Antes, quando Stephen ainda não era um médico famoso, era fácil conviver com ele, ver ele, rir com alguma coisa dita por ele, era leve e era incrível. Então eu me senti a mulher mais feliz e sortuda do mundo quando ele me pediu em casamento, uma pena eu não saber ver o futuro, teria me poupado muitas lágrimas.
No nascimento de nossa primeira filha, Stephen ainda era ele mesmo, eu via a alegria em seus olhos e presenciei a emoção que ele sentiu quando segurou Angel pela primeira vez, foi lindo, uma das poucas coisas que ele não conseguiu destruir.
No nascimento de nossa segunda filha, ele estava lá, mas não de coração, só fisicamente, esperando que aquilo acabasse logo para que ele pudesse fazer mais uma cirurgia, que pudesse sair para aumentar seu ego e se gabar por mais um grande feito cirúrgico. Porém, quando Stella nasceu, os olhos dele brilharam e eu soube, naquele momento, que não importava o que acontecesse, Stephen sempre estaria lá por Angel e Stella, e isso, de algum modo, me fez acreditar que o Stephen que eu conheci e me apaixonei ainda estava vivo dentro daquele homem estranho, e egoísta.
Angel tem cinco anos e Stella acabou de completar seu primeiro ano de vida, Stephen não estava lá para ver isso. Quando ele entrou de fininho pela porta da frente tive vontade de mata-lo, mas me controlei, não sei como, mas tive controle.
── É isso que você quer, Stephen? Quer que Angel e Stella cresçam te odiando? Quer que todas as pessoas próximas a você, se afastem? ── eu estava parada no batente da porta e ele suspirou me encarando.
── É só o primeiro ano de vida dela, Sn, Stella vai entender que eu estava ocupado salvando vidas. ── ele largou a pasta e os sapatos no canto do hall de entrada, caminhou até minha direção e passou direto indo até a escada, os cabelos estavam bagunçados e a camisa amassada.
── Isso é engraçado, porque liguei para sua secretária e ela me disse que você não teve nenhuma cirurgia hoje, o que era mais importante do que passar o dia com sua família? ── Stephen bufou e parou de subir as escadas, me encarou e desceu até mim.
── A porra da minha sanidade? Eu detesto festas de crianças, detesto minha família e a sua juntas, detesto ter que sorrir e fingir que gosto deles. ── arregalei meus olhos, eu nunca havia desconfiado disso, eu acho que não conheço o meu marido tão bem assim. Passei as mãos por meus cabelos e suspirei fundo, mas não consegui conter o grito, estava me sufocando.
── ENTÃO POR QUE QUIS CONSTRUIR UMA FAMÍLIA, MERDA? ── ele me olhou, parecia surpreso demais, mas isso não o impediu de gritar de volta.
── PORQUE VOCÊ QUIS, CARALHO. ── o grito dele foi muito mais assustador do que eu pensei que seria, depois de oito anos, era estranho ouvir ele gritar assim. E aquilo me feriu de uma forma gigantesca. As meninas acordaram e começaram a chorar, eu engoli meu choro e subi para acalma-las, acho que meu casamento deu um passo ao precipício naquele momento.
Os dias seguintes foram estranhos, confusos eu diria. Stephen parecia arrependido, enquanto eu tentava digerir tudo, era doloroso, eu não sabia o que fazer. Então em um início de noite, enquanto eu estava dando banho nas garotas, o celular tocou, era do hospital em que Stephen trabalhava e era uma emergência. Não sei como consegui ligar para minha mãe vir ficar com Angel e Stella, não sei como cheguei ao hospital e não sei como consegui ver Stephen naquela situação sem desabar, ele havia sofrido um acidente gravíssimo e ele estava em um estado grave. Eu já conseguia prever o que iria acontecer, Stephen morreria se pudesse ver o seu estado.
Na manhã seguinte do acidente, acordei e dei de cara com Christine o examinando.
── Não quis te acordar, Sra. Strange. ── ela sorriu minimamente e eu me aproximei.
