Capítulo 73

19 1 1
                                    

Cheguei ao apartamento da Robin. Tudo escuro, apenas pequenas faixas de luz a sair pelas frestas das venezianas fechadas. Ela estava dormindo. Um cheiro acre se misturava ao de cigarro. Pontas flutuavam num copo de gim.

Abri o vidro da janela para que entrasse um pouco de sol. Ela esfregou os olhos, chamou-me de um nome desconhecido. Depois me reconheceu.

- Olá -, ela disse, o rosto cansado, pálido. - Ah, é você. O que veio fazer aqui?

Lembrei-a de que havíamos combinado em visitar Charlie.

- Que dia é hoje?

- Sexta-feira.

- Sexta -, Robin deitou-se novamente. - Odeio a sexta. E a quarta também. Dão azar. Mistério doloroso no rosário. Você não tem a impressão de que algo horrível está para acontecer?

Fiquei aflita.

- Não -, respondi defensivamente, embora não fosse verdade. - O que acha que pode acontecer?

- Sei lá -, respondeu sem se mover. - Talvez eu esteja enganada.

- Deveria abrir a janela -, falei. - Seu quarto cheira mal.

- Que se dane. Não sinto cheiro algum. Estou com sinusite. - Distraída, com uma das mãos ela tateou a cabeceira em busca do cigarro. - Meu Deus, como estou deprimida. Não conseguiria visitar Charlie agora.

- Mas precisamos ir.

- Que horas são?

- Onze, mais ou menos.

Depois de um momento de silêncio, ela disse:

- Escute. Tive uma ideia. Vamos comer. Depois passaremos lá.

- Ficaríamos preocupadas o tempo inteiro.

- Vamos telefonar para Vanessa, então. Aposto que ela virá.

- Por que deseja chamar Vanessa?

- Estou deprimida. Encontrá-la sempre me anima. - Ela virou de bruços. - Ou não, talvez. Sei lá.

Vanessa abriu a porta - só uma fresta, como na primeira vez em que bati - e terminou de abrir quando viu quem era. Robin perguntou imediatamente se ela queria almoçar conosco.

- Mas é claro, eu adoraria -, ela riu. - Está foi uma manhã curiosa. Muito interessante. Vamos, falarei a respeito no caminho.

As coisas curiosas a que Vanessa se referia com frequência se revelavam bem comuns. Por escolha própria, ela mantinha tão pouco contato com o mundo exterior, que considerava o corriqueiro bizarro: horóscopo pelo computador, digamos, ou uma novidade no supermercado - cereais matinais em forma de vampiros, iogurte enlatado que não necessitava de refrigeração. Gostávamos de ouvir suas aventuras no século xx, de modo que Robin perguntou o que ocorrera.

- Bem, a secretária do Departamento de Língua e Literatura acabou de sair daqui -, ela disse. - Ela me trouxe uma carta. Existem lá escaninhos para correspondência dos professores, sabem. Caixinhas para entrada e saída de material, no escritório, onde podemos deixar cartas ou recebê-las. Claro, jamais as utilizo. Qualquer um com quem eu possa querer conversar sabe como me localizar. Esta carta -, ela apontou, aberta em cima da mesa, a nosso lado, próxima a seus óculos de leitura -, endereçada a mim mas por algum motivo foi parar no escaninho do senhor Morse, que viajou para fazer um curso. Seu filho passou lá para apanhar a correspondência esta manhã e descobriu que por um engano ela se encontrava entre as cartas de seu pai.

- Que tipo de carta? -, Robin perguntou. - De quem é?

- Da Dakota -, Vanessa disse.

Uma faca afiada de terror varou meu coração. Arregalamos os olhos, atônitas. Vanessa sorriu para nós, numa pausa dramática, para que o espanto desabrochasse integralmente.

A História Secreta - CamrenWhere stories live. Discover now