Nunca parei de fugir, mas alguma coisa mudou.

— Você não tem lógica — concluiu a garota.

— Lógica? — riu alto. — Você escutou alguma coisa do que já disse? Não tem lógica mundana. Estamos no âmbito sobrenatural, não entende?

— Eu tenho que pensar — falou ela. — Agora não consigo entender. Estou tão cansada.

— Não temos tempo — argumentou ainda compreensivo. — Eloísa, preciso da sua ajuda e você precisa da minha. Estou muito tempo parado aqui... — comentou. — Sou um fugitivo do inferno, não posso mais perder tempo — mantinha os olhos dentro dos dela. Eram tão, mas tão únicos e amarelos. Ele nunca tinha visto nada nem perto daquilo. E implorava por uma reação positiva à frase a seguir: — Você precisa ir embora comigo.

Eloísa não o entendia, ele notava isso nos olhos dela. Julga-se por esperar da loira a mesma coisa que esperaria de Teodora. Merda, Lorenzo, elas são completamente diferentes. Como se sentia solitário e perdido ao se lembrar que a mulher de cabelos vermelhos estava sofrendo por sua causa.

Lembrou-se da primeira vez que sentiu seu coração assim, em 1823, quando tomaram rumos discrepantes para a segurança de ambos.

Os melhores amigos se separaram logo depois de saírem vestidos do bar, após o encontro com um ser sobrenatural em forma de demônio – que até então não conhecia – e foram aconselhados a ficarem o mais distante possível por aquele de asas pretas. O ser revelou que podia senti-los juntos. Caminharam em direções opostas naquele interminável deserto rochoso e laranja. Ele seguiu para o nordeste, até chegar ao Texas, antigo estado Mexicano, e Teodora caminhou arduamente na direção sul até parar em Dulango – porém, Lorenzo só soube disso em 1866, quando conheceu Pitt oficialmente, pois antes disso eles haviam perdido completamente o contato. Pitt, aquele que os salvou em 1823 e em outras ocasiões.

Há apenas dois anos o México havia se declarado independente da Espanha e naquele mesmo ano o Texas fazia parte dos Estados Unidos Mexicanos, mas com colônias americanas que foram a salvação de Lorenzo. Ele conheceu a Columbus e sua força sobrenatural o deixou em destaque para que permanecesse lá com trabalhos braçais e puxados, não foram os melhores anos, mas ele estava fora do inferno e qualquer coisa era melhor que aquele lugar. O problema começou mesmo em 1834, quando a revolução do Texas começou. Quando conheceu Samuel, não imaginava a quão valiosa seria a amizade de um soldado americano, mas depois da independência do lugar onde vivia graças às batalhas sangrentas para as quais fora convocado a lutar, Lorenzo se viu na posição de melhor amigo do homem mais influente dali. Foi em 1835 que ele falou, pela primeira vez, sobre seu maior segredo ao amigo, que já não tinha sua sanidade no melhor dos lugares, pois nenhum medo o atingiu. Sam passou a guardar uma verdade sobre Lorenzo que nenhum outro ser humano sabia até então. Apenas no leito de sua morte, em 1863, o melhor amigo temeu a morte e o local para onde iria. Padres ocupavam seu quarto dia e noite e mesmo que, coberto pelo pavor, dissesse a todos que o inferno era inevitável e não queria ir para lá, o fugitivo sabia que de nada adiantaria rezar. Assistiu Samuel morrer e viveu o luto pela primeira vez antes de pegar todas as economias e fugir para longe das pessoas que o conheciam por tempo demais para não estranharem que Lorenzo nunca envelheceu, ou envelheceria, um só dia desde que chegou ali.

Lorenzo reconhecia o medo de Eloísa. Ele entendia, mas não tinha tempo para demonstrar isso. A cada segundo, os demônios tinham mais certeza de onde ele estava e, pior que o medo de ir para o inferno é o de voltar para lá depois de sair. Depois de conhecer toda a dor, o caos e o desespero para morrer sem conseguir se livrar de sua condenação. Lorenzo queria acalmá-la, mas estava sempre se lembrando que Teodora estava lá, no fogo, e não podia deixá-la sozinha e sofrendo por mais tempo.

O que não era capaz de entender é que, mesmo certo de suas necessidades e objetivo, tinha um sentimento irracional que o mandava protegê-la tanto quanto Teodora. Não era nenhuma voz ou ser que o dizia isso, apenas um calor no peito que o desconcertava.  

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