AMORA
Era só o que me faltava. Chega um momento da vida em que acabamos nos tornando pais de nossos pais, e isso é um saco.
A tenção pela notícia que os senhores Larissa e Igor nos deram era praticamente palpável, o que me fez comer o mais rápido possível para sair o quanto antes dali. Não estava a fim de comemorar o noivado dos meus pais e, por mais que soe egoísta, era um direito meu se sentir daquela forma.
Mahmoud e Elioth perceberam o mau humor que havia tomado conta de meu corpo, e fizeram questão de me acompanhar até meu apartamento assim que coloquei a última garfada na boca. Sabiam que precisariam dar um jeito de me acalmar.
Despedi-me de todos, forçando um sorriso largo no rosto. Até Henrique levou um beijinho na bochecha, e percebi que minha atitude o deixou desconcertado. Estava cada vez mais difícil resistir a largar meu relacionamento de mão e correr aos seus braços.
Mahmoud abre a porta para que pudéssemos entrar. Não fiz questão de ser educada, e fui batendo o pé até o sofá, aonde me joguei.
- Amor, você precisa entender a decisão deles - diz Elioth, sentando-se ao meu lado.
- Porra, Elioth! Só eu sei quantas vezes vi minha mãe chorar por conta das traições de meu pai! Não quero que esse inferno volte... Ela não merece!
Mahmoud me olha, arqueia a sobrancelha e senta-se ao meu lado.
- Amiga, você os ama, não é mesmo?
- Mais que a mim mesma! - agarro o controle remoto que estava largado no sofá e ligo a TV.
Ele arregala os olhos e me encara, como se quisesse dizer algo que não podia ser dito naquele momento.
- Então aceite a escolha deles. Não temos a capacidade de escolher por quem nos apaixonamos, mesmo que novamente. O coração tem dessas - ele sorri, e imediatamente entendo do que ele estava falando.
Antes que pudesse dar qualquer tipo de resposta, o jornal da cidade faz aquela chamada de emergência que revira nossos estômagos ao avesso.
- Cantor MC Mike, revelação do funk da Região dos Lagos, acaba de ser preso na noite desta quinta-feira após ter vídeo de tentativa de estupro contra uma jovem, reconhecida como Amora Bragança, filha de um dos donos da grande empresa de arquitetura LHR. Você confere mais desdobramentos sobre o caso em instantes!
Dou uma gargalhada e grito "MC MIKE SE FUDEU!"
Desligo a TV, me levanto e paro em frente de Mahmoud, que imediatamente também fica de pé e segura minhas duas mãos.
- Amiga, caralho, deu certo! - Mahmoud dá uns pulinhos, sorrindo como uma criança que acaba de ganhar um doce.
- Amigo, nós podemos trabalhar no FBI! - pulo junto.
Elioth levanta-se e para ao nosso lado.
- E não é que esse plano maluco de vocês deu certo? Estou chocado! - dá um sorriso e nos abraça - Isso merece uma comemoração!
Enquanto dávamos pulinhos animados, ouço a porta se abrir. Se estivéssemos em um desenho animado, daria de cara com a imagem do meu pai com fumaça saindo de todos orifícios disponíveis em seu rosto.
- QUE PORRA É ESSA, AMORA? - meu pai entra, seguido por Lázaro, Henrique e minha mãe. Até os chamaria de invasivos, mas é provável que eu tivesse a mesma atitude.
Ele se aproxima de e me arranca do abraço caloroso que dava em Mahmoud e Elioth.
- Esse cara te machucou? Porra, Amora, ele te tocou? - rosna. Nunca o vi daquela forma.
- Calma, Igor! - Lázaro se aproxima e toca o braço de meu pai - Disseram que foi tentativa!
- Quero ouvir isso da boca dela - meu pai tira os óculos, pé dura na gola da blusa e me encara mais de perto. Acho que nunca se importou daquela forma comigo... Cheguei a ficar emocionada.
Henrique ficou apoiado na parede, próximo à porta. Era provável que também estivesse desnorteado, mas preferia não interferir, por conta da presença de Elioth e meu pai. E, além disso, convenhamos que o clima não estava lá essas coisas, né?
- Foi tentativa, senhor Igor! - diz Mahmoud, se aproximando.
- É, pai, foi tentativa! - desvencilho-me dele a sento no sofá.
- E não passou na sua cabeça nos comunicar sobre isso? - pergunta minha mãe, aos prantos. Ela não conseguia segurar o choro de forma alguma.
- Como vocês puderam ver - sorri ironicamente -, sei resolver meus B.O's sozinha. Vocês acham que quem entregou as filmagens à polícia? - dou uma risada debochada, e todos me encaram perplexos.
- Você é uma gênia do mal, garota! - diz Lázaro, boquiaberto.
- Não poderia deixar barato, né? O filho da puta tentou me estuprar, é o mínimo que poderia fazer, já que não estava a fim de contratar um assassino de aluguel.
- Que bom que você não falou para o seu pai, então - diz Lázaro, encarando o amigo -, porque era exatamente isso que ele faria.
- Admito que essa também foi a minha vontade - diz Elioth, lembrando a todos de sua presença ali. Henrique revira os olhos, pensando que ninguém perceberia. Para seu azar, estava o encarando no exato momento.
- Mas sei me virar sozinha! - levanto e jogo meu braço ao redor do pescoço de Mahmoud - Quer dizer, com a ajuda da minha queridíssima amiga Fernanda Montenegro! - solto uma gargalhada, e meu amigo ri junto.
- Já que ninguém se machucou, ou algo do tipo, vou à empresa. - diz Henrique, sem me encarar - Como o nome de Igor foi dito, vamos precisar soltar uma nota de repúdio e o caralho todo - da de costas.
- Nós vamos com você, Henrique! - diz Lázaro, puxando meu pai pelo braço.
- Vamos? - pergunta meu pai, confuso.
- Sim - diz Lázaro, impaciente -. Larissa vem também.
Ele havia percebido que tudo que eu menos precisava naquele momento era de pessoas me enchendo a paciência. O encaro de soslaio e cochicho um "obrigada". Ele responde com um sorriso amigável.
Até que Lázaro é um cara bacana! Meu pai tem sorte de ter sua amizade e, sinceramente, espero que em algum momento eu também possa ter!