── Como ele está? ── perguntei e passei as mãos por meu rosto, as lágrimas estavam voltando, odiava ver ele indefeso e com dor. Apesar de tudo, ele ainda era o amor da minha vida.
── É um milagre ele ter sobrevivido, mas as mãos, isso vai ser um tombo enorme. ── ela suspirou e ambas olhamos para as mãos feridas.
── Eu, quero dizer, você acha que não tem o que fazer? ── questionei.
── Eu acho que só um milagre pode dar um jeito nisso, Sn. ── Christine foi sincera, mas aquilo não diminuiu a dor. Stephen iria se perder na amargura.
── O que aconteceu? ── ele acordou, nos pegando de surpresa.
── Stephen, você acordou. ── sorri sem mostrar os dentes e ele me olhou, era como se estivesse pedindo socorro. Seu rosto estava machucado e se Angel ou Stella o vissem, chorariam.
── O que aconteceu? ── ele repetiu sua pergunta e Christine me olhou, pedindo autorização para contar e eu deixei.
── Você sofreu um acidente, um acidente grave, Stephen. ── ela começou tentando pegar leve, mas o ego ferido dele queria mais.
── Eu quero saber de minhas mãos. ── pediu impaciente.
── Stephen, para, você tem que se acalmar. ── pedi, mas foi como se eu não estivesse ali.
── ME FALA SOBRE MINHAS MÃOS, AGORA! ── gritou, fazendo com que Christine e eu recuassemos para trás. A olhei e assenti para ela.
── Aço inoxidável 11. Pinos nas mãos, múltiplos ligamentos rompidos. Danos severos nos nervos das duas mãos. Você ficou na mesa por 11 horas. ── quando ela terminou, me virei de costas e me permiti chorar um pouco, precisava deixar aquilo sair.
── Olha só esses fixadores. ── eu conhecia aquele tom de voz, ele falava daquele jeito quando algo não saia do modo dele.
── Stephen, não faz isso. ── pedi voltando a olhar para ele.
── Ninguém teria feito melhor. ── a pobre mulher soprou, tentando ser o mais útil possível, mas Stephen decidiu naquele momento que afastar as pessoas seria o melhor a se fazer.
── Eu teria feito melhor. ── ele disse olhando para ela e eu fechei os olhos, mesmo eu não gostando do egocentrismo e do achismo, também acho que ele teria feito melhor.
Os dias seguintes foram uma amostra grátis do inferno, e Stephen era o rei de lá. Ele era rude e ingrato, não deixava ninguém se aproximar e se enfiou numa grande bolha de remorso. Os tratamentos não surtiram efeito e as mãos tremiam muito, quando os ferimentos se cicatrizaram, ele ganhou alta e acho que foi aí que ele realmente começou a sentir de verdade. Ele não conseguia alimentar Stella ou desenhar com Angel, não conseguia segurar um copo nas mãos e nem qualquer outra coisa, ele se descontrolava por pouco, quase nada. Com os meses passando, ele começou a gastar tudo o que havia ganho como médico em tratamento alternativos, nenhum nunca fez efeito.
Entrei em casa e coloquei as compras na cozinha, Stephen estava na mesa, com muitos papéis e o computador ao lado.
── Oi. ── disse me aproximando mais. ── As meninas ficaram na casa da minha mãe, pensei em fazer um jantar para nós dois, o que acha? ── sorri e perguntei, queria fazer com que ele se sentisse melhor.
── E aí você vai me dar comida na boca do mesmo jeito que faz com a Stella? Ou vai tentar me ensinar a comer direito como faz com a Angel? ── eu queria me convencer de que não era ele falando, mas a cada dia ficava mais difícil.
── Só achei que seria bom para você, para a gente. ── suspirei pesadamente, tentando relevar mais uma vez.
── Eu achei outro tratamento, não é aqui, mas é tecnologia de ponta se pegarmos o dinheiro na poupança das garotas e juntar com o resto que tenho, podemos pagar. ── surpresa, eu estava surpresa e um tanto chocada. Ele sorriu e se levantou para me mostrar as coisas.
