HENRIQUE
Dois anos me separavam da vida que levava no Brasil. É engraçado lembrar como cheguei totalmente perdido em Nova Iorque. Para ser sincero, foi difícil me acostumar com essa nova vida. Chegar em um lugar novo sem conhecer ninguém é foda em um nível surreal. Para piorar, os estadunidenses tinham um puta preconceito com brasileiro, o que é uma situação no mínimo desagradável. Me fodi mais ainda por conta da quantidade de tatuagens que tenho espalhadas pelo corpo. O povo me marginalizava em um nível surreal.
Me senti perdido por muito tempo..., os primeiros meses realmente foram fodas. Mas, tudo mudou quando conheci Daniele. Não, não namoramos, tampouco temos algum tipo de relacionamento afetivo. Não nos enxergamos dessa forma, e pensar nessa possibilidade até me deixa um pouco enojado.
Ela é uma mulher baixa, não deve passar de 1,60m. Tem olhos castanhos e cabelo também. É magra e tem um sorriso extremamente simpático, com uma covinha na bochecha esquerda. Sua personalidade é cativante, por mais que faça questão de escondê-la da maioria das pessoas. Tinha um humor ácido, e, para ser sincero, talvez essa fosse minha parte favorita nela.
Quando a conheci, a garota estava trabalhando no Starbucks em frente a empresa, na Quinta Avenida. Estava morto de vontade de tomar um café com leite cremoso, mas me deparei com uma situação extremamente desconfortável. O chefe (agora ex, graças a Deus) de Daniele gritava com ela de uma forma extremamente agressiva, na frente de todos. Senti um frio na boca do estômago, e meu instinto de proteção aflorou a partir do momento em que aquele brutamontes resolveu levantar a mão para agredir seu rosto.
Meu sangue ferveu e, quando percebi, havia dado um soco na cara daquele gordo miserável. Desde então, comecei a trata-la como minha irmã mais nova. Pelo incrível que pareça, Daniele é brasileira, o que facilitou bastante nossa interação. Foi muito bom para mim ter com quem conversar, até porque tinham muitas questões mal resolvidas em minha mente.
Sentia-me muito culpado por ter "fugido" do Brasil da forma que "fugi". Porque não tem outro significado para o que fiz. Não que a mudança não tenha sido positiva, principalmente se tratando de minha carreira, afinal, hoje em dia sou um profissional reconhecido internacionalmente. A LHR ganhou vários prêmios fora do país, e me orgulho de estar a frente de quase todos. Mas a forma que aconteceu não foi nada saudável. Eu não precisava ter reagido daquela forma a um sentimento que inevitavelmente apareceria em algum momento de minha vida.
Acabou que contratei Daniele para ser minha secretária, e desde então nos tornamos inseparáveis. Ter sua amizade matava um pouco da saudade que sentia de Lázaro e Igor, mas, é impossível substitui-los. Nesse meio tempo, apenas consegui visita-los duas vezes, durante uma conferência de negócios, e não foi nem em nossa cidade natal. Apesar disso, nos comunicávamos todos os dias por transferência de vídeo.
O rumo que a vida de meus amigos havia tomado chegava a ser engraçado. Lázaro e Janna finalmente conseguiram engravidar, mas para o azar de meu amigo, sua esposa teve logo um casal de gêmeos. Eu era padrinho de Elisa, e Igor de Elias. Eram muito fofos e, sinceramente, não via a hora de conhecê-los pessoalmente. Amo crianças, desde que não sejam minhas filhas.
Já o desenrolar da vida de Igor não foi lá muito bom. Sempre nos perguntávamos como Larissa aguentava todas suas traições e não falava nada. Era muito estranho o fato daquela mulher ser completamente conformada com o fato de o marido ser um verdadeiro pau no cu. Pois bem, ela apenas estava arquitetando uma puta vingança.
Poucos meses depois que me mudei, Igor chegou em casa cansado, e percebeu a janela de seu quarto com luzes baixas, e logo pensou que sua esposa o esperava para uma noite especial. Meu Deus, só de lembrar disso eu dou uma gargalhada. Sim, eu vou para o inferno, mas não podemos negar que realmente merecia uma porrada da vida para entender que se continuasse desse jeito, iria acabar sozinho. Mas beleza.
Igor abriu a porta, ouviu alguns gemidos vindos do segundo andar e logo ficou animado. Pensou que Larissa estava se masturbando enquanto o esperava. Assim que chegou, meu amigo encontrou um cenário caótico. Larissa estava na cama com os dois CEO's de nossa empresa rival. Um a chupava, enquanto ela pagava um boquete para o outro. Assim que percebeu a presença do marido, a mulher afastou os homens, se sentou na cama e deu um largo sorriso.
- Isso é por todas as duas traições. Suas malas já estão na sala - puxou os dois rapazes para o seu lado, e deu um beijo demorado em cada um - quero você fora da minha casa ainda hoje.
Resumindo: atualmente Igor se encontra careca, divorciado e morando no meu apartamento. Pois já dizia Renato Russo: "Tudo que você faz, um dia volta pra você".