── Chega! ── falei e recuei para trás.
── Eu sei que tô pedindo demais, mas você sabe, essas mãos fazem dinheiro, precisamos dela. ── ele tentou me convencer.
── Chega, Stephen. ── pedi novamente e o olhei.
── Sn, você sabe que podemos recuperar tudo depois da cirurgia, a poupança das garotas vai ficar cheia novamente e elas vão fazer a faculdade que quiserem no futuro. ── não era sobre dinheiro, era sobre o cansaço.
── EU DISSE JÁ CHEGA! ── gritei. ── Você tá sofrendo, eu sei, mas de novo, Stephen, de novo você não consegue ver um palmo a sua frente, você acha que é só você quem está sofrendo?
── SOU EU QUEM SE TORNOU UM INÚTIL, CARAMBA, EU NÃO POSSO MAIS BRINCAR COM MINHAS FILHAS OU ALIMENTAR ELAS, PORQUE EU PRECISO DAS MERDAS DESSAS MÃOS FORTES NOVAMENTE. ── ele gritou na minha cara.
── Stephen, pelo amor de Deus, nós já gastamos tudo o que você queria, eu não sei mais como te ajudar. ── soprei sincera.
── Me levando para fazer a cirurgia. ── ele falou e me olhou, esperando qualquer reação positiva.
── Não. ── falei simples e virei as costas, me assustei com o grito e o barulho das coisas sendo quebradas, e me virei, olhando a a bagunça que ele tinha feito.
── VOCÊ ODEIA QUE EU AINDA ESTEJA VIVO. ── gritou.
── Eu odeio a pessoa que você se tornou, um ser vazio, medíocre, egocêntrico e egoísta, só pensa em si mesmo. ── falei e como a aquilo tivesse o atingindo, ele permaneceu calado. ── Eu costumava acreditar que, pelo menos, você amasse suas filhas, mas eu acho que você é incapaz de sentir sentimentos por qualquer pessoa que não seja você e sua carreira de merda.
── NÃO FALA SOBRE OS MEUS SENTIMENTOS POR ELAS, ISSO NÃO ESTÁ EM DISCUSSÃO, EU MORRERIA POR ELAS, DO MESMO MODO QUE SEI QUE VOCÊ TAMBÉM MORRERIA. ── Stephen gritou, ele balançou as mãos trêmulas no ar e eu me arrependi do que disse.
── Eu, eu me desculpa, me desculpa, querido, eu não quis dizer isso, eu, me desculpa. ── falei me aproximando dele, enquanto lágrimas rolavam por nossos rostos. ── Dissemos coisas que não deveriam ser ditas, eu nunca quis te ver morto.
── Mas foi o que pareceu. ── quando você acha que ele não pode mais surpreender, ele surpreende.
── O que? ── a decepção em meus olhos eram incapazes de não serem vistas.
── Eu preciso dessa cirurgia e vou fazer, com ou sem sua ajuda. ── ele começou a recolher os papéis do chão, enquanto eu continuava parada ali.
── VOCÊ NÃO MORREU, STEPHEN, EU NUNCA QUIS ISSO, MAS VOCÊ NÃO PERCEBEU QUE ESTÁ MATANDO A GENTE! ── gritei chamando sua atenção e ele parou, como se houvesse sido atingindo em cheio.
── Pode ir embora, não estou te segurando. ── meu coração se quebrou ali, ele nem sequer olhou para trás.
── Só não venha se arrepender disso depois, Stephen, eu estava aqui o tempo todo, só você não percebeu. ── as lágrimas escorriam livremente enquanto eu saia.
Depois de dois dias fui informada pela Christine que Stephen também tentou ter a ajuda dela, mas ela também estava farta de tudo aquilo. Ele havia sumido, deixando a mim e as suas duas filhas para trás, não foi por falta de lutar ou tentar, eu lutei muito para tê-lo de volta, mas acho que já havia perdido Stephen muito antes daquele acidente.
Tati ۞
Querem parte 2????? Eu amei como ficou aaaaa 🤧
Espero que gostem ❤️
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