E Amora... Ah, Amora. Eu não procurava saber coisas além das que Igor dizia. Sei que hoje em dia ela cursa Direito e namora um tal de Elioth. Fico feliz por sua vida estar andando, e espero que alcance tudo que almeja. Hoje ela tem vinte e um anos, um estágio bem remunerado e ainda mora no mesmo apartamento. Antes de me mudar, fiz questão de bloqueá-la em todas as redes sociais. Já que tinha tomado aquela decisão insana de deixar tudo para trás, que fizesse direito. Cortei todos os laços, e até que lidei bem com essa distância.
Como já disse, os primeiros meses foram os mais difíceis. A procurei em outros corpos e porra, nenhum sexo se encaixava tão bem quanto o nosso, e isso foi frustrante pra caralho. Mas depois de um tempo, comecei a focar em outras coisas, e acabei deixando esses sentimentos guardados em um potinho dentro da geladeira. Não tinha tempo para sofrer por uma garota quinze anos mais nova que eu.
Mas foda-se. O tempo passa e sentimentos muda. Hoje estou curado desse feitiço que a filha de Igor me lançou. Olho para trás e até rio da situação. Daniele costuma me chamar de covarde por ter fugido daquela forma, mas também agradece por ter feito, pois agora havia encontrado um irmão que jamais imaginou que teria um dia.
Depois de um ano morando nos Estados Unidos, fiz um convite a Roger, que havia se formado, para ser meu vice-presidente na filial. Sim, sei que ele era novo no ramo, mas havia sido treinado por mim durante dois anos. Ele ficou em teste durante um tempo, mas logo pegou o jeito.
Depois de um tempo, o rapaz acabou ganhando 100% da minha confiança, e de fato se tornou meu braço direito.
Mas agora precisava tomar uma difícil decisão. Minha carreira estava em um patamar elevado, do qual me orgulhava bastante. Mas, no Brasil, estávamos prestes a comprar um novo prédio, do qual precisaria ter um dos CEO's a frente. Lázaro não podia, pois desde que teve os gêmeos, trabalhava meio turno, para que as atividades não ficassem pesadas para Janna. Já Igor, após o baque do término do casamento, focou de uma forma nada saudável no trabalho, e não saía da empresa principal. De qualquer forma, ele tinha que ficar lá, senão de fato as coisas começariam a desandar.
Demorei para analisar todas as opções, mas acabei chegando à conclusão de que a decisão correta a ser tomada era retornar ao meu país. Os sentimentos não me pertenciam mais, então já não seria um problema tão grande estar de volta.
Antes de comunicar minha decisão aos meus amigos, convidei Daniele para vir comigo. Nossos laços se tornaram tão fortes que já não me imaginava mais sem a sua presença. Para minha sorte, ela aceitou.
Comprei as passagens para o dia seguinte de minha decisão. Encaixotei ao lado de Dani as coisas mais importantes e, apenas após estar tudo pronto, fiz uma chamada de voz para os meus amigos.
- Igor, Lázaro, estão aí?
- Sim. O que você quer? Finalmente essas crianças dormiram. Fala rápido porque preciso muito tirar um cochilo. - reclamou Lázaro. Meu amigo havia se tornado um tanto ranzinza desde que virou pai.
- E aí, Henrique? Conta a novidade!
- Amanhã estou de volta ao Brasil. Voltarei para meu apartamento, mas Igor, pode ficar tranquilo, não precisa sair.
- Caralho, tá de sacanagem? - Disse Igor, animado.
- Não. Estou falando sério. Resolvi tomar a frente da filial do centro, enquanto Roger toma a frente daqui. Sempre estarei em contato com ele, então isso não vai ser problema.
- Você tem certeza sobre isso? - Perguntou Lázaro, se referindo aos possíveis resquícios de sentimento sobre Amora que ainda moravam em mim.
- Absoluta. Esse tempo por aqui foi muito bom para colocar a cabeça no lugar, mas sinto que chegou o momento de retornar.
- Fico feliz em ouvir isso! Estou com saudades, seu filho da puta! - Lázaro finalmente comemora.
- Ah, não poderia esquecer..., Daniele vai comigo.
- Está namorando? - Perguntou Igor, incrédulo com a notícia. Para meus amigos, a ideia de eu me envolver sentimentalmente com alguém era tão absurda quanto a existência de fadas.
- Não, né caralho! Ela é tipo uma irmã mais nova para mim. Ela vai morar com a gente, Igor. Já estou pensando em até mandar fazer um quarto extra na área de jogos.
- Desde que eu não precise sair, por mim está tranquilo. - Diz Igor, em um tom divertido.
- Mas é isso, rapazes. Saio daqui por volta das três da manhã. Devo chegar no Rio por volta de meio dia. Espero encontrar vocês no aeroporto.
- Esqueceu que agora sou pai? - Diz Lázaro.
- Aproveite e leve minha afilhada! Preciso conhecê-la pessoalmente!
- Vou conversar com Janna. Mas provavelmente ela goste da ideia..., já está mesmo querendo viajar com as crianças.
- Então ótimo! Até amanhã! - Desliguei o telefone.
É, vou voltar para o Brasil, só que com uma nova personalidade... Muito mais maduro. Sinceramente, estava ansioso por isso.